Ao ali entrar, naquela manhã em
particular, de fora tão igual às outras, mas cá dentro tão diferente, procurava
não um rosto, mas um ouvinte, aquele dia, em número, há uns tempos, cerca de
cinco anos, tão igual a hoje, no entanto, quando já acenava partidas,
revelar-se-ia tão diferente, como sempre, deixou-me junto ao portão pouco antes
das oito (há quanto partilhávamos a vida? Já não me lembro… O suficiente para
dois filhos, percebermo-nos neve pelos cabelos, e ter a noção de que sem ele, a
meu lado, não saberia caminhar…), como dizia, deixou-me junto ao portão pouco
antes das oito, nesta fase da vida, já avistávamos a meta, é verdade, tínhamos
entrado na recta final, era tão estranho, não traduzia o sentir em verbo, nem
alegria, nem tristeza, um estar algures anestesiado, como se me soubesse num
sonho de um sono longínquo, enquanto se afastava, estrada fora, a mão dele
sorria-me fora da janela, quando o horizonte se encarregava de o retirar do meu
alcance, eu entrava, naquela manhã, em particular, de fora tão igual às outras,
mas cá dentro tão diferente, embora, a essa hora, distante desta certeza, tudo
se cumpriu sob o olhar da rotina, a meio da tarde, não sei bem porquê, algo se
me inquietou, ainda atribuí ao esquecimento da medicação, ou por aí queria andar,
ao final da tarde, como sempre, ele no portão, a mão sempre de fora a
sorrir-me, a saudar-me, a minha também pelos ares a retribuir-lhe à medida que
me aproximava, antes de casa, uma passagem para providenciar a janta e o
reforço da despensa, por fim, o lar, estranhámos, não sei bem porquê, a
ausência do mais novo, sempre tão metido entre ele e as paredes, então, desde
que aquela rapariga vaidosa e fútil o deixou, meteu-se, ainda mais, entre si e
as paredes, agora que me lembro disso, percebo há quanto não lhe perguntava
pelo curso, andava numa engenharia qualquer de computadores, uma dessas coisas
que diz olá, cara a cara, ao futuro, o mais velho estava a terminar Direito,
sempre em festas, detestava paredes e silêncios, raparigas só até terminar um copo,
ou talvez mais, depois já não conseguia lembrar-se-lhes do nome, tudo em risos
e cantorias, tão diferentes, no entanto, as mesmas regras e dedicação da nossa
parte, davam-se bem, mas não saíam juntos, no fundo, talvez se suportassem,
sempre aquela coisa da inevitabilidade, como se fizesse parte do ofício de
viver partilhar tectos com estrangeiros, talvez fosse isso, percebo, hoje, que,
entre eles, três a quatro frases num dia soava a abundância, da nossa parte,
nunca quisemos forçar nada, sempre confiámos no leme da natureza, às vezes uma
forma de se contornar uma derrota, projectar o presente para o futuro, é
possível, mas regresso aquela inquietação, a ausência do mais novo, sempre tão
metido entre ele e as paredes, então, desde que aquela rapariga vaidosa e fútil
o deixou, meteu-se, ainda mais, entre si e as paredes, agora que me lembro
disso, percebo há quanto não lhe perguntava pelo curso, e por outras coisas,
chegar, arrumar, cozinhar, limpar, arrumar, a mesa, arrumar, só quando nos
sentámos, é que algo se quebrou por aqui dentro, ainda hoje recolho cacos,
primeiro, as possibilidades, talvez esteja em casa deste, ou daquele, desculpas
para maquilhar evidências, afinal, de há muito era ele e paredes, o mais velho
a perceber, então sim, o oceano que o distanciava daquele estrangeiro, nessa
noite, apesar de tudo, ou somente por pudor, permaneceu a nosso lado na busca
por aquele estranho, terminámos na polícia, esgotadas que foram as escassas
probabilidades de apeadeiros, ainda demorou uma madrugada, a mim, pareceu-me a
noite do mundo, já a luz em passos titubeantes, quando o telefone, como é
irónico, caminhava já por outro continente, logo ele, que dialogava com as
paredes, desconhecia que soubesse orientar-se devidamente fora de casa, quanto
mais por Marrocos, um dia para ali chegar (E porquê?), meu Deus, onde falhámos
para isto… Afinal, o leme da natureza… Regressou ao lado do pai. Nada se disse,
até hoje, sobre isto… Talvez fugisse de si, e, no fim, percebeu que se levava
consigo… Talvez… Mas eu ainda apanho cacos, e, nesses momentos, sei-me
demasiado longe de um sonho de sono longínquo.
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