Há dias assim. Em que, na sombra de
um corredor, a luz de uma memória. E eu passado, sim, o incómodo presente, como
algures uma dor que inquieta, latejante, a doçura do ido, talvez por
compreender que não a saboreei, ando sem me aperceber, ora num lugar, já
noutro, os cenários diferem, mas eu comigo, como se uma praga, sento-me, no
cadeirão em frente, senta-se-me o pensar, olha-me, os ombros curvam-se-me, e
agora? Lá fora, um outro cenário, mas, diante de mim, naquele cadeirão, aquelas
ideias, quase orgânicas, afundam-se-me olhos adentro, como se aguardassem o
mais ténue movimento para me seguirem. Alguém se me dirige, naqueles
cumprimentos que, de tão forçados, quase ecoa um debitar calórico pelos ares,
ouço frases de calçada, surpreendo-me no mesmo registo, como se, é isso, eu um
outro, corro atrás da esterilidade linguística, afinal, eu não sou isso, mas
algo se lança aos meus pés, eu por terra, continuo num automatismo de passeios,
é verdade, estou derrotado. Neste momento, rodo a chave na inglória de mais um
regresso silencioso. Dentro deste lugar que ocupo, continuo com gestos não de
mim. Deixei de acender as luzes. Melhor assim. Na mesa, de madeira, redonda,
ainda jaz aquela carta. Quantas vezes a reli? Talvez movido pelo espanto da
incompreensão… À mesma hora, hoje, vou pegar-lhe de novo. Foi há quanto tempo?
É estranha a nossa relação com os dias. De repente, sem que nos apercebamos,
perdemos o rasto! Para onde foram? Bem sei… Mas, sim, a carta, chegou a sua
hora. Mudança é sinónimo de velocidade. Sim, o de repente… E eu com a imagem de
um corpo a mergulhar: de um mundo para outro. Ela a avisar-me com olhares e
atitudes. Eu a não acreditar. Ela com a pressa, eu com passos de bengala. Fica mais um pouco esta noite!,
dizia-lhe para o fim, ela Sabes que não
posso! Eu a acreditar, talvez o trabalho, umas horas extra no escritório,
uns trocos a mais sempre benéficos para o sorriso, mas nem trocos nem sorrisos
de volta… Apenas umas linhas em cima de uma mesa, de madeira, redonda. Logo
esta noite. Eu com a carta. Esta noite não! Tento o telefone. O piar
prolonga-se em mim como o eco de um não arrastado. Por fim, capitulo. Ela à
minha frente Tenta perceber. És uma
pessoa especial. Foi uma honra ter-te conhecido. Mas… Já não diante de mim,
apenas uma carta. Regresso ao telefone, aos piares arrastados, ecos prolongados
de uma voz ausente, ela a insistir Guardo-te
como uma boa memória, mas eu presente, nunca passado, e ela já no futuro,
desencontros temporais, insisto Fica mais
um pouco. Vamos tomar um café, ela, Por
favor, não insistas. Assim nem uma boa recordação serás. Levanta-se, dá uns
passos, à minha frente, apenas o abandono do meu pensar, ao meu redor, o
indistinto do tempo a avolumar-se, eu Pensa
bem. Anda, vamos lá tomar um café. Ela já na porta, o singular baque de
menos uma entrada, diante de mim, sentado, o vazio que me ocupava, agora, uma
vez mais, insisto com estes piares suplicantes, até que se silenciam em
reticências sonoras. Pouso a carta com a mão fria. Talvez tenha despertado. Há
noites que se fizeram para não estarmos sós. Mas, nesta casa, demasiado
barulho: o baque de uma porta, os insistentes piares arrastados, a recusa de um
café (Foi uma honra ter-te conhecido),
eu Onde vais? e a resposta em forma
de som de entrada desvanecida. À minha frente, já nada. O som do relógio da
vizinha. Que horas são? Não as contei. Costumava fazê-lo. Olho, agora, a mesa,
de madeira, redonda. Não há nada em cima. Quando é que ela decidiu partir? Sim,
percebo. Ela disse-me tudo, entre olhares hesitantes e palavras desviadas. Eu Fica mais um pouco. Já é de noite. Perdi
o tempo. Fecho os olhos. Talvez, sim, é verdade, sinta um calor próximo de mim.
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