Há uns dias, por imperativos de consciência,
tive de escrever a frase que intitula esta crónica, aproveito para traduzir (“Aos burros dá-se palha e não conversa”), a
uma manifesta jumenta, pelo menos fiquei com a consciência tranquila de ter
realizado a boa acção de 2025: obriguei a BURRA a consultar um qualquer
tradutor; o problema é a impressionante facilidade com que se reproduzem estes
asnos e como estão disseminados por todos os sectores
da sociedade, no entanto, dividem-se entre: os burrinhos (humildes, obedientes, cumpridores…) e os BURROS
(analfabetos-funcionais com laivos de doutorice, a projectar uma imagem de
sapiência tão aquém do seu conteúdo, e com uma pronta opinião sobre qualquer
temática, como se, por um minuto sequer, alguma vez tivessem reflectido sobre a
mesma ou tivessem tal condão: o de pensar! Dissimulam a sua insegurança através
de frases-prontas, proferidas com a devida sonoridade, anseiam por auditório
que ouça as suas boçalidades, de burrinhos (humildes, obedientes,
cumpridores…), claro, e socorrem-se de uma das mais velhas e infames armas da
humanidade: a mesquinha e cobarde maledicência pelas costas! Esta jumenta
cumpre escrupulosamente as três etapas, ninguém chega a BURRA maiúscula por
acaso, mas este actual cenário, inquietante, deveras inquietante, levanta
questões perturbadoras: A quem interessa o multiplicar destes
analfabetos-funcionais? O porquê de estarem disseminados por todos os sectores
da sociedade? Estou para aqui a levantar estas questões, quando a imagem de meu
avô, enxada na mão, como era nodoso o cabo de madeira da enxada, o meu olhar de
criança percebeu-lhe instantaneamente a dureza, mas a abnegação de meu avô, em
levantar a enxada para os céus e regressá-la ao interior da terra, era mais
forte, eu para ali andava, à sua volta, nos meus mundos de criança (que
saudades dos universos da minha meninice), era de tarde, não me recordo de ver
a enxada parada, a certa altura, a impaciência infantil levou-me a
perguntar-lhe as horas, esperei que olhasse o pulso, para
meu espanto, olhou as alturas, pois, foi mesmo isso, para meu espanto,
olhou as alturas, fitou-me e anunciou: “São cinco e meia!” Antes que
pudesse retorquir algo, “Daqui a trinta minutos, o sino da igreja anunciará
as seis da tarde,” quando regressávamos, a enxada, com o seu nodoso cabo,
pelo ombro do meu avô, a certa altura, ouvimos o ecoar da alma através do sino
da igreja, prontamente olhei o meu avô, há pouco perguntei-lhe as horas e
limitou-se a vislumbrar as alturas, percebeu o meu insistente olhar, mas
permaneceu com o horizonte na sua marcha compassada, a própria terra parece
suspender o seu respirar para ouvir o ecoar do sino de uma igreja, nada lhe
disse, o olhar tudo verbalizou, quem, por estes dias, consegue dizer as horas
vislumbrando as alturas? Em verdade, quem ainda olha as alturas? À minha volta,
num absurdo crescente, vultos e mais vultos debruçados para um rectângulo, como
se por aí o Sentido, as ansiadas respostas a intemporais questões, o desejado
Graal, um fenómeno infelizmente transversal a todas as idades, não há lugar,
por estes dias, onde não se veja, pelo menos, três ou
quatro sujeitos amordaçados pelo rectângulo, isto é um facto, expressões
concentradas de pensadores-de-pacotilha, os dedos num frémito, por vezes só a
boca-aberta lhes transparece a real boçalidade, nem um som emitem, nada,
somente o vazio de uma profunda e impronunciada estupidez, ali estão, de
trela, ainda as compram e exibem com indesmentível orgulho, sublinhe-se serem bem
caras, chegam aos quatro algarismos, para ali ficam, sem compreenderem que
estão sob um total controle, a ironia destes dias é que os servos compram e
exibem orgulhosamente os seus grilhões, algo inédito na história do homem,
creio que vivemos o período mais obscuro da História, há quatro ou cinco anos,
por duas vezes, ocorreu um teste, mundial, à inteligência humana, de forma
expectável a maioria reprovou, por esses dias dei por mim a pensar que, afinal,
continuávamos na Idade Média, mas não, no período medievo olhavam os inimigos
nos olhos, aqui acreditaram no invisível propalado pelo regime, concluí que a
humanidade, bem vistas as coisas, persistia nas cavernas, que diria meu avô se,
ao entrar num lugar do hoje, visse, pelo menos, três ou quatro sujeitos
amordaçados por um rectângulo, expressões concentradas de
pensadores-de-pacotilha, os dedos num frémito, por vezes só a boca-aberta lhes
transparece a real boçalidade, nem um som emitem, nada, somente o vazio de uma
profunda e impronunciada estupidez? Felizmente não assistiu a esta decadência,
eu não tive tal ensejo, o meu espírito já passou do nojo à compaixão, ignoram
que lhes controlam a posição geográfica, com quem falam, de quem gostam, quem
detestam, as preferências comerciais, ouvem-lhes as conversas, se preciso for,
são filmados, fotografados, manipulados a consumir este ou aquele produto,
dormem com a trela ao lado, mal acordam correm, numa cegueira obstinada, ao seu
encontro, dia após dia, durante meses, por fim, anos, ouvi em tempos um Mestre
(felizmente tive o privilégio de os encontrar durante esta minha caminhada)
afirmar que estes rectângulos: “Retiram duas dimensões essenciais ao homem:
Espaço e Tempo.” Ouvi esta frase há vinte e cinco anos! Quem conseguir
compreender o seu alcance, faça a sua análise! Profética, diria eu, um vulto
inclina-se para aquilo e talvez a sua alma por ali se aprisione… Infelizmente,
nesta caminhada, as BURRAS foram tão plurais, e os MESTRES tão desoladoramente singulares,
no entanto, a sua LUZ ofusca as tão plurais ignorância e maldade, tive igualmente
a felicidade de, muito cedo, saber o quão nodoso é um cabo-de-enxada, o quanto
custa levantá-lo para os céus, e, sim, é verdade, sempre que me perguntam as
horas, olho as alturas, porque alguém lá atrás me ensinou que não há perguntas
sem resposta.
Livros do Escritor
domingo, 9 de fevereiro de 2025
Asini dantur paleas et non loquantur
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