A última vez que a vi, já os candeeiros nos iluminavam os passos, numa ruazita secundária, eu, fora do carro, à espera de um
não sei o quê, talvez à espera de mim mesmo, e continuo a aguardar, quando,
antes de a ver, ouvi-a, as frases muito ritmadas, percebi
que iria passar à minha frente, permaneci imóvel, olhei na direcção da sua
voz, umas dezenas de metros mais abaixo, apercebeu-se de mim, por momentos,
brevíssimos mesmo, no fundo, a Eternidade, olhou-me, o espanto
inicial por ali me encontrar, as dúvidas de como reagir, tudo o seu olhar
transpareceu, por fim, o orgulho assumiu o leme,
lá seguiu caminho, rua abaixo, permaneci onde estava, embora pensar e sentir
num turbilhão demasiado, nada de novo para mim, confesso ter gostado do espanto
inicial por ali me encontrar, as dúvidas de como reagir, tudo o seu olhar
transpareceu, nem vislumbres de indiferença, também ela não me era indiferente,
bem longe disso, em tempos escrevi que não tenho jeito
para despedidas, reafirmo-o, talvez pelos vazios derramados no horizonte,
em verdade, não é uma arte que almeje: jeito para despedidas! Meses antes de
candeeiros que nos iluminavam os passos, numa ruazita secundária, eu, fora do
carro, à espera de um não sei o quê, talvez à espera de mim mesmo, e continuo a
aguardar, de lhe ouvir a voz, perceber que iria passar à minha frente, de o
orgulho assumir o leme, certa tarde ela, no meu carro, quase em desabafo, “Só me saem gajos com o coração
lixado!”, retive,
de imediato, a frase, nessa altura, de facto, era um gajo com o coração lixado,
creio que sempre fui, e, de certa forma, vi nela uma possível consertadora de
corações, só alguém com tal desígnio podia emitir uma frase assim, acredito,
ainda hoje, que ela ignore o facto de a ter memorizado, , “Só me saem gajos com o coração lixado!”, gostei do
conteúdo (elegâncias de forma não são para aqui chamadas) e da espontaneidade
com que a emitiu, por fim, vislumbrava uma possibilidade de conserto para tão
vital órgão, e como precisava, uma das frases que
ultimamente mais tenho repetido (“Vivemos
tempos estranhos… Vivemos tempos estranhos…”) não tardaria a bater-me
à porta, e, por acaso, não nutro peculiar júbilo por estar certo antes do tempo,
muito pelo contrário, sinal de mau augúrio, assim foi neste caso e,
infelizmente, em muitos outros, há muito escrevi, peço desculpa, hoje estou a
citar-me muito, uma frase que ilustra os meus passos pelo aqui: “Para onde
vou, levo-me comigo”; não gosto de teatralizações, de máscaras, maquinações
e afins, como em tudo há vantagens e desvantagens, sem máscaras geramos amor ou ódio (eu também amo ou odeio – deste último lado
está o politicamente correcto: a mais sublimada forma de tirania!), não há
meia-medida, pois, um notório maniqueísmo, o ontem sempre tão no hoje, são os
ditames desta apatetada sociedade, porém, o meu único juiz continua a ser o
espelho, se gosto do seu reflexo, sim, gosto, e espero continuar nesta senda,
há um imperativo nesta equação: jamais, jamais, abdicar do amor-próprio! Há
quem lhe chame orgulho, estejam à-vontade para dar as denominações que bem
entenderem, a verdade é que, no fim, só nos resta este desígnio para continuar
nesta caminhada de rosto erguido, aqui fica o conselho, não sou muito pródigo
neste particular, sempre considerei que cada um deve encontrar o seu caminho,
claro que a consertadora de corações se revelou um logro, um pouco como aqueles
botecos de bairro onde vamos por falta de opção momentânea, confesso, no
entanto, que, como sempre, ali entrei sem máscaras, teatralizações e afins,
apenas eu a levar-me comigo, embora, em certa medida, ela tivesse o arrojo de
estancar uma hemorragia latente, esta é a verdade, por conseguinte, honra lhe
seja feita neste aspecto, quem vê o mundo de uma enorme
distância, com a nítida percepção de que este não é o seu lugar, possui
necessariamente um coração lacerado, aqui começou o equívoco da consertadora de
corações, um coração lixado, num boteco de bairro, resolve-se com uma curita,
um coração deveras lacerado exige uma taumaturga das emoções, alguém que igualmente veja o mundo de uma enorme
distância, com a nítida percepção de este não ser o seu lugar, aqui
chegados, alguns podem questionar se me arrependo, não, é a resposta, porque,
no fim, soube, a tempo, pegar no orgulho e restituí-lo ao meu peito, já que no
meu rosto não havia máscaras, vivemos, em verdade, no meio de um
baile-de-máscaras, uma das frases que ultimamente mais tenho repetido (“Vivemos
tempos estranhos… Vivemos tempos estranhos…”), felizmente estou aquém de
tais contextos, e, assim que o orgulho me foi restituído ao peito, sem
quaisquer laivos de arrogância, fiz as contas, e, de imediato, compreendi quem
saiu a perder, não é todos os dias que caminhamos ao lado alguém que vê o mundo
de uma enorme distância, com a nítida percepção de que este não é o seu lugar,
restam-lhe os ansiados corações lixados para aplicar umas curitas, pouco mais,
nada de demorado que envolva a compreensão de não sermos daqui, custa muito
depositar uma máscara, imaginemos todas: amor ou ódio, não há meia-medida,
pois, um notório maniqueísmo, o ontem sempre tão no hoje, são os ditames desta
apatetada sociedade, viver é cair – facto –, não deve haver lamentos nem contas,
em verdade, no fim de tudo, basta um rosto levantado a vislumbrar o outro a
caminhar rua abaixo, pouco mais, um coração deveras lacerado exige uma
taumaturga das emoções, estas aliam o tempo à compreensão, talvez por
felizmente saberem o logro de uma curita…
Livros do Escritor
segunda-feira, 9 de outubro de 2023
A consertadora de corações
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