Nos
arredores da povoação caiada
de branco debruçada sobre o mar, o
possível verde de Sul cedia ingloriamente ao cinzentismo dos trolhas, pois,
não há quase lugar, no hoje, onde essas patas imundas não cheguem, entre eles, no
interior do veículo, apenas silêncio, tentavam reconhecer um vislumbre do lugar das primeiras férias juntos, como
estava difícil, o possível verde de Sul cedia ingloriamente ao cinzentismo dos
trolhas, a dificuldade maior residia, sem dúvida, precisamente no interior do veículo, entre
eles, aí, sim, nem vislumbres do que eram aquando das primeiras férias juntos, não
por acaso ela procurava suspender o tempo, para reencontrar algo que talvez por
ali estivesse entre lençóis, areia e mar, ele talvez nem se recorde de, numa
manhã de Domingo, lhe tocar à porta coberto com um frondoso ramo-de-flores, à
entrada da povoação caiada de branco debruçada
sobre o mar, do lado direito, havia uma tascazita, sombria, com similitudes a
filme do faroeste, ele prontamente olhou para lá, nada, portas fechadas, o
casebre anunciava, num anglicismo, ser hospedaria para quem viesse do exterior,
um reflexo do hoje neste território que, há cinquenta anos, faleceu como nação
independente: uma hospedaria para quem chega do exterior! A rua principal, que
atravessa a povoação caiada de branco, com, pelo menos, o triplo dos carros, os
passeios sem vagas para mais transeuntes, tão longe das primeiras férias
juntos, como se todos, em Agosto, para ali se precipitassem, ao silêncio, entre
eles, no interior da viatura, somava-se um desolado espanto, como se uma sabida
vã esperança de se terem enganado no destino, andavam uns metros e logo tinham
de se imobilizar, ora pela imperativa passadeira, ora por um carro, na sofrível
e mal executada marcha-atrás a sair de um lugar, nova passadeira, outro a sair,
de marcha-atrás, num constante pára e arranca cumpriram, durante mais de quinze
minutos, os cerca de trezentos metros até ao alojamento das primeiras férias
juntos, foi ele a reservar, tal como no passado, um conhecimento de família,
aqueles lugares, não obstante a sua centralidade e opulência, exigem um
contacto prévio, até um vasto estacionamento interior possui, assim que saíram
do carro, não evitaram sorrir, a leveza do ar mantinha-se como da primeira vez,
afinal, algo subsistia, dirigiram-se para a entrada, a austeridade das
instalações em flagrante contraste com a luminosidade e leveza do exterior, quase
se entreolharam para “Afinal, era isto? Na altura, pareceu-nos
tanto, e era só isto…”; mas foram surpreendidos por uma figura do passado, uma mulher tão ou mais austera que as instalações, no
fundo, parecia uma extensão animada daquelas paredes e ambiente, a voz com um timbre solene e, ao mesmo tempo, deveras
irritante, intuíram que ela os reconhecera, apesar de jamais o verbalizar, procedeu
à entrega da chave do quarto e a relembrar as regras e horas das refeições,
ali, de facto, o tempo suspendera-se, ele chegou a se questionar “Alguma
vez entrei ou daqui saí?”; tudo imutável: regras, mobiliário, quadros, as
personagens, o timbre, até as flores dos canteiros, no exterior, talvez fossem
as mesmas, no entanto, eles destoavam, porque se sabiam outros, de imediato,
naquele entreolhar incumprido, compreenderam o equívoco de ali terem
regressado, mas era tarde, jamais ousariam confrontar a voz com um timbre
solene e, ao mesmo tempo, deveras irritante, e ele já com a chave-do-quarto na
mão, quase ousou virar-se para a figura do passado, uma mulher tão ou mais
austera que as instalações, no fundo, parecia uma extensão animada daquelas
paredes e ambiente, “Não nos víamos há tanto, não é verdade?! A senhora
está na mesma…”, no entanto, afigurou-se-lhe ridículo, estéril,
descontextualizado, olhava à sua volta e não encontrava quaisquer pontes de
diálogo, até as múltiplas figuras religiosas expostas pareciam aquém da
compreensão, apenas espelhavam silêncio e sofrimento, o quarto ficava num anexo
sobre o rio, tudo permanecia imutável, como se aguardasse pacientemente pelo
seu regresso, o olhar dele procurou a racha num dos degraus, ali estava, imperturbável,
orgulhosa, como se proclamasse a sua vitória face ao tempo, antes de entrar,
ficaram, por uns instantes, do varandim a olhar as águas verdes do rio que, pouco
mais à frente, abraçam o mar, o ar povoado pelo cântico estival das cigarras,
como se um grito da vida, efémero, trágico, mas o mundo ouve, os olhos dela em tristeza pelo fim anunciado da doçura daquelas águas, entraram
dois naquele quarto, saíram três, ela numa total solidão, nada lhe disse, ele
tão aquém da compreensão da tristeza pelo fim anunciado da doçura daquelas
águas…
Livros do Escritor
domingo, 1 de dezembro de 2024
Desolação II
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