Livros do Escritor

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sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Esta estranha coisa de juntar palavras


 

Uma das ambições que, desde cedo, guardei para mim, foi a de escrever um livro, concretamente um romance, desconheço a sua génese, talvez não se distancie tanto assim daquele lugar-comum que cada homem, nesta sua passagem, deve: “Plantar uma árvore, escrever um livro e fazer um filho”; quando ouvia, em miúdo, isto, de mim para mim o maior desejo inquestionavelmente estava com o livro, lá por casa, com demasiada insistência, empurravam-me para a leitura, o problema é que nunca gostei de ser empurrado e muito menos que meçam forças comigo, por conseguinte, durante muitos anos andei afastado de capas, lombadas, contracapas e páginas, sempre que, ao serão, reforçavam a pertinência da leitura, simplesmente respondia: “Ler é perda de tempo! O importante é viver!” E não estava errado, como se pode derramar numa folha de papel o que não se viveu? O gosto pelo livro veio mais tarde, foi preciso um Mago para o despertar, e, até à minha última expiração, estar-lhe-ei grato, assim como aos Escritores que tanto influenciaram a minha mundividência, não foram muitos, confesso, daí a sua relevância ser maior, há quem defenda que estamos no lugar e na companhia devidos, pois, não sei, em tempos redigi: “Escrever é dizer não ao acontecer”, a Arte é sempre uma insubordinação, o artista jamais se resigna, não quero com isto afirmar ingratidão, mas tenho esta mania de me perder a olhar horizontes… Esta mania de me perder a olhar horizontes… Faz parte da minha fôrma, e como demorei a compreendê-lo, às vezes penso que vivi ao contrário, houve coisas que cedo entraram na minha vida e outras tarde aportaram, no entanto, um desejo sempre luziu em mim: o de escrever um livro, mais concretamente um romance; hoje já somo oito, não, não gosto de todos da mesma forma, tenho o meu preferido, o que menos aprecio, o mais solar, o nocturno a que não gosto de regressar, não os olho da mesma forma, neste ponto as preferências equivalem ao orgulho, porém há o laço inquebrável por de mim provirem, desconheço quantos livros ainda tenho por escrever, esta estranha coisa de juntar palavras, preencher o inquietante vazio de uma página em branco, como se calasse um dilacerante grito de dor, por um latente e doloroso vazio, há uns tempos compreendi que o mais difícil é sempre a primeira palavra, desta verdade jamais alguém me demoverá, a primeira palavra, simultaneamente a que ilumina e desbravará o caminho às vindouras, uma conquista recente prende-se com o facto de escrever somente para me agradar, já não me interessam os juízos de terceiros, no início claro que aguardava, com impaciência, o parecer de alguns que me mereciam crédito, isso já lá vai, neste momento o meu foco está que, a cada página escrita, se desvele um pouco mais do meu nebuloso “eu”, a sonoridade das palavras, a incessante procura de dizer as coisas que o pensar só depois ilumina, pela sua singela evidência, não raras vezes, quando em grupos na juventude, dava por mim, da considerável distância do pensar, a observar-lhes os tiques, trejeitos, a aguardar as frases que lhes maquilhavam as vontades, a contabilizar inocência e malícia – resultado sempre tão desnivelado a favor da última –, como se uma fatalidade, lamento que o Mal sempre nos marque mais que o Bem, mas é um facto, é da nossa essência esta particular sensibilidade para o Mal, já escrevi múltiplas linhas para ajustar-contas, no fundo desde a primeira-linha creio que estou a ajustar contas comigo, talvez por, demasiado tarde, compreender que a capacidade da desilusão reside em cada um de nós, por outras palavras, jamais alguém nos desiludiu, fomos sempre nós que o fizemos, em tempos escrevi, numa mensagem, “Viver, aprender…”, é a realidade, sempre que se me afigurou chegar a um ponto elevado e daí observar o mundo circundante, lá vem a vida, com toda a sua volumosa ironia, lançar-me por terra e abolir todas as certezinhas até então fragilmente construídas, creio que a vida muito gosta de se rir de nós, desta verdade jamais alguém me demoverá, não raras vezes dou por mim a questionar a razão que me leva, noites infindas, a juntar e juntar palavras, claro que certas linhas me fizeram regressar à doçuras de dias idos, onde um sonho norteava cada passo, outras houve que me submergiram em pesadelos dos quais, em verdade, jamais se desperta por inteiro, mas esta coisa de juntar palavras é um imperativo de fonte incógnita, simplesmente tenho de cumprir, há quinze-anos o compreendi, desde então limito-me a obedecer-lhe, talvez escrever seja o respirar da minha alma, é possível que sim, nunca tive qualquer paciência para conversas de ocasião, sobre o tempo, trânsito, situações confrangedoras como no elevador com um vizinho, limito-me a um sorriso opaco e a anuir, já não encontro paciência para mais, não quero com isto colocar-me acima seja do que for, apenas sublinho e repito que nunca tive paciência para conversas de elevador ou de sala-de-espera, embora esteja atento a tiques ou trejeitos que possam ser necessários para preencher o inquietante vazio de uma página em branco, e quantas circunstâncias assim já ilustrei, se me preocupo, quando partir, se serei lido? É como perguntar, a quem ajuda um desvalido, se espera gratidão! Trata-se de um imperativo, Kant explanou-o magistralmente, sempre tive esta mania de me perder a olhar horizontes… Esta mania de me perder a olhar horizontes… Desde há quinze-anos ando a juntar palavras para compreender a direcção do meu olhar.

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