Livros

Livros

sábado, 26 de fevereiro de 2022

 


Não vivemos tempos estranhos, vivemos o terror de gente que se fecha na sua própria cela e atira para longe a chave libertadora, para ali fica, de costas para o mundo, nem sonha que “ao entardecer de hoje só poderá assistir por uma vez na vida”.

in Anoiteceu


“Alguma vez leste, em algum lado, que se aprende muito a olhar os outros?”

in Anoiteceu
 


 As vossas dores equivaliam-se, se um homem entra no mundo por uma mulher, dele quer sair amparado por outra...

in Anoiteceu

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

sábado, 19 de fevereiro de 2022


 Gente boa! Honrada! Pobres, mas limpos, se é que me faço perceber… Por norma, os ricos não são dignos deste adjectivo, alguma vez ouviste de alguém dizer-se rico, mas limpo?

in Anoiteceu


 Quando um prenúncio de regresso pelo mundo anoitecido, um sentir de orfandade aloja-se-me no sentir, ou talvez nunca dali tenha partido, como se fosse um conceito que ignorasse (e não ignoro? Lar? O que é isso de lar?)

in Anoiteceu

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022



 Os nossos desejos são um terreno onde a vontade galopa sem o freio da razão.

in Anoiteceu

domingo, 13 de fevereiro de 2022


 

Escusado será dizer que, nesse dia, mais um deixou cair a sua fé pelo chão do mundo, não será este lugar o verdadeiro cemitério da fé?

in Anoiteceu

domingo, 6 de fevereiro de 2022

O curral da Peida-Sentada II


 

Muitos leitores têm questionado o destino dos porcos do curral da Peida-Sentada. Aqui chegados, pensámos abrir uma série: “As aventuras da Peida-Sentada”. Mas após a necessária reflexão, concluímos que uma porca não tem dignidade para ser protagonista de uma série, pelo menos, a Peida-Sentada. Contudo, resolvemos responder a algumas questões dos nossos sequiosos leitores:  O que sucedeu ao porco baixo, de pernas arqueadas, com a trampa marcada até às orelhas, que grunhia alto na ausência dos outros? E a porca dos dentes-de-esquilo? E o que é feito da própria Peida-Sentada? E da sua primeiro-ajudante, uma suína mais nova, que no focinho ostenta quase sempre um sorriso? A porca, de nome Peida-Sentada, após livrar-se dos indesejáveis, ou seja, de todos que se opunham à sua ascensão, julgou-se tranquila, porém, havia, pela quinta, quem se opusesse ao facto de os destinos da mesma estarem nas patas da porca, no curral reunia um quase consenso, afinal era uma requintada suína, contudo, no galinheiro, por exemplo, havia quem discordasse da chefia estar nas patas da suína, no estábulo havia divergências, mas o  destino do gado estava nas patas e chifres de uma Vaca-Velha, estéril, que adoptara um  casal de porcos-pretos, nem por acaso, a porca-preta ainda estava no curral da Peida-Sentada, por conseguinte não foi difícil o entendimento entre a Vaca-Velha, estéril, e a porca, de nome Peida-Sentada, para que os destinos da quinta estivessem nas patas imundas desta última. A primeira medida da Peida-Sentada foi oficializar o “confessionário”. Perguntar-se-ão os sequiosos leitores: o que será o confessionário da Peida-Sentada? Todos os porcos e porcas, do curral, estavam convidados a contar-lhe tudo o que por ali se passava, sim, velha e cansada forma de controle, todavia, os porcos não têm uma memória prodigiosa, assim sendo, com a necessária discrição lá iam, um a um, ao