Livros do Escritor

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segunda-feira, 8 de julho de 2024

“Não plecisa de ajuda”

 


Ainda por aqui a imagem da primeira vez que o vi, ninguém lhe podia ficar indiferente, realizava, num contexto propício a tal, um exercício cujo movimento ficava a meio, e a seguir outro, mais outro, todos os movimentos pela metade, ou talvez fosse uma outra coisa, pois, a verdade é esta, percebi, assim que o vi, estar na presença de um verdadeiro Ninja, claro que executava os movimentos correctamente, a nossa visão é que estava sempre aquém da sua velocidade, a realidade era esta, sim, sem dúvida, chama-se Yang, o nosso Ninja, quando algum incauto o procurava corrigir, o nosso herói, de poucas falas como todos os grandes ícones do mundo da acção, limitava-se a responder, de forma quase sumida, “Não plecisa de ajuda”, elementar, conciso, pragmático, como um Ninja conseguiria explicar, a um simples mortal, que o olhar comum está aquém da sua velocidade de movimentos? Levantou-se-me logo, vinda da memória, a canção do genérico de uma série de infância, nem por acaso sobre heróis de Shaolin, agora, à minha frente, ali estava um, afinal eram reais, as más-línguas diziam que trabalhava num desses armazéns que alimentam as lojas das suas gentes, duvido muito, a maledicência não tem limites, e que vivia com a mãe, imagine-se: um verdadeiro Ninja a trabalhar num armazém que alimenta lojas orientais e a viver com a mãe?! Onde já se viu tal??? Obviamente tudo falsidades, é recrutado para missões-secretas de alto-risco e quando regressa tem, à sua espera, o leito de múltiplas pretendentes, a nossa visão é que estava sempre aquém da sua velocidade, a realidade era esta, o destino, esse incógnito que, volta-e-meia, gosta de nos relembrar a sua existência, forçou-o a ir treinar para outro espaço, ali chegado pagou uma anuidade, como era seu hábito, e em notas, às habituais e inconvenientes questões (“Quer factura? Precisa de recibo? Tem a certeza de que não quer?) limitava-se a repetir, de forma quase sumida, “Não plecisa…”, lesto a virar-costas e seguir o seu caminho, lá foi para a sala-de-exercícios espalhar a sua magia, claro que, por ali, também não estavam preparados para assistir aos treinos de um Ninja,  a nossa visão estava sempre aquém da sua velocidade, não tardou muito para que os incautos profissionais se aproximassem em tentativas de o corrigir, já um pouco desgastado, o nosso Ninja, num tom sem réplica, “Não plecisa de ajuda… “Não plecisa de ajuda…”, e assim continuava a sua saga, de exercícios pela metade, apenas uma ilusão de óptica para o nosso desarmado olhar, perante este tom sem réplica, ninguém ousava contra-argumentar, todos se afastavam para dar largas à maledicência, coitados, ignoravam o essencial: que a nossa visão estava sempre aquém da sua velocidade; houve quem o visse, de noite, à janela de sua casa, a vigiar o armazém, do outro lado da rua… Mentira! Estaria à espera da sua próxima missão, talvez fosse num longínquo ponto do mundo, nem dariam pela sua entrada quanto mais da sua saída, como era possível, de um Ninja, afirmar que, aos fins-de-semana, se limitava a uns passeios, pelo bairro, com a mãe?! Não, não pode ser, não acredito, é o cúmulo da maledicência, Yang, o Ninja, seja em dia for, ou está a salvar o mundo de um qualquer inimigo da humanidade ou a preparar-se para tal, e não se preocupem, se alguém lhe perguntar se precisa de ajuda, já sabe a resposta! Como todo o herói tem o seu disfarce, usa uns óculos quase colados ao rosto, para esbater as feições duras de guerreiro, em verdade, não me passou despercebida a sua constante atenção à envolvência, como se em alerta face a um possível ataque, tinha razão: estava em presença de um verdadeiro Ninja, se, por acaso, Sábado ou Domingo, virem um filho a passear a mãe, pelo bairro, escusam de perguntar se precisa de ajuda, porque não é Yang, o Ninja, esse estará num lugar longínquo a lutar para termos um amanhã, e, sim, é verdade, jamais “Plecisa” de ajuda…

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