Ontem não disse nada. Não, não sei por onde anda… Há mais de três
dias que não sei nada dele. Estou mais ou menos. O que é que queres que
te diga? Claro que lhe sinto a falta. Ainda por cima nesta fase. Dizem
que pode acontecer a qualquer altura. Se estou com medo? O que é que
achas? É óbvio! Mas não sei bem do quê… Olho-me ao espelho e não
me reconheço, até os pés me incharam, nem te falo do ambiente aqui
por casa, o meu pai que não me dirige a palavra, sabes, não é tanto isso
que me dói, é mais aquele olhar-me não me olhando, como se me tivesse
tornado invisível, a minha mãe sempre com aquele timbre dorido, às
vezes sinto que os traí, que estupidez, sim, eu sei, mas o que é que queres
que te diga? É o que eu sinto. Nunca pensei que as coisas mudassem
tão rápido… Até os dias parece que ganharam rodas. Já passaram
mais de oito meses, desde que… O meu irmão? Nem sei se sabe, ou se
quer saber, também o que queremos do mundo aos nove anos? Talvez
o que de melhor o mundo tem para nos oferecer, é pena que depois o
esqueçamos… Estou para aqui só a falar de mim, e tu? Não, a sério,
conta-me se chegaste a… Estou cansada de falar de mim, e de… Tu
sabes… Bem sei que não tem culpa de nada, mas já mudou tanta coisa,
nem imaginas, como se anunciasse a sua chegada com tempo e estrondo,
é tão estranho, de repente, é como se nos engolisse no seu mundo, nem
sequer o conhecemos, e há quanto me habita? Por vezes, parece que
sempre me habitou, como se o esperasse desde que nasci, é incrível, não
percebi, às vezes deixo de te ouvir tão bem, repete lá, se ele me desiludiu,
não sei, talvez não, digo-o a ti, à frente dele diria precisamente o
contrário, ainda é tão criança, sempre foi uma coisa que me enterneceu
nele, aquele jeito de relativizar tudo, como se cada acção só conhecesse
o presente, uma vez aí instalada, daí não saísse, quem sabe se, devido
a isso, a sua dificuldade em compreender as consequências duradouras
de um acto, sinto falta daquela espontaneidade, desde a forma como
me abraçava, fosse onde fosse, levantava-me do chão e rodava duas
ou três vezes, fingia vergonha, para não o entusiasmar, mas, nesses
momentos, sentia-me única, talvez a primeira e última mulher sobre
a terra, é, ele tinha essas coisas, sempre cheio de sonhos, de planos, confesso que desde que…, tu sabes, percebes, não é…, perdi um pouco
a paciência para aqueles devaneios, naquele ponto, começamos a viajar
em velocidades distintas, daí a diferença de horizontes, e grande parte
da viagem realizava-se dentro de mim, acho que em cada mês amadureci
dois anos, é curioso, hoje sinto-me outra, se estou arrependida… Não sei
o que te responder! Gostava de estar noutra situação, quer dizer, gostava
de o esperar de uma outra forma, na minha casa, com os meus meios,
com o pai dele a meu lado, com a noção das consequências duradouras
de certos actos, mas, acima de tudo, feliz por viver esta espera, sentes
uma certa inveja? Espero que vivas este momento como eu gostaria de o
ter vivido, pensa que há uma altura para tudo, não vale a pena acelerar
o acontecer, primeiro, tens de encontrar aquela pessoa que te preenche
o pensar e o sentir, como te disse que ele me fazia sentir, quando me
abraçava, fosse onde fosse, levantava-me do chão e rodava duas ou três
vezes, fingia vergonha, para não o entusiasmar, mas, nesses momentos,
sentia-me única, talvez a primeira e última mulher sobre a terra… Se
valeu a pena? Acho que sim. Afinal, não é todos os dias que nos erguem
aos céus com juras de amor…
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