confessionário da Peida-Sentada, todas as alarvidades eram permitidas, embora alguns porcos estivessem estranhamente escudados, como a Porca dos dentes-de-esquilo, a essa tudo era permitido, costumava ir com os leitões visitar os prados em volta, às vezes deixava-os por lá, expostos aos múltiplos perigos da natureza, e regressava ao curral sozinha, misteriosamente passava incólume a todas as tropelias, continuava a grunhir mal de tudo e todos, o Mocho, neste entretanto, subira um ramo, o cheiro emanado pelo curral tornara-se pútrido em demasia, aos finais de tarde, do seu ramo, o Mocho continuava a assistir às frequentes reuniões do porco baixo, de pernas arqueadas, com a trampa marcada até às orelhas, que grunhia alto na ausência dos outros, com a Peida-Sentada, até fingiram zangar-se, mas nada passa  despercebido ao Mocho, logo agora, que subira um ramo, de facto, o porco baixo, de pernas arqueadas, com a trampa marcada até às orelhas, ficara com um melhor lugar na pocilga, após cumprir com o trabalho sujo a que se propôs, só ali grunhia, como aqueles cães que só ladram atrás de um portão, se ousasse grunhir fora do curral, sabe muito bem como acabam os porcos, temos de introduzir mais três personagens para sermos elucidativos, com os nossos caros leitores, sobre o actual contexto do curral, desse modo ficam com uma visão transversal do mesmo, há um porco-velho, costuma ostentar uma bolsinha ao pescoço, talvez seja onde guarda a sua garrafa-de-azeite, descontente com a sua situação no curral, numa constante maledicência, só mais um com essa praxis, ameaça retirar-se, os restantes porcos até agradeciam, preocupa-se com a sua quantidade de ração, embora já não tenha dentes para a mesma, é claramente um suíno, embora possua um cérebro de jegue, estranha combinação, quando confrontado com a sua inata burrice, cala-se, mas não esquece, apenas mais porco apreensivo com a sua quantidade de ração, pouco mais, há uma suína que só nos últimos tempos, com a partida dos indesejáveis, começou a grunhir, uma Porca-Velha, gorda, de patas curtas, costuma ficar responsável, anualmente, por um grupo de leitões,  as patas, apesar de curtas, parecem mapas de estradas, tal infinidade de varizes, mais um paradigma do curral, aquando os outros deixam uma sombra, lá começa esta porca a grunhir e a destilar fel, não é raro vê-la opinar sobre a vida alheia, talvez por isso não tenha tempo para fechar algumas das incontáveis estradas das suas patas, apesar de curtas, diz-se que estudou mapas, mas perdeu-se a contar as estradas das suas patas, por fim, não podemos deixar de destacar um porco que teve uma ascensão meteórica no curral, há quem diga que chegou de Espanha, porco e espanhol: pior é difícil; conseguiu ficar responsável pelos horários das rações, importante cargo no curral, de facto, só num curral tem relevância o horário das rações, é um porco gago, nem grunhir direito consegue, não olha de frente, é normal para quem não está habituado à luz, embora se considere digno de figurar numa embalagem de salsichas, se ao menos grunhisse direito…  Enfim, após estas linhas subsiste uma questão: o que há de novo no curral da Peida-Sentada? Em verdade, nada! Apenas o acumular de dejectos expelidos pelos suínos. E o facto de o Mocho ter subido um ramo! O cheiro, caros leitores, é inenarrável. Não consigo descrevê-lo…

