Livros do Escritor

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domingo, 9 de fevereiro de 2025

Asini dantur paleas et non loquantur


 

Há uns dias, por imperativos de consciência, tive de escrever a frase que intitula esta crónica, aproveito para traduzir (“Aos burros dá-se palha e não conversa”), a uma manifesta jumenta, pelo menos fiquei com a consciência tranquila de ter realizado a boa acção de 2025: obriguei a BURRA a consultar um qualquer tradutor; o problema é a impressionante facilidade com que se reproduzem estes asnos e como estão disseminados por todos os sectores da sociedade, no entanto, dividem-se entre: os burrinhos (humildes, obedientes, cumpridores…) e os BURROS (analfabetos-funcionais com laivos de doutorice, a projectar uma imagem de sapiência tão aquém do seu conteúdo, e com uma pronta opinião sobre qualquer temática, como se, por um minuto sequer, alguma vez tivessem reflectido sobre a mesma ou tivessem tal condão: o de pensar! Dissimulam a sua insegurança através de frases-prontas, proferidas com a devida sonoridade, anseiam por auditório que ouça as suas boçalidades, de burrinhos (humildes, obedientes, cumpridores…), claro, e socorrem-se de uma das mais velhas e infames armas da humanidade: a mesquinha e cobarde maledicência pelas costas! Esta jumenta cumpre escrupulosamente as três etapas, ninguém chega a BURRA maiúscula por acaso, mas este actual cenário, inquietante, deveras inquietante, levanta questões perturbadoras: A quem interessa o multiplicar destes analfabetos-funcionais? O porquê de estarem disseminados por todos os sectores da sociedade? Estou para aqui a levantar estas questões, quando a imagem de meu avô, enxada na mão, como era nodoso o cabo de madeira da enxada, o meu olhar de criança percebeu-lhe instantaneamente a dureza, mas a abnegação de meu avô, em levantar a enxada para os céus e regressá-la ao interior da terra, era mais forte, eu para ali andava, à sua volta, nos meus mundos de criança (que saudades dos universos da minha meninice), era de tarde, não me recordo de ver a enxada parada, a certa altura, a impaciência infantil levou-me a perguntar-lhe as horas, esperei que olhasse o pulso, para meu espanto, olhou as alturas, pois, foi mesmo isso, para meu espanto, olhou as alturas, fitou-me e anunciou: “São cinco e meia!” Antes que pudesse retorquir algo, “Daqui a trinta minutos, o sino da igreja anunciará as seis da tarde,” quando regressávamos, a enxada, com o seu nodoso cabo, pelo ombro do meu avô, a certa altura, ouvimos o ecoar da alma através do sino da igreja, prontamente olhei o meu avô, há pouco perguntei-lhe as horas e limitou-se a vislumbrar as alturas, percebeu o meu insistente olhar, mas permaneceu com o horizonte na sua marcha compassada, a própria terra parece suspender o seu respirar para ouvir o ecoar do sino de uma igreja, nada lhe disse, o olhar tudo verbalizou, quem, por estes dias, consegue dizer as horas vislumbrando as alturas? Em verdade, quem ainda olha as alturas? À minha volta, num absurdo crescente, vultos e mais vultos debruçados para um rectângulo, como se por aí o Sentido, as ansiadas respostas a intemporais questões, o desejado Graal, um fenómeno infelizmente transversal a todas as idades, não há lugar, por estes dias, onde não se veja, pelo menos, três ou quatro sujeitos amordaçados pelo rectângulo, isto é um facto, expressões concentradas de pensadores-de-pacotilha, os dedos num frémito, por vezes só a boca-aberta lhes transparece a real boçalidade, nem um som emitem, nada, somente o vazio de uma profunda e impronunciada estupidez, ali estão, de trela, ainda as compram e exibem com indesmentível orgulho, sublinhe-se serem bem caras, chegam aos quatro algarismos, para ali ficam, sem compreenderem que estão sob um total controle, a ironia destes dias é que os servos compram e exibem orgulhosamente os seus grilhões, algo inédito na história do homem, creio que vivemos o período mais obscuro da História, há quatro ou cinco anos, por duas vezes, ocorreu um teste, mundial, à inteligência humana, de forma expectável a maioria reprovou, por esses dias dei por mim a pensar que, afinal, continuávamos na Idade Média, mas não, no período medievo olhavam os inimigos nos olhos, aqui acreditaram no invisível propalado pelo regime, concluí que a humanidade, bem vistas as coisas, persistia nas cavernas, que diria meu avô se, ao entrar num lugar do hoje, visse, pelo menos, três ou quatro sujeitos amordaçados por um rectângulo, expressões concentradas de pensadores-de-pacotilha, os dedos num frémito, por vezes só a boca-aberta lhes transparece a real boçalidade, nem um som emitem, nada, somente o vazio de uma profunda e impronunciada estupidez? Felizmente não assistiu a esta decadência, eu não tive tal ensejo, o meu espírito já passou do nojo à compaixão, ignoram que lhes controlam a posição geográfica, com quem falam, de quem gostam, quem detestam, as preferências comerciais, ouvem-lhes as conversas, se preciso for, são filmados, fotografados, manipulados a consumir este ou aquele produto, dormem com a trela ao lado, mal acordam correm, numa cegueira obstinada, ao seu encontro, dia após dia, durante meses, por fim, anos, ouvi em tempos um Mestre (felizmente tive o privilégio de os encontrar durante esta minha caminhada) afirmar que estes rectângulos: “Retiram duas dimensões essenciais ao homem: Espaço e Tempo.” Ouvi esta frase há vinte e cinco anos! Quem conseguir compreender o seu alcance, faça a sua análise! Profética, diria eu, um vulto inclina-se para aquilo e talvez a sua alma por ali se aprisione… Infelizmente, nesta caminhada, as BURRAS foram tão plurais, e os MESTRES tão desoladoramente singulares, no entanto, a sua LUZ ofusca as tão plurais ignorância e maldade, tive igualmente a felicidade de, muito cedo, saber o quão nodoso é um cabo-de-enxada, o quanto custa levantá-lo para os céus, e, sim, é verdade, sempre que me perguntam as horas, olho as alturas, porque alguém lá atrás me ensinou que não há perguntas sem resposta.

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