Livros do Escritor

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sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Luar de Inverno II


 

Nem os cintos apertaram, já o desconforto os invadia, e um crescente incómodo pelo exíguo horizonte das costas, quase nos seus rostos, dos bancos da frente, fez questão de lhe proporcionar o lugar da janela, ela embevecida, a ânsia um pouco defraudada, primeiro embateu com os óculos no vidro, pareceu-lhe mais distante, dali só contemplou a metálica asa, aquietou-a o facto de ainda pisarem a terra, havia, entre eles, um júbilo pressentido, após mais de uma década, por fim, cumpriam o desejo de novas vistas para o olhar, e, de mãos dadas, relembraram que tudo começou com uma frase, ouvida por ele, durante a pausa do almoço, , “Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” há precisamente três horas estacionavam o carro num bairro próximo do aeroporto, seguiu-se uma corrida, com as malas, para o metro, por fim, o aeroporto, ela, de imediato, a exigir-lhe a foto da praxe junto do painel das partidas e chegadas, perante as suas hesitações, com rispidez “Anda, despacha-te, todas que viajam tiram aqui uma foto! E sabes qual é a legenda? Adivinhem para onde vou…”, nem ousou construir uma resposta, limitou-se a escolher o melhor enquadramento para a foto, pouco mais, ela, de imediato, a ver como ficou, antes de qualquer contestação, “Tirei várias!”, não fosse logo iniciar a contestação, por fim, “Vá lá, esta não ficou mal…”, não era pródiga em elogios, em verdade, ele não se recorda de nenhum directo, e tinha uma memória bastante vívida, “Não queres também aqui uma foto? Todos tiram…”, deixou de a ouvir, pensou nos colegas de trabalho, naquelas pausas de almoço, onde se levantou uma frase “Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” pois, ela tinha razão, era imperativo ali ser fotografado, colocou-se muito direito, com a mala bem visível, à sua frente, o painel mesmo por cima da sua cabeça, ela contorcia-se para apanhar o melhor ângulo, uma questão saiu-lhe com naturalidade,  para sua surpresa, “Estás a apanhar o painel?”, seguiu-se um longo serpentear como gado a caminho de um matadouro (quantos compreendem a humilhação daqueles passos?), um ziguezaguear constante, de cobaias num labirinto, a caminho de um impronunciado nada, a cumprir um rito decretado pelas sombras, eles estavam demasiado longe destas conjecturas, chegados a mais uma barreira, apresentar documentos, mais documentos, bilhetes, malas para um lado, eles para outro, revistados como se tratassem de marginais, tudo encarado com a espontânea normalidade do hoje, cobaias num labirinto, a caminho de um impronunciado nada, a cumprir um rito decretado pelas sombras, a ansiosa procura de reaver as malas, assim que as retiram do insaciável tapete-rolante, ela, com ar de triunfo, “Tira aqui mais uma foto!”, prontamente ele acedeu, nem se preocuparam por barrar parte do caminho aos demais, lá seguiram caminho, até nova barreira, apresentar documentos, mais documentos, bilhetes, desta feita, não houve revistas como se tratassem de marginais e as malas mantiveram-se junto deles, de repente, a apontar para uma janela, ela “É aquele o nosso avião!”, apesar do grito, ele enternecido, também se precipitou para a janela, mais fotos e fotos, as metálicas-asas espelhavam o luar de Inverno, passava das cinco da manhã quando, no topo da escada-metálica, antes de entrar, ela  “Tira aqui mais uma foto!”, não obstante o cansaço de percorrer corredores e corredores, ziguezaguear que nem cobaias por um labirinto, apenas quatro horas de sono, arrastar malas há mais de três horas, ele não se recorda de lhe ter vislumbrado tal vitoriosa expressão, como no cimo daquelas escadas, antes de entrar no avião rumo a novas vistas para o olhar, após a foto, nem esperou que ele vencesse os degraus em falta, pegou na mala e entrou, apresentar os bilhetes, pousar a mala, sempre acabava por tombar para a frente, como se uma inevitabilidade, olhou para trás para ver se ele, sim, já ali estava, também em guerra com a mala, seguiu-se o exíguo corredor, ladeado de assentos e assentos, por fim, encontraram os respectivos lugares, nem os cintos apertaram, já o desconforto os invadia, e um crescente incómodo pelo exíguo horizonte das costas, quase nos seus rostos, dos bancos da frente, fez questão de lhe proporcionar o lugar da janela, ela embevecida, a ânsia um pouco defraudada, primeiro embateu com os óculos no vidro, pareceu-lhe mais distante, dali só contemplou a metálica asa, aquietou-a o facto de ainda pisarem a terra, havia, entre eles, um júbilo pressentido, após mais de uma década, por fim, cumpriam o desejo de novas vistas para o olhar, e, de mãos dadas, relembraram que tudo começou com uma frase, ouvida por ele, durante a pausa do almoço, “Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” “Vou fotografar a asa do avião,” achou piroso, mas não quis estragar o momento, lá se esticou para perscrutar que interesse haveria ali para ser digno de uma foto, espantou-o o brilho da asa, “Já percebeste, não é? Parece que retém o luar de Inverno… É essa luz que eu procuro conservar numa imagem… Uma prata descida dos céus a alumiar os nossos desejos de partir,” reencontrava, neste timbre introspectivo e sonhador, a mulher por quem se apaixonara, sob aquela luz prateada, descida das alturas, parece que foi há pouco, compreensível, o luar não conhece o tempo. 

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