De repente, não sabe de onde, aquela
frase diante de si, como se nunca tivesse partido, Realmente, és tão diferente do teu irmão! Não tens nada a ver, nem
pareces saído de mim, ouve-a, primeiro, depois, olha-a, com uma nitidez
solar, Realmente, és tão diferente do teu
irmão! Não tens nada a ver, nem pareces saído de mim, sabia que ela tinha
prazer nestas palavras, percebia-se-lhe o gosto, apesar da sua precoce idade,
no entanto, dizia-lhe estas coisas sempre a sós, assegurava-se de que ninguém
os ouvisse, nessa altura, atribuiu as palavras ao facto de se concentrar em
demasia nos jogos de bola, tanto na escola como, na rua, com os vizinhos,
enquanto o irmão debruçado sobre livros, concentrado, ponderado nas suas
análises sempre que o solicitavam, prestimoso nas lides domésticas, de facto,
nada a apontar, talvez fosse início de tarde, era um dia de Inverno, um
cinzento constante de manhã à noite, até as sombras se tornavam indistintas no
seu duplicar agora entristecido, olha a janela chovida, observa os veios desenhados
pela água caída das alturas, são lágrimas alongadas por uma dor anterior ao
sentir, pensava ele, da sua secretária, enquanto fingia olhar para o écran, mas
aquela melodia de tarde cinzenta, em que o céu regressa à terra, leva-o para
longe daquelas conta-correntes, que tremeluzem diante de si, afasta um pouco a
cadeira da secretária, cansado de ver insaciáveis subtracções para tão
esquálidos créditos, orçamentos familiares que, durante trinta dias, percorrem
uma tormenta num fascinante equilíbrio de velho malabarista, através dos veios
desenhados pela água caída das alturas, na indistinta tarde do perpassado
cinzento matinal, aquela voz ecoa, como se nunca tivesse partido, Realmente, és tão diferente do teu irmão!
Não tens nada a ver, nem pareces saído de mim, porém, a voz partira, foi,
talvez nesse momento, que iniciou a compreensão de melodias de tardes
cinzentas, em que o céu regressa à terra, lembra-se, em particular, do esforço
em manter o guarda-chuva direito, o rectângulo de terra aberto a seus pés, o
irmão do outro lado, mais uns vultos, indistintos àquela hora de regressos, que
não perfaziam as duas dezenas, sentiu-se um espectador, nada mais, um
espectador impassível, como um convidado que assiste a um indesejado
espectáculo simplesmente por mera cortesia, a terra molhada a pesar o dobro, as
pás a moverem-se numa lentidão esforçada, como se cada gesto um cântico à
memória, olhou o irmão, do outro lado, muito direito, alguém, a seu lado,
segurava-lhe, também em esforço, o guarda-chuva, apesar do incessante regresso
da água das alturas à terra, percebia-se-lhe a concentração, a ponderação das
suas análises sempre que o solicitavam, o carácter prestimoso nas lides
domésticas, de facto, nada a apontar, as pás a ocultar o rectângulo de terra,
assim começa uma memória. Por fim, o regresso de cada um ao seu mundo, àqueles
dissabores quotidianos superados apenas por uma qualquer coisa indistinta, a
que dão muitos nomes, até que somos também o início de uma memória… Tantas
certezas, sempre muito direita, até ao fim, já as mãos fossilizavam, mas as
costas estoicamente aguentavam o peso do existir, fazia questão disso, gostava
de dar conselhos, até elevava a voz para que se soubesse, nas mesas vizinhas,
que o fazia, as amigas coravam, mas ela irradiava aquela segurança, tinha
gáudio nisso, antes de acompanhar as águas das alturas no regresso à terra,
sublinhou a sua vontade de ficar perto de casa, ele e o irmão, espantados,
questionaram o porquê, afinal, o pai repousava na província, comprara-se um talhão
com esse propósito, e afinal… A resposta, como sempre, a não tardar Já o aturei que chegue em vida! Ao menos, que tenha sossego do outro lado, depois
de tanto, ninguém se espantou, só aqueles escassos vultos, indistintos àquela
hora de regressos, que não perfaziam as duas dezenas, ainda o deixam inquieto,
tantas convicções, certezas e mais certezas, concorridíssimas tardes de chás e
cafés pelo bairro, as quintas-feiras de canasta, aqueles ditames sibilados
sempre a sós, assegurava-se de que ninguém os ouvisse, Realmente, és tão diferente do teu irmão! Não tens nada a ver, nem
pareces saído de mim, hoje, a olhar aquela janela chovida, dá-lhe a sua
razão, afinal, diante daquele rectângulo de terra aberto a seus pés, ao iniciar
a compreensão de melodias de tardes cinzentas, em que o céu regressa à terra,
lembra-se, em particular, do esforço para manter o guarda-chuva direito.
Livros do Escritor
sexta-feira, 6 de setembro de 2024
Pequenos nadas
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