Desde
criança sempre tive esta coisa de me perder a olhar horizontes, talvez o sonho
de além conseguir pousar a bagagem da minha alma, os meus avós tinham um
quintal rodeado de muros, quando por ali ficava, de imediato subia uma
escada-de-madeira encostada num desses muros, ali ficava, o necessário, a olhar
para Leste, hoje sei que essa escada-de-madeira estava encostada ao muro virado
para Leste, à noite, pelo vidro da janela, pouco via
para além dos muros, uma chaminé ali, o telhado de uma casa acolá, pouco mais, foi
então que resolvi pegar numa enxada, apesar de pouco mais de dez anos, senti-me
capaz de mudar o mundo, com uma década, o sonho acompanha-nos o respirar, e
comecei a escavar o centro do quintal da casa dos meus avós, sabia, de antemão,
que logo ecoaria um brado de minha avó, sempre atenta ao acontecer, apesar da
dificuldade no manuseio da enxada, pelo comprimento associado ao peso para os
bracitos de um miúdo de dez anos, não me demovi de a levantar aos céus para
logo atingir o terreno visado, logo à
primeira investida percebi a dificuldade da empreitada, o terreno era duro, a
enxada quase ricocheteava, porém, eu estava resoluto, nada me demoveria, senti
a rudeza do cabo de madeira da enxada, de certa forma, a vida
apresentava-se-me, continuei a levantar a enxada aos céus e a mergulhá-la na
terra, repetidamente, até que o expectável brado de minha avó me chegou, tive
de largar a enxada e correr ao seu encontro para me justificar, nada podia
perigar o meu projecto, após lhe apresentar as minhas explicações, do que tinha
idealizado para o centro do quintal, li-lhe, pelas expressões, primeiro,
espanto, nunca havia pensado em tal coisa, depois, alegria, por ver o neto
materializar a ideia, já nessa altura, sabia que, quando um adulto não
verbalizava o “Não”, que era um “Sim” impronunciado,
voltei a pegar no cabo da enxada e, uma vez mais, a trazê-la à terra, e outra,
mais outra, não sei quanto tempo passou, ser-me-ia hoje impossível precisar, o tempo da meninice tem outro respirar, pena que o
desaprendamos, sei que, boa parte do quintal já na sombra, parei para, com
indesmentível orgulho, observar metade da minha obra, só faltava a outra, espalhei
a terra revolvida, funcionalidade e estética sempre me nortearam, e a educação,
claro, por fim, só faltava saber se… Balde após balde fui enchendo de água a
vasta extensão de terra revolvida (Ou seria apenas uma cova? Uma singela poça d`água?
A percepção da meninice tem outro respirar, pena que a desaprendamos…), para meu
júbilo, a água ali se mantinha, com o queixo pousado na enxada, fiquei a
admirar a minha obra, faltava algo, sim, claro, de que me adiantava ter um lago
se não o podia atravessar? Logo procurei uma tábua suficientemente comprida
para o atravessar, e tijolos onde pudessem assentar as extremidades, uma ponte
sem altura não tem dignidade, olhando para trás, muito me admira a quantidade
de critérios estéticos que me habitavam, assim foi erigida a ponte, que tão
orgulhosamente atravessei múltiplas vezes, embora todas me parecessem a
primeira, no entanto, a ideia do lago tinha um propósito mais recôndito, se à
noite, pelo vidro da janela, pouco via para além dos muros, uma chaminé ali, o
telhado de uma casa acolá, pouco mais, após o jantar, iluminado pela lareira
(Há quanto não tenho jantares iluminados por lareiras? A comida não sabia a
pressa… O verbo alongava-se sob aquela luz bruxuleante… O tempo, ali, não tinha
por onde entrar… Sob aquela luz, alimentada por dois ou três toros, cadenciada
por uma melodia de crepitares avulsos, a Eternidade foi-me apresentada…), corri
para o vidro da mesma janela do ontem, mas não olhei para cima e sim para as
águas, lá em baixo, que espelhavam, em verdade, sonhos por descobrir, volta e
meia, uma nuvem passeante obscurecia uma estrela, a água turvava-se, o meu
olhar, nem por um segundo, se desprendia das águas, a ponte lá estava, reflecti
no facto de aguardar a nuvem passeante para reencontrar o brilho da estrela,
pois, através daquele vidro, aprendi o que era viver.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.