Uma trilogia é sempre mais simbólica
que um díptico, com base nesta premissa, resolvemos concluir “As aventuras da Peida-Sentada” com
esta terceira parte, tudo começou com o sol ainda aquém das alturas, o Mocho,
no seu ramo, via uns sujeitos a aproximarem-se do portão do curral da
Peida-Sentada e afixarem três algarismos que, no fundo, constituíam um número:
403; o Mocho ficou alerta, o que provocaria aquele número, agora cravado no
portão, nas porcas e porcos do curral? Nem por acaso, nessa manhã, a
Peida-Sentado convocara os suínos para a ouvir dizer umas quaisquer alarvidades,
afinal, que mais tem uma porca para dizer? Esta praxis de alarvidades já era
comum ao porco velho e gasto do seu antecessor, mal conseguia emitir dois
grunhidos direitos, porém, fazia com que os restantes porcos o ouvissem,
durante horas-infindas, a debitar boçalidades sobre temáticas que, coitado, ignorava
por inteiro, pois, alguém já viu algum porco com um livro nas patas? Os suínos
já se aglomeravam no centro do curral à espera da Peida-Sentada, um aspecto que
não passou despercebido ao Mocho foi o acumular de excrementos em que se
mobilizavam, nada de estranhar para quem chafurda na imundície, lá estavam personagens
nossas bem conhecidas, o porco das perninhas-arqueadas, um verdadeiro sabujo da
Peida-Sentada, fidelíssimo acólito do confessionário, não há dia em que lá não
passe, mais um porco cobarde que apenas sabe grunhir nas costas alheias, com as
perninhas-arqueadas, os dejectos já lhe ultrapassam as orelhas, o porco-da-bolsinha,
agora de olhar perdido, talvez veja a ração a fugir-lhe, o porca do
focinho-sorridente, esta continua a secundar a Peida-Sentada, assim que o Mocho
a viu, foi acometido de uma tontura pela putrefacção exalada, a porca dos
dentes-de-esquilo, também a grunhir mal de alguém nas costas, que mais sabe ou pode
fazer uma porca? Calma, temos de levar em conta que os porcos não são animais dotados
de muito raciocínio, vivem com o focinho colado em dejectos, por conseguinte,
as alturas estão-lhe, desde sempre, vedadas, existem de e para o chiqueiro,
quem deles se aproximar, como é óbvio, arrisca-se a sair maculado, por acaso,
também estava aquela porca que uma perna era suficiente para alimentar toda uma
indústria salsicheira, imagine-se as duas pernas! Essa porca, num grotesco
paradoxo com a sua desmesurada morfologia, envergava um fato-de-treino, à vista
de tal cenário, o Mocho quase caía do ramo, como era possível aquele monte de celulite
ambulante envergar um fato-de-treino, e como conseguiu cobrir os quadris
traseiros?! Há, de facto, fenómenos que, em muito, nos ultrapassam a compreensão,
pela primeira vez, aquelas patas, autênticos e desmesurados presuntos, cobertas
com um fato-de-treino, o focinho descaído mantinha-se inalterável, manifestamente
era uma porca muito desaprazível à vista, claro que também lá se via, a um
canto, o porco-espanhol, habituado a jogar-às-escondidas, repetindo: porco e
espanhol: pior combinação é impossível, também lá estava a porca-baixa, com
autênticos mapas desenhados nas pernas, é isso mesmo, as varizes
multiplicavam-se incessantemente, nem se fazia rogada, porca que é porca já
degustava a sua bolota prazenteiramente; agora, introduzimos novas personagens,
claro que há muito habitavam o curral da Peida-Sentada, porém, ainda não se
lhes tinha dado espaço para assomarem, uma é a porca da Bata-Branca,
perguntar-se-á o leitor: uma porca de Bata-Branca num curral? Pois, veja-se o
nível de inteligência da suína: só naquele singular neurónio que lá gravita é
que a bata está branca, há muito é um amontoado de dejectos, a brancura nem na
ideia devia habitar já, é possível que o sonho dessa porca fosse ser doutora,
pois, quem sabe? Em verdade, é apenas uma porca de Bata-Branca, outra é uma
Porca-da-Índia, dizem as más-línguas que perdeu toneladas, pois, não sabemos, no
focinho ostenta uns óculos deveras anacrónicos, enquanto grunhe saem-lhe, ao
mesmo tempo, detritos alimentares da boca, o que torna o quadro-geral deveras
obscuro, mais uma porca que só grunhe pelas costas, nada mais sabe fazer, por
fim, temos a Porca-Platinada, ar de coquete, mas a um olhar mais atento não
escapa a marca da imundície já além-orelhas, até que surge a Peida-Sentada, a
rainha do curral, salpicos de dejectos por todos os lados quando os porcos
batem efusivamente as patas, tudo em êxtase perante a Peida-Sentada, não vamos
transcrever aqui, até por uma questão de decoro, as boçalidades da
Peida-Sentada, começou por atirar uns nacos de carne-podre aos porcos capados do
curral, sim, por ali não se admitiam machos, felizes com a carne-podre nem
ousavam grunhir, não é assim tão difícil gerir um curral, carne-podre para um
lado, uma bolota para outro, duas bolotas para as amigas, três ou quatro para
as mais próximas, e assim a coisa vai correndo, para o Mocho, por exemplo, que
vê toda aquela imundície há muito, já atiraram dejectos, felizmente foi lesto a
esquivar-se e soube subir para outro ramo, o 403 nem sequer foi abordado, mas
porquê esse número cravado no portão do curral? Há questões, por ali, que nem
se ousa articular, a Peida-Sentada reforçou que o seu curral está no caminho
certo, exaltou os valores do mesmo, valores? Quais valores, pensou o Mocho, até
se inclinou ligeiramente para se certificar de que ouvira bem: Valores? Quais
valores? Conluios, tramoias, maledicência, exaltação da incompetência, promoção
da mediocridade, favores obscuros, e o 403 pregado no portão… Valores? Quais
valores? O Mocho nada mais conseguiu ouvir, olhou o horizonte, enquanto, no
curral da Peida-Sentada, os porcos, ululantes, batiam as patas, os dejectos
ascendiam, felizmente as ideias do curral permaneciam na cloaca de cada um dos
porcos, chegou a hora de partir, pensou o Mocho, para um horizonte
além-fedores.
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