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sábado, 22 de junho de 2024

É mais rápido do que julgas


 

Certa tarde, minha avó olhou-me, como se me lê-se os pensamentos e murmurou “É mais rápido do que julgas”, eu, perplexo, não pelo facto do dom de minha avó ler os pensamentos, há muito o sabia, mas por “É mais rápido do que julgas”, percebeu que lhe observava os sulcos gravados, pela vida, no rosto, limitei-me ao silêncio, a sua voz regressou “Num instante, e estás aqui… Apenas um abrir e fechar de olhos… Vais ver!”, tudo, nesta vida, tem o seu tempo, e a compreensão de “É mais rápido do que julgas” não fugiu a esta regra, após ouvir esta frase, dita por minha avó, não sei porquê, deu-me para olhar o céu, era, sem dúvida, mais azul no ontem, as nuvens mais brancas e esparsas, a lentidão com que desfilavam, diante do meu olhar de então, contradizia “É mais rápido do que julgas”, no fundo, eu procurava aquietar o terror que a frase me suscitara, num canto de mim percebera-lhe a veracidade, andei, durante dias, a ruminar esta questão, cheguei a ter pânico de fechar os olhos, por, ao reabri-los, ver sulcos gravados no meu rosto, é comum ouvir-se que o tempo é um grande Mestre, continuo com as minhas dúvidas sobre esta sentença, e são cada vez mais firmes, afinal, há certezas que nunca me largaram, como o céu era, sem dúvida, mais azul no ontem, as nuvens mais brancas e esparsas, a lentidão com que desfilavam, diante do meu olhar de então, contradizia “É mais rápido do que julgas”, embora esta frase, dita por minha avó, como se me lê-se os pensamentos, a cada dia faça mais sentido, é um facto, tudo é bem mais rápido que o nosso entendimento, de repente, já vislumbramos a porta de saída, e à nossa volta cada vez menos rostos familiares, não fossem as cicatrizes no corpo e na alma a testemunhar a veracidade dos factos, e talvez questionasse a realidade do passado: Um sonho? Uma ilusão? Uma fantasia? A verdade é que, a cada dia, o vamos construindo e desconstruindo mediante as nossas volições, mas sempre com o desejo sublimado de justificar a nossa caminhada pelo aqui: “Sim, valeu a pena!” Será que valeu? A esta questão só cada um, de si para si, poderá responder: há respostas onde a mentira é supérflua: este é um caso gritante! Por acaso, se esta questão fosse colocada a minha avó, desconheço se alguém o fez, saberia a sua resposta: “Sim, valeu a pena!” Como o sei? Muito simples, pelo seu orgulho em cada sulco gravado, pela vida, no rosto, nunca os maquilhou, procurou ocultar, nada, deixou que o mundo os visse como se uma vitória face ao acontecer desordenado das coisas, quem busca incessantemente disfarçar as pegadas da vida, em si, talvez vacile na justificação à sua caminhada pelo aqui, hoje já não receio abrir e fechar os olhos, a minha vez chegará de abandonar o palco, já faltou mais, se valeu a pena? Para trás ficam os livros, comigo levo os momentos, esses são intraduzíveis, nem palavras, músicas, imagens, obedecem a uma outra linguagem: o sentir: aqui há um pulsar distinto: é da individualidade de cada um… Há frases que não basta ruminar para se compreender, temos de caminhar e caminhar, e, num certo ponto, de preferência num lugar cimeiro, parar, olhar a distância percorrida, fechar os olhos e esperar por uma voz “É mais rápido do que julgas”, pois, sem dúvida, como é verdade, por vezes, dou por mim a olhar com compaixão os que para aqui caminham há pouco, desconhecem o facto de “Num instante, e estás aqui… Apenas um abrir e fechar de olhos… Vais ver!”, coitados, não tiveram o privilégio de ter uma avó que lhes ensinasse a essência do existir, ainda hoje, volta e meia, não sei porquê, dá-me para olhar o céu, era, sem dúvida, mais azul no ontem, as nuvens mais brancas e esparsas, a lentidão com que desfilavam, os momentos, pois, esses são intraduzíveis, habitam no ontem, onde o céu era, sem dúvida, mais azul.

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