Iniciou um sorriso no decorrer de um
sonho. Um sorriso do sentir. Todo ele estava no sonho. Talvez por isso o
sorrir. Talvez por isso o sentir. Porque só se sente por inteiro. Não há
sentires parcelares. E ele sorriu, não ao sonho, mas à memória. À memória
revivida. Ao instante reavivado com outras colorações, mas com o mesmo aroma.
Sim, só se sorri devido a uma doçura. E ele, naquele instante de uma outra
realidade, com cambiantes de si, revivia a possibilidade de outros caminhos
jamais trilhados. Como se, de alguma forma, pudesse ter sido outro. E quem não
gostaria, nem que fosse por uma vez, de ter sido outro? O sonho abre-nos essa
porta, mas não muitas vezes. Com o tempo, ele começou a compreender os sinais:
um primeiro e tímido chiar de porta, uma luz anunciada num soalho empoeirado,
e, por fim, a luz desvela-se mais um pouco, porque esta porta jamais se
escancara. Apenas se entreabre. Como se proclamasse, num indizível de si, não
demores…
Ele, no seu tempo de sonho, passou de tímidos
vislumbres ao reflexo anunciado no soalho, a olhares indecisos à entrada, a uma
férrea abnegação de entrar a dois pés e fruir, até se encontrar, de novo, na
soleira da porta. Assim estava ele no sonho possível do momento. Por fim, sem
uma lógica por si conhecida, embora velha companheira da tímida porta, ele
viu-se, uma vez mais, na soleira desta. E, em simultâneo, algo ressoou nas
lonjuras de um horizonte desconfortável e de frias arestas. A soleira da porta
era sempre estridente. De novo, a incredulidade. Não será a vida uma soma de
incredulidades? Talvez… À incredulidade soma-se o espanto. Com o espanto, brota
a questão. E da real questão, apenas emerge a dúvida. Nada mais! Ele deixou-se
ainda estar deitado. Um pé já na cama, o outro ainda na soleira da porta. Como
se, de alguma forma, resistisse. Não se resignasse com a simples efemeridade de
um sorriso, por si esboçado. Um sabor sentido. Não, ele precisava de algo mais.
No fundo, há muito que precisava. Nesta fase da sua vida, mais importante que a
direcção, é o terreno por onde se pisa. E ele, no declinar da compreensão – que
mais não é do que o assimilar do malogro –, a retirar o pé da soleira da porta,
como sempre acontece, a revirar-se, uma vez mais, na cama, a sentir um
desconforto crescente, por outras palavras, inteirava-se da sua circunstância.
Assim ficou, até os imperativos da sobrevivência o demoverem. Nesse dia, de uma
forma peculiar, olhava tudo com a estranheza da distância. Houve, no decorrer
dessa manhã, quem o apelidasse de ensonado. Não, não estava ensonado, mas sim
nostálgico. Afinal, fora-lhe permitido, através de uma porta entreaberta,
entrar e viver uma possibilidade. Sim, isso mesmo, viver uma possibilidade…