Pedro de Sá

(06/02/22)


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Este foi um daqueles dias que nunca devia ter existido…


 

O toque da campainha indiciava qualquer coisa de desagradável. Sim, soava a obscuridade, talvez pela demasiada insistência, talvez pela cor das coisas, talvez pelo frio do mundo àquela hora. Resolve enfrentar o destino, uma decisão mecânica, sempre filha do momento, por outras palavras, órfã da reflexão, diante de si, uma jovem, com um colete a anunciar correspondência, ombro direito a ceder ao peso de contas, facturas, ainda mais facturas, de facto, aqueles ombros já não conhecem o peso das saudades, o seu olhar detecta, primeiro, uma pastilha mastigada numa cadência ostensiva, como se declarasse a insatisfação pelo trabalho desempenhado, ele num incómodo pela sonoridade do mastigar, ela a descascar o envelope, como se fruta suculenta, ele já a sentir uma amargura crescente, ao menos a pastilha, mastigada numa cadência ostensiva, a distraí-lo, embora o incomodasse, por fim, ela a estender-lhe uma primeira fatia, Tem de assinar aqui, ele a cumprir, a caminho uma segunda fatia, E ainda aqui. Tem o seu B.I., por favor? Responde num pudor silencioso, como se diante de uma autoridade: Só um momento, que vou buscar. Afinal, a carteira não está no bolso direito do casaco, pendurado na porta da sala, olhares de socorro em volta, mas os móveis indiferentes àqueles apelos emocionados, concentrados num sentir demasiado silencioso, talvez começassem a compreender o destino do tempo, ouve, agora, a caneta num tamborilar crescente na ombreira da porta, relembra os passos vespertinos, e compreende que nada há para relembrar na repetição, afinal, o vazio não tem rosto nem voz, num último momento, um assomo de memória, sim, sempre ali esteve, ao pé das chaves do carro, na mesa rectangular, de canto, baixinha, na esquina antes da cozinha, uma prenda de casamento, de uma prima sua, pega-lhe, retira o documento solicitado, apresenta-o, ela Com a sua licença, começa a apontar números e datas de validade, por fim, Aqui tem! Um resto de bom-dia, o mastigar dilui-se elevador abaixo, ele um pouco atordoado, com a carta na mão, curioso e hesitante com o conteúdo da mesma, embora, há algum tempo, uma voz lhe tenha anunciado as linhas impressas no interior daquele envelope timbrado. Olhou com desdém aquele rectângulo de papel antes de fechar a porta, sentou-se, abriu-o e retirou o conteúdo para uma rápida verificação. Sim, era o que esperava. Embora, em verdade, nunca estejamos preparados para o que esperamos. Quanto mais para… E agora? Antes de sair, ela, baixa e pausadamente, profetizou-lhe cada frase impressa na folha desta manhã. Saíra há quanto? Cerca de dois meses e meio. Também numa manhã. Mais propriamente, numa manhã de Sábado, por volta das onze e meia, apenas a filha olhou para trás, numa incredulidade pela distância crescente do pai, o espanto a impedi-la de chorar, ele a seguir-lhes cada gesto, da entrada de casa, imóvel, calado, apenas um observador da acção alheia. Ou teria a consciência atirada por terra? Quando se deu a sua queda? Tudo começou em mais uma ida às compras. Costumavam abastecer-se no supermercado do bairro, a menos de duzentos metros de casa. A certa altura, ela: Vai já para a bicha, enquanto eu vou só buscar o arroz, ele obediente, a bicha sempre demasiada e imóvel, costumava procurar rostos conhecidos, mas à sua volta uma crescente estranha indiferença, já sabia que, ao arroz, somar-se-ia qualquer outra coisa, nisto, o seu olhar já na meta, a apreciar aquele rosto, novo ali, que diligentemente cumpre as suas funções, o uniforme, nela, com um brilho diferente, o laço, do pescoço, por exemplo, adquiria mesmo uma certa nobreza, o cabelo apanhado sobressaía-lhe a elegância do pescoço, como se mais distante da terra, os gestos ponderados e harmoniosos, um sorriso profissional embora doce, enquanto caminhava por estas paragens, tão distantes, mas a escassos metros, não ouviu a chegada do arroz ao carrinho das compras, a frase gasta destas ocasiões Acho que está tudo, a que se seguia fatalmente uma outra Enquanto aqui estás, vou só ali ver aquelas promoções, ele a regressar a um horizonte de elegância e nobreza, a sua vez mais próxima, já colocava as primeiras compras no balcão, quando é presenteado com um primeiro sorriso, profissional embora doce, as compras a correrem ao sabor de um rolar mecânico, as mais pesadas, ele, cavalheiro, a levantá-las, o sorriso, agora, mais próximo, ainda mais doce, ela a regressar, com uma camisola na mão, a questão sem idade, Já viste o preço? A resposta, de imediato, a seguir-se-lhe, sem lugar a réplica, Está dada! Nem se apercebeu da passagem da camisola, quanto mais da cor, absorto que estava naquele rosto, novo ali, de sorriso, para ele, apenas doce. Foi uma alegria estranha para ela, quando ele se ofereceu para ir às compras sozinho. Sim, uma alegria estranha… A esta, seguiram-se outras. Nas compras do mês, ela sempre presente. Nada de estranho. Porém, não se podia descuidar, sim, é um pressuposto feminino, e, em verdade, também masculino, até porque há sempre uma peça de vestuário, algures no mundo, à espera da mulher certa. Certo dia, à hora do almoço, telefonam-lhe da escola do filho, febre, vómitos, tem de vir buscá-lo, ela liga, de imediato, ao marido, que trabalha mais perto de casa, o telemóvel desligado, ela em estranheza de primeira vez, regressa pelo filho, da escola para o médico, no caminho, o carro do marido estacionado, ela a abrandar, parou mesmo atrás, olha a montra da pastelaria do seu lado direito, ele sentado a uma mesa, em sorrisos, para ela, apenas da saudade, tal a sua frescura, dedos entrelaçados numa mão feminina, extasiado com um sorriso doce e um pescoço nobre, ela siderada no interior do carro, a compreender, de súbito, que não olhava um estranho, mas um rosto do seu passado. Por quantas tardes de pastelarias não teve aquele mesmo rosto diante de si? Entre ela e a pastelaria, um abismo. Perante este: duas possibilidades: ela, claro, escolheu uma: e nem olhou para trás…