Há demasiados anos que o pároco saturninos
estava à frente dos destinos daquela paróquia, era um homenzito vulgar, nada
tinha que destoasse, indumentária condizente com o
estatuto de sacerdote, com o seu quê de naftalina e um vislumbre de moldura
sobre um naperon, numa qualquer camilha, de uma tia velha, a única nota
dissonante do pároco saturninos estava precisamente no rosto,
as feições pareciam o resultado do cruzamento entre um sabujo e um velhaco, falava-se,
amiúde, pelas ruas da freguesia, das suas fraquezas pelo feminino, longe, muito
longe, dos ditames norteadores da cruz que representa, e, em verdade, nunca houve
muita concorrência para aquela diocese, havia também uma característica, no
pároco saturninos, que contribuía sobremaneira para que passasse incólume à
maioria dos vendavais da existência, falava, com todos, num
tom baixo,
arrastado, que instava logo concentração e reverência, como se dele proviessem
verdades do além, não nos esqueçamos: indumentária
condizente com o estatuto de sacerdote, com o seu quê de naftalina e um vislumbre
de moldura sobre um naperon, numa qualquer camilha, de uma tia velha; um dos
principais atributos do tempo é tudo desarrumar em volta, aquela paróquia não
escapou a esta regra, falava-se, há uns bons anos, em cada canto da freguesia,
da paixão do pároco saturninos por uma alternadeira de Amarante, a diferença de idades ia muito para além de duas décadas, não
obstante todo o falatório, ninguém colocou em causa o seu papel de
guia-espiritual daquelas gentes, pois, há fenómenos
muito estranhos debaixo do céu do mundo, quem sabe se uma indumentária
condizente com o estatuto de sacerdote, com o seu quê de naftalina e um vislumbre
de moldura sobre um naperon, numa qualquer camilha, de uma tia velha, ajudasse
a serenar dúvidas e a refrear a maledicência, e como era possível, o pároco saturninos,
com o seu tom baixo, arrastado, que instava logo
concentração e reverência, como se dele proviessem verdades do além, desviar-se,
mais de duas décadas, dos ditames norteadores da cruz que representa?! Há, de
facto, fenómenos muito estranhos debaixo do céu do mundo, ninguém falava das óbvias
fraquezas do pároco saturninos com o feminino, de estar envolvido com uma
alternadeira de Amarante, não, nada disso, as conversas centravam-se na
diferença de idades ir muito para além de duas décadas, como se o resto fosse
aceitável, pouco demorou até que as gentes dali dessem de caras com a
alternadeira à frente da tesouraria da paróquia, era uma sujeita baixa, de
carnes muito, muito, fartas, um cabelo permanentemente
de costas viradas para a escova, uma cara de suína que jamais conseguiria maquilhar
um carácter boçal, esta transição do alterne de Amarante para a tesouraria de
um edifício encabeçado pela sagrada-cruz ocorreu, para aquelas gentes, com toda
a naturalidade, no fundo, como se sempre ali estivesse a boçal-sorridente,
ostentava no focinho um omnipresente sorriso, talvez um conselho do pároco
saturninos, para facilitar a sua integração por aqueles lados, a única nota
dissonante estava no tom de voz, ao contrário do pároco saturninos, com o seu tom
baixo, arrastado, que instava logo concentração e reverência, como se dele
proviessem verdades do além, a alternadeira simplesmente berrava, por ali se
detectava a sua génese, além da indumentária, claro, camisolas largas, de
qualidade duvidosa, que apenas lhe acentuavam ainda mais a fartura de carnes,
calças de ganga cujo efeito cénico era similar, e uns ténis de linha-branca que
somente acentuavam o carácter confrangedor desta personagem, perante o olhar
dos outros, jamais se viu uma intimidade entre o pároco saturninos e a
alternadeira de Amarante, embora, de noite, ninguém a visse a abandonar a sacristia,
nunca se levantou qualquer voz em contrário, as contas da paróquia lá se faziam,
o pároco Saturninos também não caminhava para novo, ninguém caminha, precisava,
nos Invernos, que alguém lhe aquecesse os pés, e, neste aspecto, a alternadeira
de Amarante era de carnes muito, muito, fartas, e, sempre que alguém tinha uma
crise espiritual, bastava bater à porta, lá surgia aquele rosto, parecia o
resultado do cruzamento entre um sabujo e um velhaco, pronto a dar um conselho num
tom baixo, arrastado, que instava logo concentração e reverência, como se dele
proviessem verdades do além, se estivesse frio, não tardaria muito, do
interior, a ouvir-se um berro: “Vem mas é para dentro que está frio!”
Livros do Escritor
quinta-feira, 12 de outubro de 2023
O pároco e a alternadeira
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