Chegaram ao centro comercial, como é
habitual ao sábado, por volta das 3 da tarde. Apesar da idade do carro, a
estima dele não esmorece. Ainda por cima, como ele costuma dizer, sempre que
pode trata de o abonecar. Já lhe mudou a dianteira e consequentes novas
ópticas. O anoitecer, para ele, ganhou um novo desígnio: afinal, a estrada
passou para uma tonalidade algures entre o azul e o roxo. E não esquecer a
traseira… Mas já chega de carros. Afinal, acabaram de o estacionar, e, ao sair,
ele não evita bater com a cabeça no terço, pendente do retrovisor, que a mãe o
obrigara a colocar, sob promessa. Ela saía com mais solenidade: não só pelos
saltos, como pelo carácter da ocasião. Antes de as portas se lhes abrirem de
par em par, com a promessa de um triunfalismo nunca chegado, ele prime o botão
da chave, e escuta o guincho metálico do carro, observa o reflexo das luzes nos
vidros, e incha o peito por uma confiança revigorada. Ele dá-lhe a mão. Com a
outra ajeita o boné. Enverga umas calças de ganga, compradas numa feira em
Loures (na altura dissera a um amigo: São
um mimo, bacano. Por um nico, e parecem as verdadeiras), camisa branca, casaco castanho de
cabedal, um pouco coçado, e com o fecho estragado, e umas botas pontiagudas,
pretas, com umas cornucópias gravadas a atirar para o dourado. Está um pouco
irritado com um bocado de carne, preso entre molares, que não consegue tirar.
Não consegue desviar daí a língua. Já tentou, infrutiferamente, com o indicador
direito. Praguejou pela ausência de palitos. Tinha por hábito mirar-se nos
vidros das montras, e perdia-se com os reflexos de luzes provenientes da
ostensiva pasta de gel, que lhe emoldurava o cabelo. Ela, muito direita a seu
lado, trazia vestida uma camisola preta, de decote acentuado (neste particular,
ele nutria orgulho, e proclamava bem alto: O
que é bonito, é para se ver), por cima um casaco a imitar peles, uma
minissaia verde, e uns botins, forrados a leopardo, com um salto da altura da
vertigem. Deambularam um pouco, entre montras, com o semblante algures entre o
cumprimento de um dever e o fascínio. Enquanto ela resistia, desta feita, a
entrar, e ficava-se pelas montras, ele observava em redor, na esperança de um
sorriso conhecido. Mas os rostos cirandantes apenas lhe devolviam circunspecção
e o distanciamento da indiferença (...)
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