Olhe, não sei porquê, mas há ali qualquer coisa que não bate bem. Sabe,
ninguém me tira isto da cabeça, desde que a vi, o pateta, tudo embevecido, a
trazê-la, ainda por cima, de mão dada, lá a casa, a virar-se para nós “Pai,
Mãe, esta é a Matilde”, ela, de pastilha na boca, a cumprimentar-nos, não sei
se foi a pastilha na boca, a expressão, o jeito, ou o conjunto, mas houve, logo
ali, algo que me desagradou profundamente, ou talvez o desagrado proviesse
dele, percebi, assim que nos apareceu com ela, como estava perdido, sabe como
é, quem já passou pela coisa, reconhece logo os sinais, e a forma de lhe dizer
o nome, quase levantava os pés do chão a cada sílaba (Ma-til-de), uma tristeza,
ela só olhava à volta, como uma recém-chegada salteadora a avaliar o potencial do
saque, sentaram-se no sofá maior, bem diante de mim, o tolinho continuava a
dar-lhe a mãozita, ela a aceitar entre o enfado e o dever, a mãe (é curioso, já
nem me lembro quando assim comecei a chamá-la: mãe. Como é possível? Houve uma
altura em que, também eu, levantava os pés do chão a cada sílaba, I-re-ne, e o
ar que se me ia quando a sabia longe, para, agora, na comodidade de amanhãs
sabidos e de tantos ontem, no tédio de ser, I-re-ne dar lugar a um esquivo e
tão cansado mãe) com uma bandeja, sempre num precário equilíbrio, de chávenas
para o chá, não me escapou o seu espanto ignorante à vista das chávenas, pelo
menos, manteve o silêncio, ou talvez avaliasse quanto conseguiria pelas
chávenas e bandeja, pois, é possível, percebi que a chávena foi um óptimo
pretexto para lhe fugir com a mão, ele com um traço de orfandade na expressão,
à vista da evidência vazia da sua mão ainda aberta, ela pegou com avidez a
chávena, não sei porquê, mas o gesto seria o mesmo fosse uma chávena de chá ou
uma caneca de cerveja, talvez com a segunda hipótese estivesse bem mais
familiarizada, disso não tenho dúvidas, o trivial, como quase sempre sucede,
norteou os passos da conversa...
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.