Bate ao de leve, como se negasse, a
cada toque, exercido com o nó, do dedo médio, na porta, escurecida e fria,
apesar de alva na sua génese, naquele desiludido corredor, sem janelas, o
desejo de ali entrar, nisto Faz favor,
o eco humano, proveniente do interior, bastou-lhe, rodou a maçaneta, era um
gabinete para o rectangular, deparou-se com uma mulher, teria já dobrado os
cinquenta, sentada a uma secretária, de bata branca, como era expectável, por
trás dela, a única janela ilustrava o cinzento de mais um dia sem substância
(De quantos assim não se faz uma vida? Talvez demasiados…), Sente-se, por favor, a voz, de novo, a
trazê-la para o lado daqui das coisas, o eco humano, uma vez mais, a
agradar-lhe, talvez, quem sabe, a possibilidade de uma ponte, depois de
percorrer aquele desiludido corredor, sem janelas, após sentar-se, percebeu
preocupação pela face e gestos da mulher, de bata branca, que já teria dobrado
os cinquenta, sentada, diante de si, a atenção para uma folha, retirada de um
envelope abandonado, sobre o tampo da secretária, percebeu, não sabe bem
porquê, que o conteúdo da folha não era estranho à mão que a segurava, como se
houvesse necessidade de uma última verificação, e de uma outra, quem sabe se de
mais uma, após esta, sinal de que, por ali, mais desiludidos corredores, sem
janelas, a mulher, da bata branca, pousou a folha, pousar não é o termo
correcto, se nos demorássemos no seu gesto, percebíamos que, de facto, ela
abandonou a folha que se precipitou numa enleante lentidão até tanger, como se
um beijo tímido nuns lábios expectantes, o tampo da mesa, Pois… Isto não está fácil… Sabe que está a caminho do terceiro mês de
gestação? Ouve-a como se de uma outra margem, a distância torna tanta coisa
incompreensível (Pois… Isto não está
fácil… Sabe que está a caminho do terceiro mês de gestação?), E depois?, pensou, por fim, algo bom floresce dentro de si, de repente, a mulher, de
bata branca, levanta-se, vira-se para a janela, e como se pensasse em voz alta Há muito que não tinha um caso assim… Em verdade,
nunca tive nada igual… Por uns momentos, permanece a olhar aquele cinzento
de mais um dia sem substância, como se daí adviesse alguma resposta às suas
inquietações, ela permanece sentada, agarrada à doçura daquele pensamento, por fim, algo bom floresce dentro de si, era
um pensamento apaziguante, como se constituísse, em si próprio, uma composição
melódica de feixes de luz derramados em águas estivais, até que a voz de
mulher, de bata branca, se sobrepôs a tudo Repare!
Você tem vida e morte a crescer dentro de si! Algo terá de ser feito… E
sentou-se, ela continuou agarrada àquela composição melódica de feixes de luz
derramados em águas estivais, nem ouvia a caneta furiosa que, com toda a
certeza, preenchia impressos para análises, exames, mais exames, outras
análises, uns testes quaisquer, assim que a caneta se deteve, um suspiro
preencheu aquele espaço rectangular, desta vez, percebeu emoção nas expressões
e gestos da mulher, de bata branca, Eu
percebo que, para si, a escolha esteja feita há muito… Mas, enquanto sua
médica, e da vida que agora carrega, há muitas variáveis… Suspender o
tratamento? Persistir e prejudicar o… Ela levanta-se, de mão no ventre, não
sabe porquê, olha a mulher, de bata branca, agora sentada, Tantas perguntas… Sabe, a vida é uma subtracção constante. Neste
momento, parece que se enganou. Finalmente, adicionou-me algo. E isto, para
mim, é o tudo. A mulher, de bata branca, resolve também levantar-se, não se
coíbe de um conselho Cuidado com a
esperança. Aponta sempre para as alturas, com renovada calma, antes de
sair, ela responde Não se preocupe. Se
cair, pelo menos, conheço bem demais o chão do mundo, fechou a porta e
saiu, desceu as escadas, à entrada sorriu à telefonista cega que se entretinha
a saborear o cheiro de uma flor, não se recorda a cor, lá fora, no céu, a
Oeste, uma fenda luminosa anunciava romper o hermetismo cinzento de mais um dia
sem substância, olhou para trás e gravou na sua memória a cor que a telefonista
cega segurava com afeição entre os dedos.
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