Hoje, não sei bem porquê, lembrei-me do
Rofty, claro que todos sabem quem é o Rofty, se não souberem, nem vale a pena
continuar a leitura, quem não se recorda do mítico cavalo do D´Artacão não me
merece qualquer estima, mas de onde se me levantou a memória do Rofty? Chega àquele
espaço ainda com a farda-do-trabalho, o necessário fato e gravata, devido à
altura, as peúgas espreitam quase sempre o exterior, enfim, aqueles aspectos ternurentos
que ninguém pode levar a mal, arrasta os pés como se recém-chegado de uma
longuíssima e extenuante jornada, pousa o saco, com a muda, em cima do balcão e
solta um longo e sonoro suspiro, havia que anunciar a sua entrada, puxa um
banco com o pé e senta-se inclinado o suficiente para observar quem lá estava,
um segundo e ainda mais longo suspiro, a mão pelo rosto, numa teatralidade
excessiva, como se carregasse todos os males do mundo pelos ombritos-curtos, em
verdade, havia sempre algo a ensombrar-lhe os passos, desta vez falou-se num
desgosto amoroso, só aguardava um interlocutor desprevenido a quem pudesse
despejar a dor maior que o atormentava , para o efeito bastava alguém ouvir os
desesperados suspiros, os lancinantes passos arrastados, aquele olhar suplicante
apoiado numa demasia oblíqua, a curiosidade vir ao de cima “Então, o que se passa?”, aí,
sim, inspirava, a mão pelo rosto, e o verbo numa torrente para horas, pois, há
vidas complicadas, não nos esqueçamos de que todo o Rofty tem o seu D´Artacão, o
deste era uma antiga estrela de futebol que, aos fins-de-semana, ainda
espalhava o perfume, em torneios ou jogos-amigáveis, da arte de bem-tratar a
bola, ao nosso Rofty, pelo facto de ter nascido com duas tábuas no lugar de
pés, restava-lhe a baliza, lugar quase sempre destinado aos gordos ou aos
toscos, inseria-se obviamente nesta segunda categoria, dizem as más-línguas,
tão antigas quanto o homem, que motivo
do seu divórcio fora precisamente esta obsessão, certezas não há, porém, alguns
asseguram, já o nosso Rofty experienciara os alvores da paternidade, que, ao pedirem-lhe
para ver fotografias dos filhos, ele prontamente pegava no telemóvel e: “Olha,
isto foi no fim-de-semana! Nós a chegarmos ao pavilhão, olha, vê, aqui no
aquecimento, eu a defender um remate do…” Claro, do seu D´Artacão – por razões
óbvias, não vamos aqui expor o nome de uma lenda do nosso futebol – nestas linhas,
ficará consagrado como o D´Artacão do nosso Rofty, de início, incautos, amigos
e familiares ainda estranhavam, talvez tivessem ouvido mal, por conseguinte,
voltavam à carga: “Pois, sim, sim… Mas mostra lá como estão os miúdos!”, neste
ponto, com a emoção espelhada no olhar, quase em soluços, o nosso Rofty: “E
ganhámos… Sabes, no fim, ainda defendi um penálti!!!” Com a mão dominada pelo
sentir, oscilante, “Não queres ver as nossas fotos a sair do pavilhão?”, sinceramente,
não se pode falar de obsessão, é um exagero, que mal tem um homem querer
mostrar ao mundo os seus feitos dentro das quatro-linhas? Também se dizia em
surdina, lá voltamos às más-línguas, tão antigas quanto o homem, que, na noite-de-núpcias,
ele esperou a noiva com as luvas de guarda-redes postas, asseguram que lhe
chegou a gritar: “Anda, anda… Atira-te a ver se eu não defendo!” Certezas
não há, pois, as más-línguas, tão antigas quanto o homem, sofreu com a
separação, pelo menos, aos fins-de-semana, durante duas horas, esquecia as arestas
do amor, se ele gritasse: “Anda, anda… Atira-te a ver se eu não defendo!”, ninguém
lhe viraria costas, um dos momentos mais sublimes da sua existência foi, como é
óbvio, dentro das quatro-linhas, lançou directamente a bola para o seu D´Artacão
que, com uma classe inata, e de primeira, fez golo, em êxtase saiu da baliza
para o abraçar, mas nenhum cavaleiro quer ser abraçado por uma cavalgadura, ainda
hoje, quando lhe perguntam pelas datas de aniversários dos filhos, é este dia que
ele cita, que mal tem um homem querer mostrar ao mundo os seus feitos dentro
das quatro-linhas? Se, por acaso, encontrarem alguém com a farda-do-trabalho, o
necessário fato e gravata, devido à altura, as peúgas a espreitarem quase
sempre o exterior, enfim, aqueles aspectos ternurentos que ninguém pode levar a
mal, a arrastar os pés como se recém-chegado de uma longuíssima e extenuante
jornada, a pousar o saco, com a muda, em cima do balcão e a soltar um longo e
sonoro suspiro, não se esqueçam de lhe colocar a questão essencial: “Na
noite de núpcias: defendeste ou não a bola?”
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