Livros do Escritor

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domingo, 12 de março de 2023

Um dia de praia


 

Por fim, chegou o Domingo. Apesar disso, o despertador tocou como se de uma segunda-feira se tratasse. Mas, naquela casa, não se ouviram protestos, ninguém se virou para o outro lado na cama, nada, todos se levantaram em leveza, apesar do cheiro a fritos da véspera, a mãe, quase até à meia-noite, dividida entre dois horizontes, a novela e o fogão, rissóis, croquetes, o marido a protestar pelo cheiro, ela a responder-lhe Quero ver se, quando te der a fome, não te vais chegar a eles, não houve gestos apressados, corridas pela única casa de banho da casa, olhares furtivos para o relógio, pelo contrário, reinou a parcimónia entre eles, pai e filho encarregaram-se de levar tudo para o carro, o guarda-sol, um pequeno frigorífico, bem abastecido de cervejas e refrigerantes, um saco com os inevitáveis tupperwares onde se acondicionavam, entre outros, fatias de bolo, os fritos da véspera, sandes, em pão de forma, de fiambre, queijo, e doce, bolachas, pêssego em calda, um tacho de arroz, noutro saco, espelhos, escovas, cremes, protectores, e demais utensílios requeridos pela beira-mar, raquetas, bola, o rádio para ouvir música e acompanhar o relato, duas cadeiras de armar, a bagageira já estava bem composta, o pai, agora, impaciente, a tamborilar os dedos no tejadilho do carro, enquanto olhava incessantemente para a entrada do prédio, percebia-se o destino pela indumentária, um boné desbotado enfiado até à testa, com marcas bem impressas, algures entre suor e sal, camisa de manga curta desabotoada quanto baste para exibir a fé, na forma de um medalhão litúrgico, perdido algures entre a vasta pilosidade, prova cabal e indesmentível de masculinidade, seguia-se uma tanga azul-choque, a evidenciar a morfologia da intimidade masculina, nos pés, uns chinelos plásticos, brancos, com uma tira larga a esconder o peito do pé, mas não aquela unha encravada, já amarelecida, no dedo grande do pé direito, que soavam histeria a cada passo, o filho, em termos de indumentária, não ficava aquém do paradigma paterno, adicionava um brinco reluzente no lóbulo esquerdo e uma poupa alicerçada a bisnagas de gel, por fim, o trinco da porta soou, o pai, de novo, em sorrisos, a mulher saiu, secundada pela filha, vinha com o seu chapéu de palha, gasto nalguns pontos por Verões anteriores, os óculos-escuros que havia comprado a um marroquino na Praça da Figueira, embora, para as amigas, proclamasse bem alto Perdi a cabeça por eles. Nem te digo o preço, para não te sentires mal, e bastaram-lhe algumas moedas, uma camisola demasiado justa para o relevo da zona abdominal, e uns calções, desajustados tanto para a idade como para a forma física, que faziam sobressair os efeitos da gravidade naquele corpo, e cada passada trazia à memória um anúncio televisivo das gelatinas royal, a filha, por seu lado, apenas discrição, como se quisesse permanecer nas faldas daquele quadro, assim que entraram no carro, o pai ligou o rádio, mãe e filho em sorrisos, a filha com a janela, rumaram para a Costa, ainda tinham a ponte, o crucifixo no retrovisor era garantia de segurança, para os bancos da frente, o pai adquirira, há umas semanas, a um amigo, umas capas com umas esferas que eram garantia de bem-estar para a coluna, os bancos traseiros estavam protegidos com uma colcha, e, no vidro traseiro, o miúdo havia colado um autocolante com o dito Não me siga, estou perdido, a princípio, o pai renitente, mas lá acabou por achar a sua graça, antes de chegarem à ponte, o rádio ainda mais alto, o pai maldizia o trânsito, a mãe ajeitava a maquilhagem, o filho repetia incessantemente a mesma questão (Ainda falta muito?), a filha sempre com a janela, elegera-a para sua companheira de viagem, talvez há muito, nem olhava o irmão, um continente separava-os, era cinco anos mais novo, volvida hora e meia, o estacionamento de terra, a distribuição dos sacos, a mãe à frente, a brancura publicitava ainda mais o efeito gelatina, seguia-se o pai, o azul-choque da tanga a contrastar com a alvura descarnada dos membros inferiores, o irmão aos saltos com a bola e mais qualquer coisa, a uns quantos passos atrás, a irmã, sempre nas faldas deste quadro, a olhar como se de uma janela, demoraram o seu tempo a instalar-se, após o guarda-sol, as toalhas, abrir as cadeiras, ligar o rádio, pô-lo audível em relação às ondas, fechar os sacos onde havia comida por causa da areia, ele deliciado a pôr protector nas costas da mulher, ela nem precisou de o verbalizar, já a aguardava de frasco na mão, o filho entretinha-se a jogar raquetas com um vizinho de um guarda-sol próximo, só a rapariga da janela se encaminhou para a água, assim que uma onda lhe cobriu os pés, respirou fundo, avançou mais uns passos, achou curioso, o único som advinha das águas, olhou para trás, parecia tudo tão longe…

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