Só se ilumina o presente quando se olha para trás, compreendo agora isso, a sugestão dele, primeiro entrecortada, quase inaudível, eu a não perceber, de todo, o alcance das suas pretensões, no fundo, naquele momento, longe do mundo, estávamos deitados, talvez a meio da tarde, pelos estores, não totalmente corridos, alguma luz, a suficiente para nos vermos, ele tinha esse hábito, o do estore, o prédio em frente parecia cada vez mais próximo, dizia, eu a pensar que zelava por nós, por aquele mundo construído na luz difusa de um quarto, tardes e tardes, mas as coisas são sempre uma outra coisa, em verdade, há algo que insiste em se nos escapar, como se o mundo recuasse, pelo menos, um passo, a cada evidência nossa, ele O que é que achas?, porém, eu na distância de mim, a regressar com esforço pela pressa que lhe senti na questão, O que acho de quê?, percebi-lhe a frustração, não sei bem como, nem uma palavra, nem um gesto, no entanto, eu a compreender-lhe a frustração, de facto, há muitas pontes a ligarem-nos aos outros, até ao fim desse dia, esse assunto congelou-se, haveria de regressar, de novo, num momento, longe do mundo, estávamos deitados, talvez a meio da tarde, pelos estores, não totalmente corridos, alguma luz, a suficiente para nos vermos, ele tinha esse hábito, o do estore, o prédio em frente parecia cada vez mais próximo, dizia, eu a pensar que zelava por nós, por aquele mundo construído na luz difusa de um quarto, tardes e tardes, uma vez mais O que é que achas?, desta vez, eu próxima, sem o esforço do regresso, talvez já algo me povoasse da sua anterior abordagem, respondi-lhe Não compreendo a necessidade…, o assunto por aqui, mais tarde, ainda nesse dia, diante de mim, à mesa da pastelaria, onde sempre íamos, Não vejo qual é o mal… Eu gostava de nos vermos. É quase como uma fotografia… Eu a não ver qualquer relação com uma fotografia, contudo, algo em mim a seduzir-se por aquela ideia, talvez a expressão Eu gostava de nos vermos, de facto, isso também me agradava, optei pela via mais fácil, e mais conveniente para mim, fiz-me de desagradada, virei-lhe costas, talvez por lhe saber os passos, regra geral, só apresentamos as costas quando sabemos a direcção dos passos do outro, demorou dois dias a soar-me a campainha, ainda pedi à minha mãe para me anunciar ausente, teve pena dele e mandou-o subir, apareceu-me a disfarçar água do olhar, a voz a encontrar a terra à medida que discorria, fingi-me interessada, como sempre fazia, na sua prelecção, enquanto aquiescia com o rosto, e uma frase recente iluminava-se em mim Eu gostava de nos vermos, deixei-o pensar em rédeas, como sempre fazia, à medida que o nosso mundo se reerguia, mais tarde, ainda nesse dia, diante de mim, à mesa da pastelaria, onde sempre íamos, disse-lhe, também com a voz rastejante, Eu também gostava de nos vermos, os seus olhos levantaram-se, entre a incredulidade e um estado de sonho, com um brilho natalício infantil, curiosamente, deixou a minha frase suspensa, entre os nossos rostos, à mesa da pastelaria, onde sempre íamos, percebi-lhe a ausência de palavras, sempre com a ilusão das rédeas, deixei-o conduzir, como sempre fazia, queria que fosse mais explícita, os meus dedos pousaram, numa suavidade de carícias, nas costas da sua mão, repeti, apenas com o olhar, Eu também gostava de nos vermos, sabia, não sei bem onde, que dava um passo numa noite estrangeira, mas, se não o desse, uma parte de mim para sempre numa gaveta de sótão… Quando, de regresso àqueles momentos, longe do mundo, deitados, talvez a meio da tarde, pelos estores, não totalmente corridos, alguma luz, a suficiente para nos vermos, ele tinha esse hábito, o do estore, o prédio em frente parecia cada vez mais próximo, dizia, eu a pensar que zelava por nós, por aquele mundo construído na luz difusa de um quarto, tardes e tardes, a voz dele a não conseguir erguer-se do soalho, a vontade a acompanhá-la, uma vez mais, dei-lhe a ilusão das rédeas, como sempre fazia, riu como a criança que foi atrás de uma bola na tarde de um parque, enquanto isso, não me esqueci do comando sobre a mesa-de-cabeceira, sabia, não sei bem onde, o passo que dera numa sempre longínqua noite estrangeira.
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