Já ouvi, em tempos, alguém afirmar
que as rameiras ajudam à sobrevivência de muitos casamentos, pois, é possível,
à luz desta premissa, hoje vamos falar de “O Pântano”, uma conhecida casa-de-alterne, gerida,
como é natural nestes contextos, por uma hábil alternadeira, dizem as
más-línguas que, há uns anos, soube ardilosamente envolver-se com um velho, de carácter deveras manhoso, dizia-se, por aquelas
bandas, que a preparou cuidadosamente para o cargo, era uma mulher baixa, com
umas ancas de égua, um rosto de suína deveras
desagradável, o cabelo, se assim se podia denominar, uns fios sebosos num
constante desalinho, quanto à indumentária, o normal de uma alternadeira, uma
efémera tentativa de parecer o que não é, dos pés à cabeça nada lhe assentava
condignamente, a rotunda volumetria apenas um desafio para as costuras, não
havia dia em que o velho, de carácter deveras manhoso, não fosse visto a entrar
na casa-de-alterne, apenas ia para contabilizar os proveitos, há muito que a
natureza lhe vedara outras possibilidades, embora, pelo
focinho manhoso, não se adivinhasse, por ali, alguém capaz de levar uma mulher
às estrelas, gestos contidos, uma indumentária de sacristão-arrependido, embora
aquele focinho-manhoso olhasse de soslaio tudo ao seu redor, era habitual ver
as alternadeiras-fumadoras à porta, houve uma que rapidamente escalou na
hierarquia do “Pântano”, já caminhava pelo Outono do viver, estranha
esta ligação entre o alterne e o ocaso da existência, o imperativo cabelo
pintado de louro, talvez acredite em mitos associados ao masculino, os
incisivos-centrais escurecidos, quiçá do excesso de tabaco, o rosto assemelhava-se a um possível campo de arqueologia,
tal a ruína e desolação gritantes, a expressão quotidiana também não trazia
vestígios de luz ao quadro, o ar resignado de quem compreendeu, há tempo
suficiente, que só lhe resta caminhar pelos subterrâneos do viver, tornou-se
próxima de uma lésbica que lá aportou no departamento comercial, encarregada
dos livros, todo o negócio, para prosperar, carece de um bom contabilista, diziam
que esta era uma taumaturga das contas, como a maioria da sua espécie, cabelo-curto, sempre dá um ar másculo à coisa, também
caminhava há muito pelo Outono da existência, uns óculos anacrónicos, convém
para dar credibilidade a quem está próximo dos livros, pelo menos passa por
entendida ao olhar dos outros, do pescoço para baixo passava por homem, o que
muito lhe agradava, sublinhe-se, afinal gostava do mesmo que qualquer macho
digno desse epíteto, do pescoço para cima, com aquela escassa neve em cima da
cabeça, e rapada quase à militar na nuca, só lhe
acentuava a inclinação, como já referido, tornou-se muito próxima da
alternadeira dos incisivos-escurecidos, era vê-las, durante o dia, alterne quase sempre rima com noite, em longas
conversas, vá-se lá saber porquê, apesar de os dentes-podres parecerem gostar
do sexo-oposto, embora daí só colhessem desilusões, não por acaso o rosto
assemelhar-se a um possível campo de arqueologia, talvez fosse o facto de o
cabelo-curto estar encarregado dos livros, todo o final do mês era vê-la a
correr para aquela nuca rapada quase à militar a perguntar-lhe pela percentagem
que lhe cabia, mas nada se passava no “Pântano” sem o aval e o
conhecimento do velho, de focinho-manhoso, quando a natureza subtrai a alegria
essencial de um homem, embora, pelo focinho-manhoso, não se adivinhasse, por
ali, alguém capaz de levar uma mulher às estrelas, gestos contidos, uma
indumentária de sacristão-arrependido, os medíocres viram-se para o vil-metal e
para a tentativa de logo asfixiar qualquer vislumbre de luz, alterne quase
sempre rima com noite, e como o “Pântano” recrudescia com as primeiras
sombras derramadas nos passeios pelos candeeiros iluminados, apesar do controle
do focinho-manhoso, a hábil-alternadeira, com um rosto de suína deveras
desagradável, o cabelo, se assim se podia denominar, uns fios sebosos num
constante desalinho, geria a casa com um aparente à-vontade, foi ideia sua a de
colocar o cabelo-curto, sempre dá um ar másculo à coisa, próxima dos livros,
diziam ser uma taumaturga das contas, o focinho-manhoso não se opôs, só lhe
interessava o avolumar da conta, já que o resto de si era uma subtracção
galopante – temos, neste particular, de apartar a crescente volumetria da sua
alternadeira, claro –, e sufocar qualquer vestígio de luz emergente, talvez um
dia a luz irrompa pelo “Pântano” e o focinho-manhoso, com as suas
alternadeiras, nem a memória cheguem…
Pedro de Sá
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