A primeira palavra que o ser-humano aprende,
ao contrário do que muitos pensam, é Não. E porquê? Porque é da nossa natureza reagir perante a
adversidade, quando, ao longo da vida, se ouve poucas vezes o Não, está potenciado
o cenário para a indolência, preguiça, irresponsabilidade, e demais
companheiras de curtas viagens… Hoje resolvi contar, nem por acaso, a história
de uma personagem que tão pouco contemplada foi com o mágico Não, mais
novo de meia-dúzia de irmãos, centrou em si, como habitual neste contexto, todo
o mimo e atenção possíveis, com o Não diluído do horizonte, só resta
mesmo empurrar a vida com a barriga, que, nem por acaso, se avolumou, de forma
proporcional, ao somar das décadas, o liceu ficou por completar, porém, este
facto logo sublimado por uma postura muito comum naqueles a quem os livros inclinam
a cabeça para o chão do mundo: a arrogância do intelectual de pacotilha! Era
vê-lo, rua acima, rua abaixo, com um volume, denso o suficiente, para não passar despercebido à vista
alheia, quem ousa perguntar, ao portador de tal tijolo de letras, pela
escolaridade? Pois, de facto, uma questão falaciosa, só um espírito elevado,
guindado às mais intrincadas elucubrações do pensar, poderia carregar tal
volume, durante meses, e meses, e meses, e meses, era vê-lo, rua acima, rua abaixo, com um volume, denso o
suficiente, para não passar despercebido à vista alheia, debaixo do braço, se,
por acaso, um incauto o questionasse se estava a gostar, olhava-o com o sorriso numa demasia artificial e uma expressão de
desdém que, em silêncio, verbalizava: “Mas o que é que tens a ver com
isso? Trago isto e pronto! Faz parte da indumentária, como o cachecol, fica bem
e pronto! Daqui a pouco ainda descobre que não li uma linha, queres ver…” O
tempo foi-lhe balsâmico neste particular, adicionou à expressão de desdém o
clássico: “Esquece, isto não é para ti!” Uma vez mais: “Assim
resolvo toda e qualquer possível dúvida destes intrometidos, pronto, já não
chateiam mais, pronto…” Lá teve de aligeirar o peso daqueles tijolos debaixo
do braço, a escoliose pressentia-se, assim passou para um pequeno rectângulo,
e, com gáudio, anunciava a todos: “Isto é um ganda filme, isto é um ganda
filme, mas, esquece, não é para ti”, um dos bens mais raros da
humanidade é a inteligência, por conseguinte, a maioria calava-se e acreditava
piamente estar perante uma sumidade da sétima-arte, se aconselhava “Esquece,
não é para ti”, o melhor seria respeitar, afinal, até estava a salvaguardar o
bem-estar dos espíritos alheios, não se fossem perder nos labirintos de tão
complexas obras, o seu trabalho, bom, na realidade, não é o conceito mais
correcto para esta personagem, em verdade, só lhe foi apresentado há pouco, como
dizia, passava umas horas do seu dia num negócio providenciado pelos pais,
entrava e saía à hora que lhe aprouvesse, era vê-lo distribuir as máximas doutas:
“Isto
é um ganda filme, isto é um ganda filme, mas, esquece,
não é para ti”, como se milho pelos pombos, com o sorriso numa
demasia artificial e uma expressão de desdém, até a indumentária procurava
sublinhar o traço de irreverência, um James Dean com meio-século de atraso,
oscilava entre umas jardineiras, com uma alça só abotoada, aqui está indubitavelmente
sublinhada toda e qualquer originalidade, ou um calçado-plástico, geralmente
usado por tarefeiros hospitalares, com os anos,
e a escoliose a acentuar-se, os tijolos passaram a ser trazidos numa
malinha a tiracolo, já não valia a pena exibi-los, toda agente, nas imediações,
o reconhecia como uma sumidade, da literatura ao cinema, desde que não lhe
falassem de escola, habilitações-literárias, e afins, pois, o tal Não, mas
isso é para os desvalidos do pensar, esses jamais podiam articular máximas
como: “Isto é um ganda filme, isto é um ganda filme, mas, esquece, não é
para ti”; no meio de tanta originalidade, a verdade é que a sua
mundividência e consequentes opiniões estavam ao nível do metropolitano, a
verdade, para ele, era um cabeçalho de jornal, apenas e só, mas calma, não podemos
esquecer as jardineiras com uma só alça abotoada; os lanches também obedeciam a
todo um ritual, ia à mercearia mais próxima abastecer-se de pão e
queijo-fresco, dispunha tudo em cima da mesa, e para ali ficava, numa minúcia
de cirurgião, a cortar as fatias, que logo iam rechear os pães previamente abertos,
sem dúvida o momento sagrado da sua tarde, a vida, no seu caprichoso caudal,
tarde ou cedo, irrompe na vida de cada um para ensinar o Não, esta
personagem, como é natural, não fugiu à regra, se antes hostilizava, como
podia, geralmente através da maledicência oca, sempre pelas costas, quem lhe
procurava explicar o significado de Não, agora não teve alternativas, lá
se fez ao caminho, para longe, muito longe, do rua acima, rua abaixo, dizem que
foi para o exterior, contudo, e em abono da verdade, devo realçar que manteve o
seu traço de originalidade, parece que o avistaram com um fato-de-astronauta,
caro leitor, peço desculpa, mas só me resta dizer: “Esquece, não é para ti.”
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.