Onde tudo começou? Qual o ponto exacto de onde parti? De mãos nos bolsos, caminho por ruas de outras idades. E revejo-me por ali, sem me ver. Há lugares que nos demoram o olhar, talvez por guardarem um sonho já não nosso, mas que nos habitou tempo suficiente para o reconhecermos. Um pouco como uma esperança que entretanto se evolou, embora o nosso olhar para sempre numa certa direcção. Como se uma melodia dali ecoasse e nós numa imobilidade extasiada. E sempre uma distância entre nós e as coisas. No fundo, não uma distância, mas o tempo: o único que desconhece a palavra regresso. Caminho com rostos em mim, talvez por isso o gosto por certos sítios. Não pelo espaço, mas pelo tempo das faces que os habitaram. Tenho de escrever, ainda hoje, uma carta! A quem? Não sei… Apenas a certeza de que Tenho de escrever, ainda hoje, uma carta! Como se uma necessidade de sentido, para os dias acumulados. Continuo a caminhada. Olho as coisas, mas tudo tão longe, quase como se constituíssem uma irrealidade, porém, vivem em mim como a certeza pétrea de um afecto. Será que os outros também regressam a estes lugares de uma outra vida? Desde muito cedo, que me habita uma saudade de não sei bem o quê… Como se me soubesse um viajante, embora sem mapa e bússola. Olho lugares e relembro rostos! Como se em cada canto habitasse uma voz. Não já uma voz, mas apenas um frágil eco pelos frios ventos de um Inverno demasiado cinzento. E eu persisto neste caminhar, numa procura de qualquer coisa, sim, sei-me inquieto, afinal, entre as minhas paredes apenas dúvidas, nada mais, saí para respirar, e, agora, encontro-me nesta efémera demanda pelo irrepetível… Com o tempo, carregamos demasiadas partidas. Como se o mundo, crescentemente, se tornasse um lugar estranho. Ficam lugares, mas não quem os iluminou. Olho-os e compreendo-lhes uma total ausência de substância. Estranho! O sentido que lhes procuro, afinal em mim, e sempre no eco de uma voz levada por frios ventos de um Inverno demasiado cinzento. Há lugares em que me vejo com todas as idades, mas sorrio sempre, e em exclusivo, à meninice. Hoje queria conversar com o miúdo que fui! Queria rever-me com uma alvura esperançada no rosto, por outras palavras, queria relembrar a manhã de mim. Agora sou uma noite caminhante, iluminada por centelhas tão longínquas! Quanto de nós fica num lugar? Olho à minha volta, perto da casa onde nasci, e não me encontro. Afinal, vivemos sempre noutro sítio. Os nossos pés pisam a terra, mas o nosso pensar caminha sobre o vento, que ondula ramagens e altera geografias. Ainda neste caminhar, de mãos perdidas nos bolsos, demasiado vazios, sim, nem vestígios de mapa ou bússola, por fim, cedo às evidências: a memória tem voz de sereia. Decido regressar. Tenho de escrever, ainda hoje, uma carta! Sim, é verdade, antes que anoiteça demasiado. Uma carta para alguém a relembrar-lhe dia, ramagens e brisas. Talvez assim, me ajude a atravessar a noite que se aproxima, com a familiaridade iluminada de um gesto só por mim conhecido. Há quem lhe chame amor…
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