Como
anda ele? Uma boa pergunta! Olhe, não sei o que lhe responder, em verdade tudo
depende dela… Ao ponto que chegámos, o sorriso do filho nas mãos de uma
qualquer… Já lhe tentei explicar, com todos os argumentos possíveis, o óbvio: o
facto de ele lhe ter concedido todo o poder da relação! Como é possível? Nunca
o vi assim, a suavidade da voz ao melodiar o nome dela, vezes a mais, para o
meu gosto, por dia, parece-me, não sei porquê, que nada mais existe para ele
nesta vida, tudo, mas tudo de facto, gravita em torno daquela criatura, nada
mais vê, só a… Eu nem consigo pronunciar o nome dela! Às vezes acho que lhe lançou
um feitiço… Não, não se ria, já vi muita coisa nesta vida! Não, não me parece
que isto passe tão cedo! Não, não é uma fase, muito longe disso, repito: eu
nunca o vi assim, desta vez sinto que é diferente, não sei como descrever…
Intuição de mãe, como lhe queira chamar, a verdade é que ele está diferente,
longe dela parece que a vida o abandonou, um boneco velho
e avariado num sótão obscuro, o olhar turva-se-lhe, assim que ela o chama,
tudo se altera, a vida regressa-lhe, as frases sucedem-se-lhe numa ânsia
irreprimível, os gestos velozes e ágeis, quando há pouco num torpor de boneco
velho e avariado num sótão obscuro, o que diz o pai? O que acha? Sinceramente,
o que lhe parece? Acha muito bem, o rapaz está apaixonado, é óptimo, para eu
não me meter, são as dores do primeiro amor, que eu estou a ser picuinhas, o
habitual de quem vê o acontecer da lonjura, nem me dou ao trabalho de lhe dar
réplica, um encolher-de-ombros poupa tanta discussão, nem imagina… Com os anos que levo nesta caminhada por aqui, há muito
aprendi que toda a relação assenta num jogo de poder, ele praticamente
colocou-se aos pés dela, em nada se resguardou, em nada, quando recebemos
alguém, pela primeira vez, em casa, podemos mostrar-lhe ou não todas as
divisões, agora não me parece nada sensato abrir todos os armários: foi isto,
para lhe dar uma imagem, que ele fez: escancarou todos os armários, até deitou
pelo chão o conteúdo da mais insignificante gaveta; ela, no entanto, manteve-se
opaca, limitou-se a inflamar-lhe o sentir da varanda do seu secretismo, da sua
lonjura nocturna, ela tudo sabe dele, o inverso jamais; compreende, agora, a
minha apreensão? Assim que a vi, percebi logo, é uma “viajante,” o que quero dizer com isto?
Nenhum coração a fará apear-se, continuará a sua incessante marcha, rumo a um
destino que a própria ignora, o problema está nos irreversíveis e dolorosos
estragos perpetrados pelo caminho… Como eu sei que é
intencional? Não ouviu o que eu disse há pouco? Com os anos que levo nesta
caminhada por aqui, há muito aprendi que toda a relação assenta num jogo de
poder, em algum momento, ela colocou-se aos pés de alguém que tanto a magoou,
para se reerguer, ela petrificou o órgão que antes lhe batia no peito,
contenta-se, desde então, a ver os outros caídos por terra, como se, assim,
limpasse os erros do seu passado, acha rebuscada esta minha teoria? Não é
teoria, apenas uma leitura dos factos, nenhuma relação pode caminhar com tão
flagrante desequilíbrio: de um lado, até gavetas pelo chão, do outro, só a
porta-da-rua se entreabriu, diga-me: onde está o tão necessário equilíbrio? Claro
que ele vai cair, estou mais que consciente desse facto, a minha questão está
se conseguirá reerguer-se… Precisava de o ver ao lado dela, é deprimente, um
boneco-articulado sem alma, doou-se tanto nesta relação, ela tão sabida, a
todos os níveis, se me faço perceber, demasiado sabida, diria mesmo, a
controlar cada passo, de avanço ou recuo, o pateta a obedecer cegamente a cada
ordem, chamá-lo à razão??? Está a brincar comigo, certo? Quando o coração está
ao leme de nós, onde fica a razão? Pois, numa qualquer cela empoeirada do casco!
Nunca fui dada a perder tempo, quando o vento do acontecer sopra contra nós, as
palavras tornam-se supérfluas, faço-me entender, jamais encontram receptor… Ela
vai deixá-lo caído! Estou a ser muito fatalista? Assim que a vi, percebi logo,
é uma “viajante,” o que quero dizer com isto? Nenhum coração a
fará apear-se, continuará a sua incessante marcha, rumo a um destino que a
própria ignora, o problema está nos irreversíveis e dolorosos estragos
perpetrados pelo caminho… Não, não é por aí, até essas, as que procuram saber o
peso da carteira, são mais transparentes, esta é de outra índole, anseia o
poder, ver cada um caído a seus pés, talvez um dia encontre alguém com a
capacidade de se reerguer e a devolva à sua real pequenez, este, coitado, não
será, acredito que não tenha uma essência má, ninguém tem culpa das feridas do
seu ontem, a questão é esta, se me quis conhecer? Até se sentou a meu lado e
fez questão de encetar diálogo, mais um pouco e até eu me enredava na sua teia,
agora que a memória iluminou este episódio, não me recordo de uma frase sua e
eu tanto me falei… Acho que é o seu olhar, possui um estranho magnetismo, é
compreensível que tantos por ali naufraguem…
Livros do Escritor
domingo, 8 de setembro de 2024
Valerá a pena?
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