Lembro-me de que eu estava em pé, ela sentada, naquele banco
de madeira, engraçado, que rodeava uma árvore, não me perguntem qual, para além
de pinheiros, eucaliptos, pouco mais, campo e cidade sempre tão distantes, ela
insistia (Então, não queres ir?), na altura, estava com a hesitação, se
fosse agora…, respondi-lhe (Queres mesmo
ir?), a noite convidava ao diálogo, eu que gostava de noites assim, hoje
desaprendi o diálogo, e a noite, e…, a questão diante e em mim (Então, não queres ir?), não compreendi o
quanto queria, muitas vezes sabemos as coisas mas insistimos em soterrá-las,
por cegueira, por estupidez, por preguiça de um pequeníssimo passo, creio que,
acima de tudo, pelo temor de nos perdermos e afinal sabermo-nos um outro, ela
com o luar no sorriso a responder-me Sim,
claro, o que eu esperava por aquele sim
e agora sabia-me perdido, tentei apresentar argumentos Mas é tão longe. Já viste… E dormimos onde? Teríamos de levar quanto
dinheiro… Ela levanta-se, aproxima-se, o seu olhar mergulha no meu, Dormimos onde calhar. Revezamo-nos a
conduzir. E, sabes muito bem, que temos dinheiro quanto baste, esperei
tanto por um momento assim, escolher o amanhã, é tão raro isto acontecer na
vida, talvez porque, na maior parte do tempo, seja a vida que está ao nosso
leme, no entanto, há momentos em que nos escolhemos, eu compreendi, com a
devida exactidão, que este seria um deles, inadvertidamente recuei um ou dois
passos, aproveitei para inspirar o momento, receei que ela percebesse toda a
minha hesitação, a noite estava doce, é a melhor forma que encontro para a
traduzir, apetecia estar, são noites em que não se fala do amanhã, éramos só
nós naquele jardim, do outro lado da rua, um casal com o cão, pelo enlevo que o
quadrúpede lhes proporcionava percebia-se a lonjura de filhos, não sei se no
tempo, não percebi se no espaço, de vez em quando, faróis acompanhados de
roncos mecânicos feriam a doçura daquele estar, a artificialidade daquela luz
repentina devolvia qualquer coisa de desagradável às sombras, como se a palavra
amanhã caísse inopinadamente em cada
conversa, mas o olhar dela mergulhado em mim afastava qualquer palavra caída
para longe, insistia (Vamos?), cedi,
nessa fase da nossa vida, é curioso, vemos as coisas de forma parcelar, porém,
centramo-nos na essência das coisas, eu queria ir, se não tivesse de fazer uma
última paragem, de uma outra forma, se tivéssemos partido já, naquele instante,
do jardim, não lhe disse, como me arrependo, Gosto que me olhes assim, calamos tanto, acho que somos cemitérios
de afectos, não é o sentir desencontrado do verbo, somos nós que o silenciamos
por um não sei quê… Um não sei quê que também somos nós, e quantas vezes, nos
tolhe, se não tivesse de fazer uma última paragem, de uma outra forma, se
tivéssemos partido já, naquele instante, do jardim, por fim, disse-lhe Vamos lá, então… O então muito estúpido, com o seu quê arrastado, como se lhe fizesse
um favor, não sei porquê, há coisas que colocamos nas frases, mas que não nos
pertencem, logo ali intuí que o iria pagar (Vamos
lá, então…), quando, por dentro, regozijava-me, eu face ao mundo, uma noite
que não pesava o pensar, um prenúncio de viagem, ela a meu lado, e um destino
por encontrar, antes de deixarmos o jardim, tratámos de pormenores, creio, no
fundo, que ambos estávamos em fuga, eu sabia do que ela fugia, porém, ainda
hoje desconheço do que fujo, ou talvez não, cansa tanto fugirmos de nós, foi
mais ou menos aí que comecei a ter essa percepção, uma vez mais: nessa fase da
nossa vida, é curioso, vemos as coisas de forma parcelar, porém, centramo-nos
na essência das coisas… Cada um foi para o seu lar, mochilas, roupa, dinheiro,
e houve qualquer coisa que... Bem sei que se não tivesse feito uma última
paragem, de uma outra forma, se tivéssemos partido logo, naquele instante, do
jardim, hoje seria um outro…
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