Livros do Escritor

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domingo, 1 de dezembro de 2024

Desolação II


 

Nos arredores da povoação caiada de branco debruçada sobre o mar, o possível verde de Sul cedia ingloriamente ao cinzentismo dos trolhas, pois, não há quase lugar, no hoje, onde essas patas imundas não cheguem, entre eles, no interior do veículo, apenas silêncio, tentavam reconhecer um vislumbre do lugar das primeiras férias juntos, como estava difícil, o possível verde de Sul cedia ingloriamente ao cinzentismo dos trolhas, a dificuldade maior residia, sem dúvida,  precisamente no interior do veículo, entre eles, aí, sim, nem vislumbres do que eram aquando das primeiras férias juntos, não por acaso ela procurava suspender o tempo, para reencontrar algo que talvez por ali estivesse entre lençóis, areia e mar, ele talvez nem se recorde de, numa manhã de Domingo, lhe tocar à porta coberto com um frondoso ramo-de-flores, à entrada da povoação caiada de branco debruçada sobre o mar, do lado direito, havia uma tascazita, sombria, com similitudes a filme do faroeste, ele prontamente olhou para lá, nada, portas fechadas, o casebre anunciava, num anglicismo, ser hospedaria para quem viesse do exterior, um reflexo do hoje neste território que, há cinquenta anos, faleceu como nação independente: uma hospedaria para quem chega do exterior! A rua principal, que atravessa a povoação caiada de branco, com, pelo menos, o triplo dos carros, os passeios sem vagas para mais transeuntes, tão longe das primeiras férias juntos, como se todos, em Agosto, para ali se precipitassem, ao silêncio, entre eles, no interior da viatura, somava-se um desolado espanto, como se uma sabida vã esperança de se terem enganado no destino, andavam uns metros e logo tinham de se imobilizar, ora pela imperativa passadeira, ora por um carro, na sofrível e mal executada marcha-atrás a sair de um lugar, nova passadeira, outro a sair, de marcha-atrás, num constante pára e arranca cumpriram, durante mais de quinze minutos, os cerca de trezentos metros até ao alojamento das primeiras férias juntos, foi ele a reservar, tal como no passado, um conhecimento de família, aqueles lugares, não obstante a sua centralidade e opulência, exigem um contacto prévio, até um vasto estacionamento interior possui, assim que saíram do carro, não evitaram sorrir, a leveza do ar mantinha-se como da primeira vez, afinal, algo subsistia, dirigiram-se para a entrada, a austeridade das instalações em flagrante contraste com a luminosidade e leveza do exterior, quase se entreolharam para “Afinal, era isto? Na altura, pareceu-nos tanto, e era só isto…”; mas foram surpreendidos por uma figura do passado, uma mulher tão ou mais austera que as instalações, no fundo, parecia uma extensão animada daquelas paredes e ambiente, a voz com um timbre solene e, ao mesmo tempo, deveras irritante, intuíram que ela os reconhecera, apesar de jamais o verbalizar, procedeu à entrega da chave do quarto e a relembrar as regras e horas das refeições, ali, de facto, o tempo suspendera-se, ele chegou a se questionar “Alguma vez entrei ou daqui saí?”; tudo imutável: regras, mobiliário, quadros, as personagens, o timbre, até as flores dos canteiros, no exterior, talvez fossem as mesmas, no entanto, eles destoavam, porque se sabiam outros, de imediato, naquele entreolhar incumprido, compreenderam o equívoco de ali terem regressado, mas era tarde, jamais ousariam confrontar a voz com um timbre solene e, ao mesmo tempo, deveras irritante, e ele já com a chave-do-quarto na mão, quase ousou virar-se para a figura do passado, uma mulher tão ou mais austera que as instalações, no fundo, parecia uma extensão animada daquelas paredes e ambiente, “Não nos víamos há tanto, não é verdade?! A senhora está na mesma…”, no entanto, afigurou-se-lhe ridículo, estéril, descontextualizado, olhava à sua volta e não encontrava quaisquer pontes de diálogo, até as múltiplas figuras religiosas expostas pareciam aquém da compreensão, apenas espelhavam silêncio e sofrimento, o quarto ficava num anexo sobre o rio, tudo permanecia imutável, como se aguardasse pacientemente pelo seu regresso, o olhar dele procurou a racha num dos degraus, ali estava, imperturbável, orgulhosa, como se proclamasse a sua vitória face ao tempo, antes de entrar, ficaram, por uns instantes, do varandim a olhar as águas verdes do rio que, pouco mais à frente, abraçam o mar, o ar povoado pelo cântico estival das cigarras, como se um grito da vida, efémero, trágico, mas o mundo ouve, os olhos dela em tristeza pelo fim anunciado da doçura daquelas águas, entraram dois naquele quarto, saíram três, ela numa total solidão, nada lhe disse, ele tão aquém da compreensão da tristeza pelo fim anunciado da doçura daquelas águas…

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