Há uns
dias, não sei porquê, parei e olhei para um lugar
significativo desta minha passagem pelo aqui, de facto, ignoro a razão de o
ter fixado precisamente naquela tarde, pois ali passo de vez em quando, mas não
me quero perder, como dizia olhei para um lugar significativo desta minha
passagem pelo aqui, estive, há uns anos, ali por um imperativo-social,
religioso e, acima de tudo, do sentir, o meu olhar de hoje vislumbrava o
lugar onde se tiraram múltiplas fotos, à minha volta mais de uma centena, entre
familiares, amigos, conhecidos, desconhecidos e até inimizades – também era um
imperativo-social –, disse há pouco que olhei para um lugar significativo desta
minha passagem pelo aqui, talvez não seja bem assim, quando o meu olhar
percorreu aquela escadaria, encimada pelas pedras que nos relembram a existência
de Deus, eu procurava reconstruir, pelo menos, uma das múltiplas fotos ali
tiradas naquele dia, porém, foi-me impossível, tentei, voltei a tentar,
esforcei-me de novo, só subtracções às originais, a minha mente não parava de
somar subtracções, um terror assomou das funduras da minha alma sob a forma de
uma questão: “Se
fosse hoje, quantos ali estariam presentes?” Não
parava de somar subtracções, tantos e tantos já partiram, e não foi há tanto
assim que ali entrei por um imperativo-social, religioso e, acima de tudo, do
sentir, senti-me perdido, esmagado, “Se fosse hoje, quantos ali estariam
presentes?” Desde que nos lembramos de sermos, quantos vazios já somamos? Em
verdade, a lista só termina quando também partirmos, essa é a ironia maior!
Viuvez é feminina, o homem não tem tal dignidade, pela carência, fragilidade, o
desamparo da solidão, a criança que jamais deixou de ser, a incessante procura pelo abrigo de um colo, enquanto
a mulher sempre mais completa, fortificada, granítica, como se imune ao
desamparo de caminhar só, não fosse ela fonte de vida, ninguém olha uma mulher só
com compaixão, já um homem, pois, a incessante procura pelo abrigo de um colo… Há
uns dias, num entardecer, chamaram-me a atenção para uma velhota, aprumada,
vinha, sozinha, assistir ao adeus da luz à terra dos
homens, ali permaneceu, entre as várias dezenas de espectadores, poucos
eventos terão esta nobreza, durou cerca de uma dezena de minutos, quando, por
fim, o adeus da luz se cumpriu, todos dispersaram, no entanto, o meu olhar
procurou a velhota, para quem há pouco me haviam chamado a atenção, lá a
encontrei, aprumada, de facto, mas pressenti-lhe um latente desamparo
a cada passo, pelo vazio de agora, talvez, antes, ali viesse, todos
os finais de tarde, acompanhada por quem lhe fazia
nascer sorrisos no rosto, assistir ao adeus da luz à terra dos homens, ali
permaneciam, abraçados, rostos para Oeste, a contemplar aquela singular
melancolia de um adeus, assim que, no horizonte, nem memória do alaranjado de
há pouco, regressavam a casa, talvez morassem perto,
caminhavam abraçados ou de mão-dada, compreendi pelo
latente desamparo a cada passo, devia haver confidências pelo caminho,
risos, compreensão, desconheço se tem filhos, embora o latente desamparo a cada
passo indicie que não, aquela mulher há muito se despediu do mundo, o seu
sentir partiu com quem lhe fazia nascer sorrisos no rosto, que bela história de amor terá sido… No fundo, todas
as histórias de amor são belas, por serem raras – não fosse o amor o mais raro
bem deste mundo –, continuei a olhá-la, lá ia pelos passeios anoitecidos, aprumada,
de facto, mas pressenti-lhe um latente desamparo a cada passo, talvez morassem
perto, caminhavam abraçados ou de mão-dada, a certa altura pareceu-me vê-la
sorrir, não, não foi impressão, ela sorriu, que bela história de amor terá sido…
Livros do Escritor
segunda-feira, 26 de agosto de 2024
Vazios
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