Há uns dias, por exemplo, num momento da tarde,
creio que regressava a casa, levantou-se-me esta memória: houve um Natal, teria
cinco ou seis anos, o primeiro após o divórcio, lembras-te, claro, foi meu pai
a sair de casa. Bom, ao contrário do expectável, tive o Natal com mais prendas:
mãe, avós, tios, até vizinhos, parecia que todos procuravam compensar-me por
ver os pais seguir em direcções distintas. Percebi, pelo soar da campainha, a
chegada do meu pai, não me perguntes como, aquelas coisas que simplesmente
sabemos numa zona de nós tão longe e simultaneamente tão próxima do mundo, mas,
como dizia, foi após o jantar, ainda deu tempo de abrir mais de metade das
prendas, estava tão feliz, lutava e lutava com papel de embrulho, de facto, há
lutas que dão prazer, não me passou despercebido, logo após a campainha soar, o
cessar das conversas, um silêncio que ampliava o próprio respirar, curioso, não
me recordo de quem abriu a porta, minha mãe não foi, isso tenho presente,
talvez uma das tias, a imagem de meu pai, à entrada, surgiu-me, tímido, renitente
em avançar, olhou em volta à espera de um incentivo, acabou por surgir através
do afável gesto de um dos tios, lá entrou, em tímidos passos, à medida que se
ia aproximando, denotei-lhe uma crescente noite pelo rosto...
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