Livros do Escritor

Livros do Escritor

sábado, 6 de dezembro de 2025

A Nininha II

 



Lembram-se da Nininha, essa mesma, aquela personagem rasteira, maldizente, sabuja, até de estatura não se distancia muito do chão, o focinho está a meio-caminho entre uma mulher-a-dias e uma freira arrependida, a indumentária também oferece o seu contributo para este quadro, mobiliza-se por sombras e esquinas, pois bem, há novidades, desde logo, a que mais saltou à vista foi o retirar da bandolete, chocante, dramático, dilacerante, sem dúvida, esperemos que a anterior crónica não tenha contribuído para tal desfecho, mesmo assim, a ruralidade não a larga, pois, há coisas que se colam à pele, ajeitou, à sua maneira, claro, a disforme massa grisalha que lhe preenche o cocuruto, não sei que desarranjo foi aquele, apenas acentuou os farrapos esbranquiçados, o efeito final é de uma ratazana assustada a farejar em busca do esgoto mais próximo, lá se foi o focinho a meio-caminho entre uma mulher-a-dias e uma freira arrependida, como as coisas mudam no espaço do viver, e a bandolete, meu Deus, que tragédia, sublinhe-se o facto de toda a ratazana ter entrada directa em qualquer episódio do TV Rural, como anteriormente sublinhámos, encostou-se a um desses trabalhos estatais onde a única aptidão passa por ser um perfeito analfabeto-funcional, há uns dias, um conhecido meu, por inerência das suas funções, leu umas sofríveis linhas saídas da pata da Nininha, uma redacção algures entre a terceira ou quarta-classe, se ao menos a bandolete, essa é a dúvida, creio que se ainda a usasse, para segurar a disforme massa grisalha que lhe preenche o cocuruto, no mínimo sair-lhe-ia, não uma “Ode Marítima,” mas, no mínimo, uma Ode Subterrânea, não fosse ela, como toda a ratazana, uma criatura rasteira, maldizente, sabuja, até de estatura não se distancia muito do chão, num final de tarde, esse meu conhecido viu-se, numa sala, perante sinistras personagens que têm ocupado as últimas crónicas, esta ratazana, por exemplo, em silêncio, talvez ainda combalida pela ausência da bandolete, sempre que abre a boca só lhe sai fel e alarvidades, pouco mais, abana a cabecita (proporcional à escassez de massa-encefálica) enquanto destila o seu veneno, como se em espasmos, também lá estava o célebre Bugs Bunny, da crónica anterior, com o seu anacrónico casaco a lembrar a célebre série portuguesa “Duarte e Companhia,” as dentuças omnipresentes, numa clara ameaça de trincar qualquer um, tal a sua dimensão, o sebo capilar reflectia os pontos luminosos do tecto, não podia faltar a “dona do pedaço,” sedenta de atenção, a carência é tramada, com a sua perna-de-presunto cruzada, embora, como os enchidos estavam sob as mesas, não permitia ver se, desta vez, a cruzara, desperta inevitavelmente a reminiscência do fumeiro em casa dos avós na distante província, como se vê, nem tudo é mau, quando avistamos enchidos logo pela manhãzinha ou à noitinha, pelo menos levanta-se a imagem da meninice junto dos avós, também por lá uma baixota, de olhos-piscos, como se sopesasse a mensagem perante o receptor, a espontaneidade há muito partira daquela criatura, não por acaso aquele incessante piscar, um alerta aos incautos, que nenhuma luz providencia ao acontecer, por fim, um sujeito, não fosse o exagerado número de grisalhos, com um penteado saído da primeira-comunhão, o cabelinho penteado para o lado enterneceu-me, outro que se gosta de ouvir, em momentos assim, percebe-se-lhe o engrossar da voz, a necessidade de afirmação tem, por norma, géneses muito profundas, sempre de casaco, confere, nos seus padrões, um ar distinto, apesar de sentado, como os restantes, sentir-se-ia num pedestal ao ouvir-se, apenas a vista o traía, mesmo com os óculos, a qualquer momento, em ameaça de se precipitarem da ponta do nariz, a dificuldade em encontrar as letras era notória, por mais que uma vez viram-no de casaco de bombazina, que ternura, a infância a levantar-se em todo o horizonte, bombazina, há quanto não ouço esta palavra, creio, com sinceridade, que fala com à-vontade de qualquer temática, de futebol a geopolítica, de literatura a nutrição, passando pelo mercado imobiliário e acabando em estética capilar, o arquétipo do manguinhas-de-alpacas, a um olhar minimamente atento bastam duas ou três frases trocadas para se compreender o logro, mais é um atentado à inteligência, um ponto muito sensível desse meu conhecido, à quarta frase do manguinhas-de-alpacas um vómito espiritual a nascer-lhe, perto do fim, só o meu conhecido chamou a atenção para as sofríveis linhas saídas da pata lamacenta da Nininha, uma redacção algures entre a terceira ou quarta-classe, ainda a intrujice de ocultar que outros lhe perceberam ser rasteira, maldizente, sabuja, porém, do fundo daquele lodaçal vieram hossanas à ratazana, foi vê-los, da perna-de-presunto ao manguinhas-de-alpacas, dos olhos-picos às dentuças do Bugs Bunny, em louvores com as sofríveis linhas da ratazana, com a vigarice de branquear quem lhe apontou o desprezível esgoto que é, enfim, pensou o meu conhecido, a Dignidade há muito dali partira, não se comunica com ratazanas, dentuças, olhos-piscos e manguinhas-de-alpacas, bem diz o povo: “Aos burros dá-se palha e não conversa;” Dignidade: será que conhecem este conceito? Basta atentar na curvatura das costas de cada um dos infelizes, pois, tal como a ratazana, o chão não lhes é um lugar assim tão longe.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.