Hoje fui ver a minha Escola Primária.
Pus-me ao caminho com a timidez e a abnegação de quem cumpre o dever de visitar
um familiar indevidamente negligenciado. Percorri aquela estrada paralela à
linha de comboio, e ao mar. Chegado a um certo ponto, vira-se à esquerda, e
enfrenta-se aquela íngreme subida. No cimo, à direita, lá estava aquela casa,
de três pisos, num irreconhecível silêncio. Olhou-me, com uma expressão entre a
indulgência e um tímido sorriso de agrado, e questionou: Sempre voltaste? Porque não haveria de voltar? (retorqui); Chegas tarde. Já sou outra (respondeu-me). E eu constrangido, consciente do meu
atraso, sem qualquer desculpa nos bolsos, a olhá-la do lado de fora do portão,
sem quaisquer laivos de me intrometer, respondi-lhe: Eu também sou outro. Mas a saudade… Ela num jeito de adeus: Tens de procurar noutro lado. Aqui nem os
ecos encontras. Olho, agora, a calçada. Dirijo-me para o carro. Abro a
porta. E, sim, lá está ela (sem estar), a árvore, no recreio (que já não é), de
onde caí. Perscrutei o ramo específico (como era longo!), mas a árvore também
outra. Cai em mim o peso do adeus. E eu que nunca tive forças para o suster.
Encosto-me ao carro. Queixo no tejadilho. Ouço um motor na estrada lá em baixo.
Uma viatura no esforço da subida. É uma carrinha cinzenta, pára entre mim e a
casa. Lá de dentro sai movimento e alegria. O motorista (Sr. Costa? É mesmo
ele?) inspira o crescente silêncio do interior despovoado da viatura. A minha
atenção, agora, no barulho, em particular num miúdo que ostenta,
orgulhosamente, uma bola por chutar. Surge um irreprimível barulho por toda a
casa. E pelos recreios. No fundo, nasce vida. Olho, de novo, a casa. Não, já
não tem aquele olhar invernal de há pouco. Olha à sua volta como se também
acabasse de sair da carrinha. Alguém chama para dentro. Os jogos interrompem-se
numa aura de capitulação. O miúdo da bola ainda a segura orgulhoso e
determinado. Apesar dos inúmeros argumentos apresentados. Apesar das várias
ofertas comerciais. Ele irredutível. Queria estreá-la no intervalo grande (o do
almoço). Contorno o carro, nem dei pela partida do Sr. Costa, mas ele nunca
partiu (ainda hoje, quando saio de casa pela manhã, espero por uma carrinha
Bedford cinzenta), olho para dentro da sala do piso térreo, e observo o miúdo
da bola a abrir a mala e a depositar escola em cima da mesa. Olhos na
professora, mas antes de mergulhar nos livros e nos cadernos, sempre a janela,
e aquela extensão azul líquida, que sempre lhe pareceu pequena para depositar
os sonhos que trazia no peito.
Vou-me embora. Não quero incomodar a
aula. Percebeste? (Diz-me ela). Acho que sim (respondo; é a única
resposta possível, quando o coração bate nas omoplatas). Já dentro do carro, a
iniciar a descida, procuro de novo o miúdo da bola. Queria dizer-lhe para nunca
sair dali, afinal, estava numa casa, no cimo de uma colina, entre livros,
árvores, e azul a perder de vista. E que, se algum dia sair, não se esqueça de,
num gesto de bem-haja, beijar a face de quem lhe apresentou o mundo num rectângulo
de lousa. Talvez no futuro, ele queira contar histórias passadas entre verdes e
azuis, de quem olha por janelas, e sonhe alcançar num gesto aquele barco que
vai em direcção a Sul (…)
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