A primeira vez que a vi foi quando me
abriguei na entrada daquele prédio, por causa de um repentino aguaceiro, o
Inverno renitente em partir, como se procurasse estender a sua estadia por um
qualquer capricho de última hora, ou talvez encantado pelo rosto fresco e
florido da Primavera que se aproximava, pois, é possível, eu, incauto, apenas a
olhar para o calendário, daí que, nessa manhã, ao sair, desprezasse o
guarda-chuva, porém, ao final da tarde, no regresso a casa, assim que saio da
estação, os céus resolvem limpar da terra os nossos pecados, surpreendido,
corro até à entrada mais próxima, ali fico durante o necessário, mais dois ou
três incautos, recém-chegados no mesmo comboio, juntam-se-me, no hoje evitam-se
olhares, não compreendo, nem quero, olho à minha volta e descubro-a a um canto,
muito encolhida, com uma mesita, à sua frente, que quase a cobria por completo,
sobre a mesa umas agora esquálidas florezitas, deslustradas, enterneceu-me
aquela visão, nisto uma mulher, creio que fosse mãe, aproxima-se, a tossir
ruidosamente, percebo-lhe veemência nos gestos, repreende a menina por não ter
acautelado uma protecção para as flores aquando do aguaceiro, espanta-me que
não se tenha apercebido de que os céus igualmente sobre a menina, tal o dó de a
olhar, também ela deslustrada, esquálida, as roupas, já de si pobres, agora
encharcadas, apenas acentuavam a carência de dignidade nas refeições (...)
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