A Insustentável Leveza do Ser (Milan Kundera)
Em
matéria de livros, assim como em outros contextos da vida, o singular tem
dificuldade em entrar. Desse modo, quando a Paula, gentilmente, me desafiou
para escrever acerca do Livro da minha
vida, confesso a minha dificuldade. Logo me surgiram luminosos títulos que,
de facto, fazem parte incontornável da minha biografia intelectual (desde A Náusea, de Sartre; As Velas Ardem até ao Fim, de Márai –
cujo o título original é: Cinzas; A Pérola, de Steinbeck; Por Favor, não Matem a Cotovia, de
Harper Lee – o único livro que escreveu; A
Morte de Ivan Ilitch, de Tolstói; Noites
Brancas, de Dostoiévski; Até ao Fim,
de Vergílio Ferreira; mais recentemente, Na
Praia de Chesil, de Ian McEwan; ou Nunca
me Deixes, de Kazuo Ishiguro). E
sem querer ser demasiado exaustivo, porque muitos outros títulos deveriam
figurar entre os supracitados, a minha escolha recaiu no livro que, até hoje,
mais me deslumbrou sob todos os aspectos: A
Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera.
Para começar, o título, no meu entendimento, é
o mais belo da história da literatura. Não só pela sua aparente antítese, mas
pela relação desta com o profundo conceito de Ser. O livro começa com uma questão: e se o postulado nietzschiano
do Eterno Retorno fosse uma realidade?
Por outras palavras, se cada um de nós estivesse condenado a reviver a sua
vida, com cada instante de dor e de alegria, ad aeternum, como seria? Esta é
uma questão que, sem dúvida, encerra, em si mesma, um abismo de reflexões de
ordem vária. Por conseguinte, o romance inicia-se com um convite à reflexão. De
seguida, são-nos apresentadas as personagens centrais: Tomás e Teresa. Tomás, a
aparente força que se revela fraqueza; Teresa, a aparente fraqueza que se traduz em força. É com estas dicotomias: força/fraqueza;
peso/leveza; corpo/alma, que Kundera tece este magistral romance, que, no
fundo, nos devolve o espelho da nossa complexa essência. Muitos quiseram
apelidar este livro de romance geracional. Um erro de uma grosseria sem
precedentes. Este é, claramente, um livro rumo à eternidade. Porque, apesar de
o seu contexto assentar na Primavera de
68 em Praga, as temáticas kunderianas são universais.
Philip Kaufmann adaptou este romance ao
cinema, com os brilhantes Daniel Day Lewis e Juliette Binoche. Apesar de se
tratar de um belíssimo filme, neste caso, como em muitos outros, fica bastante
aquém do livro.
Li este livro há cerca de 13 anos. Foi o meu
segundo livro de Kundera. O primeiro foi A
Imortalidade. É, de facto, um dos meus autores de eleição. Li a sua obra na
totalidade: tanto a romanesca, como a ensaística. Como imagem autoral, Kundera
divide os seus livros em 7 partes. Naturalmente, este não foge à regra. Ainda
hoje, subsistem imagens vívidas deste livro, e, sempre que alguém pronuncia a
palavra anacrónica, sorrio.
A tristeza
queria dizer: estamos na última paragem. A felicidade queria dizer: estamos os
dois juntos. Estas duas
frases surgem muito perto do final. Não quis, nesta minha breve recensão,
desvelar em demasia a história. Porque, como em todos os grandes livros, acaba
por ser o menos significativo. O que fica, manifestamente, das grandes obras, é
uma outra forma de olhar a realidade. Um novo despertar. Como se fôssemos,
novamente, apresentados ao mundo. Não sei se estamos todos numa última paragem.
Se estivermos, que olhemos para a felicidade próxima. Pode ser que, como sugere
Kundera, se ouçam violinos por perto e alguma borboleta levante o seu voo.
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