Livros do Escritor

Livros do Escritor

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Onde leva essa estrada?



 Ontem não disse nada. Não, não sei por onde anda… Há mais de três dias que não sei nada dele. Estou mais ou menos. O que é que queres que te diga? Claro que lhe sinto a falta. Ainda por cima nesta fase. Dizem que pode acontecer a qualquer altura. Se estou com medo? O que é que achas? É óbvio! Mas não sei bem do quê… Olho-me ao espelho e não me reconheço, até os pés me incharam, nem te falo do ambiente aqui por casa, o meu pai que não me dirige a palavra, sabes, não é tanto isso que me dói, é mais aquele olhar-me não me olhando, como se me tivesse tornado invisível, a minha mãe sempre com aquele timbre dorido, às vezes sinto que os traí, que estupidez, sim, eu sei, mas o que é que queres que te diga? É o que eu sinto. Nunca pensei que as coisas mudassem tão rápido… Até os dias parece que ganharam rodas. Já passaram mais de oito meses, desde que… O meu irmão? Nem sei se sabe, ou se quer saber, também o que queremos do mundo aos nove anos? Talvez o que de melhor o mundo tem para nos oferecer, é pena que depois o esqueçamos… Estou para aqui só a falar de mim, e tu? Não, a sério, conta-me se chegaste a… Estou cansada de falar de mim, e de… Tu sabes… Bem sei que não tem culpa de nada, mas já mudou tanta coisa, nem imaginas, como se anunciasse a sua chegada com tempo e estrondo, é tão estranho, de repente, é como se nos engolisse no seu mundo, nem sequer o conhecemos, e há quanto me habita? Por vezes, parece que sempre me habitou, como se o esperasse desde que nasci, é incrível, não percebi, às vezes deixo de te ouvir tão bem, repete lá, se ele me desiludiu, não sei, talvez não, digo-o a ti, à frente dele diria precisamente o contrário, ainda é tão criança, sempre foi uma coisa que me enterneceu nele, aquele jeito de relativizar tudo, como se cada acção só conhecesse o presente, uma vez aí instalada, daí não saísse, quem sabe se, devido a isso, a sua dificuldade em compreender as consequências duradouras de um acto, sinto falta daquela espontaneidade, desde a forma como me abraçava, fosse onde fosse, levantava-me do chão e rodava duas ou três vezes, fingia vergonha, para não o entusiasmar, mas, nesses momentos, sentia-me única, talvez a primeira e última mulher sobre a terra, é, ele tinha essas coisas, sempre cheio de sonhos, de planos, confesso que desde que…, tu sabes, percebes, não é…, perdi um pouco a paciência para aqueles devaneios, naquele ponto, começamos a viajar em velocidades distintas, daí a diferença de horizontes, e grande parte da viagem realizava-se dentro de mim, acho que em cada mês amadureci dois anos, é curioso, hoje sinto-me outra, se estou arrependida… Não sei o que te responder! Gostava de estar noutra situação, quer dizer, gostava de o esperar de uma outra forma, na minha casa, com os meus meios, com o pai dele a meu lado, com a noção das consequências duradouras de certos actos, mas, acima de tudo, feliz por viver esta espera, sentes uma certa inveja? Espero que vivas este momento como eu gostaria de o ter vivido, pensa que há uma altura para tudo, não vale a pena acelerar o acontecer, primeiro, tens de encontrar aquela pessoa que te preenche o pensar e o sentir, como te disse que ele me fazia sentir, quando me abraçava, fosse onde fosse, levantava-me do chão e rodava duas ou três vezes, fingia vergonha, para não o entusiasmar, mas, nesses momentos, sentia-me única, talvez a primeira e última mulher sobre a terra… Se valeu a pena? Acho que sim. Afinal, não é todos os dias que nos erguem aos céus com juras de amor…

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.