Ela estava deitada há algum tempo. Quanto? Não sabe.
Talvez tivesse dormido um pouco. O que a despertou? As dores? Sim. Não, o
barulho. Mas também as dores. Talvez tudo somado. E sempre um vai e vem
constante de batas brancas. Outros deitados como ela entravam em salas, de
portas de saloon, em velocidades de cenários de asfalto. E ela permanecia ali,
encostada a uma parede, com um gotejar, provindo das alturas, ininterrupto
braço adentro. O movimento não cessava. Tenta levantar um pouco a cabeça, para
compreender melhor o espaço. Logo uma mão sorridente trata de a serenar de
encontro à almofada. Ouve um expressivo acalme-se,
está quase, e ela, numa resignação indefesa, de regresso à horizontalidade
branca. De repente, uma dor excruciante brota-lhe dos estigmas. Uma dor de
fogo, no fundo, uma dor de raiz. Apercebe-se, agora, da sua imobilidade.
Afinal, já ali tinha estado. Aquando da primeira estigmatização. E, por ali,
não queriam mais cordeiros sacrificiais. Sim, esta foi a sua segunda tentativa.
Nessa manhã, tivera um teste de Português. Correra-lhe muito bem. Almoçara, num
cafezito próximo da escola, com umas colegas. Conversas de liceu, algures entre
rapazes e moda. Findo o almoço, o namorado acompanhou-a a casa. Sempre
diligente. Talvez demasiado atencioso. Hoje
estás longe, recorda-se de ele dizer isto, estás longe, sim, há muito que ela está longe, e ele a dar-lhe a
mão, pelo passeio fora, com um orgulho indesmentível, traduzido num sorriso sem
recuo, e ela de expressão amarelecida, a seu lado, ora a tentar acompanhar o
passo dele, acelerado pelo entusiasmo, ora em guerra declarada com aquela
estúpida madeixa, que testa incessantemente os seus reflexos e a sua paciência.
Ele deixa-a à porta de casa, significa beijo prolongado, ele sorrisos, ela
longe, ele entusiasmo, ela numa nostalgia muda, Logo, queres ir ao café?, e ela a pensar que logo é tão longe...
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.