O chão, à sua volta, povoava-se de céu, ele feliz, com o
saquito de plástico, transparente, na mão, a chamar, para si, as alturas, com o
que se arranca à terra, de vez em quando, de uma mesa próxima, os amigos
insistiam no seu nome, mas ele há muito distante de cartas, dominós, e afins,
preferia-se só, naquele banco, àquela hora, talvez nas outras também, sob a
descansada sombra de um pinheiro, assim que o olhar das aves nele, numa súplica
com qualquer coisa de meninice, a mão, de novo, mergulha no saquito de
plástico, transparente, e grãos amarelos pelo ar, asas pelo chão à espera deste
regresso, um casalinho abraçado passou diante dele, estacou por uns instantes a
assistir ao frenesim de asas e grãos amarelos pelo ar, notava-se-lhes cidade e
ausência de suor em cada poro, levantou-lhes o olhar e a seguir o desprezo, o
casalinho permaneceu ali, até que o sujeito, sem largar a rapariga, atirou Acha bem alimentar esses vermes com asas?
Fique sabendo que só causam doenças, além de nos destruírem o património, percebeu-se
o agrado da rapariga por esta tirada, cavalheirismo e intrepidez sempre casaram
bem, do banco continuou a fitá-los, nem se mexeu, apenas o olhar derramava
desprezo por aquelas figuras, que emanavam cidade e ausência de suor em cada
poro, até que lhe respondeu Que percebe
você das alturas? Que percebe você de fome? O outro recuou dois passos,
secundado pela rapariga, talvez pelas questões que o surpreenderam (sempre
aquelas onde não encontramos resposta), talvez pelo olhar que do banco se lhes
levantou, regressou ao saquito de plástico, transparente, e grãos amarelos pelo
ar, asas pelo chão à espera deste regresso, quando esticou, de novo, as pernas
ao olhar, nem vislumbre de um casalinho que há pouco ali se imobilizara, de uma
mesa próxima, os amigos insistiam no seu nome, mas ele há muito distante de
cartas, dominós, e afins, um deles Para o
que é que te havia de dar… Agora, só queres saber da passarada! Nem lhe
respondeu, no entanto, a resposta travou-se-lhe entredentes (Que percebes tu das alturas?), nessa
mesa próxima, ninguém se apercebeu de que ele partira, para aquele banco, fazia
oito semanas, todas as tardes repetiam o seu nome, incessantemente, sem lhe
perguntarem o porquê, e, como quase sempre acontece, é tudo tão simples, ele
cansara-se, dos jogos com sabor a desocupação, das conversas debruçadas sobre a
varanda do ido, de perceber que o mundo se resume a uma espera, e, de facto,
ele cansara-se, apesar de perceber o seu nome de uma mesa próxima, o seu olhar
por asas que buscam, no chão, o alimento das alturas, ao menos, por ali,
percebe-lhes gestos de infância, são gestos que desconhecem a espera, são
gestos que desconhecem um mundo debruçado sobre a varanda do ido, levanta-se, o
saquito de plástico, transparente, agora vazio, passa pelos amigos, a mesa
agora ao seu lado, tão enredados em esquecer a sua desocupação que não percebem
a sua partida, talvez, dali a pouco, o seu nome, de novo, pelos ares da tarde
que finda, um sino ao longe anuncia partidas, quem sabe alguém deixou de
esperar, lá vai, no seu passo arrastado, enfia o saquito de plástico,
transparente, agora vazio, no bolso, apesar do passo arrastado, denota-se-lhe
relutância no destino, talvez pela direcção do andar, talvez pela direcção do
olhar, se ao menos, à vista da sua casa, um rés-do-chão logo ao início daquela
rua íngreme, que sobe para (um qualquer sítio que se cansara de repetir o
nome), a janela se abrisse, para o seu nome pela voz que lhe dava o sentido, a
voz dela, desde há oito semanas silenciada, no seu lugar, agora, a mecânica de
um aparelho, a fazer a vez dos pulmões, ele a pedir promessas às batas brancas,
todas Prepare-se para o pior, prepare-se
para o pior, berrou-lhes com desprezo e violência Que percebem vocês das alturas? Que percebem vocês da fome? Se ao
menos uma fresta na janela, no rés-do-chão logo ao início daquela rua íngreme,
que sobe para (um qualquer sítio que se cansara de repetir o nome), se ao menos
isso, e o seu nome pela voz que lhe dava o sentido, a voz dela, talvez um
cansaço adormecesse…
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