O cortejo negro, num passo lento e doloroso,
contrastava com o azul demasiado azul, talvez pelo seu convite à alegria, do
céu. Não era um cortejo muito longo. Também não se esperava que o fosse. Mas no
íntimo de cada um, latejava uma indizível revolta pela exiguidade do mesmo. Afinal,
tratava-se de uma última homenagem. E, para essa, todos são convidados. Ela ia
amparada (não se recorda por quem), a olhar um vazio, talvez não olhasse, mas
começasse a sentir. Por fim, os passos cessaram. Algo desceu (um regresso?),
ouviu palmas (soaram-lhe estridentes, despropositadas, ocas), e o som
(inesquecível) de pás e terra, terra a cair em madeira, e este som ecoou nas
suas raízes, como um grito secular mudo, e ela estremeceu, sentiu-se cair,
agarrou-se à falésia anónima do ombro que a ladeava… Quando, por fim, abriu os
olhos, só terra. Da madeira, nem sinal. Olhou o rosto dos homens das pás.
Ostentavam um rosto condizente com a mecânica dos seus movimentos. Nutriu
compaixão, afinal que sentimento pode suscitar a ignorância? Ouviu, agora,
passos, murmúrios, era a hora do regresso. Mas ela já não tinha hora. Ainda
menos onde regressar. Uma mão tola tentou arrastá-la. Tentou resistir-lhe, mas
não havia forças. Se ao menos uma lágrima lhe surgisse. Talvez uma súbita leveza.
Mas não. Sabia que o seu sentir estava além lágrimas. Um sentir de pedra não se
compadece com o carácter líquido de uma emoção. Sentiu-se longe. Apenas isso (...)
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