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domingo, 30 de junho de 2024

A malícia de um sorriso sob um cocuruto destapado


 

Assim que a conheci, não me agradou aquele jeito delicodoce, sobretudo no sorriso, de onde emergiam umas ruínas dentárias carbonizadas, em cima pontificavam uns sofríveis fiozitos de cabelo sobre o cocuruto, ela bem os procurava estender, mas, perante qualquer olhar, só acentuava o malogro dos seus esforços, a indumentária, não sei porquê, lembrava uma assídua frequentadora de sacristias, embora esta criatura estivesse muito aquém dos desígnios das alturas, os seus horizontes mais íntimos são, nem por acaso, bem obscuros, sombrios e húmidos, já lá iremos, como qualquer medíocre conhecia a estreiteza dos seus horizontes, o leitor nunca se engane: um medíocre tem plena consciência de o ser: o seu objectivo centra-se precisamente em obnubilar este facto aos demais: para o efeito, usa as mais vis e ardilosas estratégias… Neste âmbito, esta tipa é um paradigma! E como já soma décadas bastantes para ter juízo… Enfim, os seus horizontes mais íntimos são, nem por acaso, bem obscuros, sombrios e húmidos…  Soube, há uns tempos, que abriu um cargo, supostamente de responsabilidade, na estrutura-laboral onde trabalha, de imediato, a criatura fez campanha em seu nome, adoptou, como refrão: “Estou aqui há tantos anos e nunca tive um cargo desses… Votem em mim, que defenderei os vossos interesses…” Extraordinário, inolvidável, frases profundas, reflexivas, onde se traduz o sublime de uma alma, por aqui o leitor compreende a largueza da inteligência e simultaneamente a dignidade desta criatura, infelizmente personagens assim pululam nesta funesta contemporaneidade, embora, repita, esta já some décadas bastantes para ter juízo, confesso, de início, uma certa ternura por aqueles sofríveis fiozitos de cabelo sobre o cocuruto, equacionei tratar-se de uma peruca, logo eu que tão desatento sou para esses pormenores, talvez pelo amarelo-canário excessivo, o que lhe conferia um ar de personagem de banda-desenhada, concluí, mais tarde, que não, contudo, esse amarelo-canário excessivo dava-lhe a aura de uma sobrevivente de incêndio, a excessiva magreza só acentuava esta possibilidade, pois, não era, de todo, uma visão muito saudável, em nenhum dos sentidos: do guarda-roupa à carbonizada dentição, do amarelo-canário, em vãs tentativas para disfarçar a calvície, à total ausência de formas femininas… Para completar, uma cretina oportunista na sua plenitude, como anteriormente salientei, como qualquer medíocre conhecia a estreiteza dos seus horizontes, por conseguinte, competência era-lhe um conceito longínquo, não se engane o leitor: um incompetente tem plena consciência de o ser: o seu objectivo centra-se precisamente em obnubilar este facto aos demais: para o efeito, usa as mais vis e ardilosas estratégias… Neste âmbito, esta tipa é um paradigma! Assim que via alguém a irradiar alguma luz, num cargo similar ao seu, tratava logo de afiar a língua, não lhe era difícil, era pródiga no uso deste órgão, intitulava-se defensora da democracia, no entanto, “Estou aqui há tantos anos e nunca tive um cargo desses… Votem em mim, que defenderei os vossos interesses…” Extraordinário, inolvidável, frases profundas, reflexivas, onde se traduz o sublime de uma alma, caro leitor, de facto, esta funesta contemporaneidade está repleta de figuras-tétricas como a que hoje aqui retratei, vivem e alimentam-se da imundície, se felizmente não pensamos como elas, logo apontam o dedito torto de artroses e rotulam-nos de lugares-comuns rasos como a sua inteligência, sempre na nossa ausência, como é natural, dignidade também lhes é um conceito estranho, vivem e alimentam-se da imundície, por norma, gostam de fumos, é vê-las, nos passeios, durante os intervalos do trabalho, em ávidas baforadas, só espero que não se levante um vento bravio e destape um cocuruto, de si, já tão mal disfarçado.


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