Livros do Escritor

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sexta-feira, 14 de julho de 2023

O LIVRO DA MINHA VIDA:


A Insustentável Leveza do Ser (Milan Kundera)

 Em matéria de livros, assim como em outros contextos da vida, o singular tem dificuldade em entrar. Desse modo, quando a Paula, gentilmente, me desafiou para escrever acerca do Livro da minha vida, confesso a minha dificuldade. Logo me surgiram luminosos títulos que, de facto, fazem parte incontornável da minha biografia intelectual (desde A Náusea, de Sartre; As Velas Ardem até ao Fim, de Márai – cujo o título original é: Cinzas; A Pérola, de Steinbeck; Por Favor, não Matem a Cotovia, de Harper Lee – o único livro que escreveu; A Morte de Ivan Ilitch, de Tolstói; Noites Brancas, de Dostoiévski; Até ao Fim, de Vergílio Ferreira; mais recentemente, Na Praia de Chesil, de Ian McEwan; ou Nunca me Deixes, de Kazuo Ishiguro). E sem querer ser demasiado exaustivo, porque muitos outros títulos deveriam figurar entre os supracitados, a minha escolha recaiu no livro que, até hoje, mais me deslumbrou sob todos os aspectos: A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera.

Para começar, o título, no meu entendimento, é o mais belo da história da literatura. Não só pela sua aparente antítese, mas pela relação desta com o profundo conceito de Ser. O livro começa com uma questão: e se o postulado nietzschiano do Eterno Retorno fosse uma realidade? Por outras palavras, se cada um de nós estivesse condenado a reviver a sua vida, com cada instante de dor e de alegria, ad aeternum, como seria? Esta é uma questão que, sem dúvida, encerra, em si mesma, um abismo de reflexões de ordem vária. Por conseguinte, o romance inicia-se com um convite à reflexão. De seguida, são-nos apresentadas as personagens centrais: Tomás e Teresa. Tomás, a aparente força que se revela fraqueza; Teresa, a aparente fraqueza que se traduz em força. É com estas dicotomias: força/fraqueza; peso/leveza; corpo/alma, que Kundera tece este magistral romance, que, no fundo, nos devolve o espelho da nossa complexa essência. Muitos quiseram apelidar este livro de romance geracional. Um erro de uma grosseria sem precedentes. Este é, claramente, um livro rumo à eternidade. Porque, apesar de o seu contexto assentar na Primavera de 68 em Praga, as temáticas kunderianas são universais.

Philip Kaufmann adaptou este romance ao cinema, com os brilhantes Daniel Day Lewis e Juliette Binoche. Apesar de se tratar de um belíssimo filme, neste caso, como em muitos outros, fica bastante aquém do livro.

Li este livro há cerca de 13 anos. Foi o meu segundo livro de Kundera. O primeiro foi A Imortalidade. É, de facto, um dos meus autores de eleição. Li a sua obra na totalidade: tanto a romanesca, como a ensaística. Como imagem autoral, Kundera divide os seus livros em 7 partes. Naturalmente, este não foge à regra. Ainda hoje, subsistem imagens vívidas deste livro, e, sempre que alguém pronuncia a palavra anacrónica, sorrio.

A tristeza queria dizer: estamos na última paragem. A felicidade queria dizer: estamos os dois juntos. Estas duas frases surgem muito perto do final. Não quis, nesta minha breve recensão, desvelar em demasia a história. Porque, como em todos os grandes livros, acaba por ser o menos significativo. O que fica, manifestamente, das grandes obras, é uma outra forma de olhar a realidade. Um novo despertar. Como se fôssemos, novamente, apresentados ao mundo. Não sei se estamos todos numa última paragem. Se estivermos, que olhemos para a felicidade próxima. Pode ser que, como sugere Kundera, se ouçam violinos por perto e alguma borboleta levante o seu voo.

 

 

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