Livros

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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Que hora será esta amanhã?

 


Bate ao de leve, como se negasse, a cada toque, exercido com o nó, do dedo médio, na porta, escurecida e fria, apesar de alva na sua génese, naquele desiludido corredor, sem janelas, o desejo de ali entrar, nisto Faz favor, o eco humano, proveniente do interior, bastou-lhe, rodou a maçaneta, era um gabinete para o rectangular, deparou-se com uma mulher, teria já dobrado os cinquenta, sentada a uma secretária, de bata branca, como era expectável, por trás dela, a única janela ilustrava o cinzento de mais um dia sem substância (De quantos assim não se faz uma vida? Talvez demasiados…), Sente-se, por favor, a voz, de novo, a trazê-la para o lado daqui das coisas, o eco humano, uma vez mais, a agradar-lhe, talvez, quem sabe, a possibilidade de uma ponte, depois de percorrer aquele desiludido corredor, sem janelas, após sentar-se, percebeu preocupação pela face e gestos da mulher, de bata branca, que já teria dobrado os cinquenta, sentada, diante de si, a atenção para uma folha, retirada de um envelope abandonado, sobre o tampo da secretária, percebeu, não sabe bem porquê, que o conteúdo da folha não era estranho à mão que a segurava, como se houvesse necessidade de uma última verificação, e de uma outra, quem sabe se de mais uma, após esta, sinal de que, por ali, mais desiludidos corredores, sem janelas, a mulher, da bata branca, pousou a folha, pousar não é o termo correcto, se nos demorássemos no seu gesto, percebíamos que, de facto, ela abandonou a folha que se precipitou numa enleante lentidão até tanger, como se um beijo tímido nuns lábios expectantes, o tampo da mesa, Pois… Isto não está fácil… Sabe que está a caminho do terceiro mês de gestação? Ouve-a como se de uma outra margem, a distância torna tanta coisa incompreensível (Pois… Isto não está fácil… Sabe que está a caminho do terceiro mês de gestação?), E depois?, pensou, por fim, algo bom floresce dentro de si, de repente, a mulher, de bata branca, levanta-se, vira-se para a janela, e como se pensasse em voz alta Há muito que não tinha um caso assim… Em verdade, nunca tive nada igual… Por uns momentos, permanece a olhar aquele cinzento de mais um dia sem substância, como se daí adviesse alguma resposta às suas inquietações, ela permanece sentada, agarrada à doçura daquele pensamento, por fim, algo bom floresce dentro de si, era um pensamento apaziguante, como se constituísse, em si próprio, uma composição melódica de feixes de luz derramados em águas estivais, até que a voz de mulher, de bata branca, se sobrepôs a tudo Repare! Você tem vida e morte a crescer dentro de si! Algo terá de ser feito… E sentou-se, ela continuou agarrada àquela composição melódica de feixes de luz derramados em águas estivais, nem ouvia a caneta furiosa que, com toda a certeza, preenchia impressos para análises, exames, mais exames, outras análises, uns testes quaisquer, assim que a caneta se deteve, um suspiro preencheu aquele espaço rectangular, desta vez, percebeu emoção nas expressões e gestos da mulher, de bata branca, Eu percebo que, para si, a escolha esteja feita há muito… Mas, enquanto sua médica, e da vida que agora carrega, há muitas variáveis… Suspender o tratamento? Persistir e prejudicar o… Ela levanta-se, de mão no ventre, não sabe porquê, olha a mulher, de bata branca, agora sentada, Tantas perguntas… Sabe, a vida é uma subtracção constante. Neste momento, parece que se enganou. Finalmente, adicionou-me algo. E isto, para mim, é o tudo. A mulher, de bata branca, resolve também levantar-se, não se coíbe de um conselho Cuidado com a esperança. Aponta sempre para as alturas, com renovada calma, antes de sair, ela responde Não se preocupe. Se cair, pelo menos, conheço bem demais o chão do mundo, fechou a porta e saiu, desceu as escadas, à entrada sorriu à telefonista cega que se entretinha a saborear o cheiro de uma flor, não se recorda a cor, lá fora, no céu, a Oeste, uma fenda luminosa anunciava romper o hermetismo cinzento de mais um dia sem substância, olhou para trás e gravou na sua memória a cor que a telefonista cega segurava com afeição entre os dedos.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

domingo, 18 de fevereiro de 2024


 "... em verdade, o tempo nada cura, nós é que vamos ensurdecendo para os gritos que nos habitam..."

in Da Dor

Da dor…

 


Teria feito alguma coisa diferente? Ainda ouvia a pergunta, como se há pouco, admirou-se na altura, não sabe bem se pela pergunta, se pelo momento, se pela entoação, se por tudo, no fundo, era um convite a reiniciar-se, a princípio, ela pensou em dizer um rotundo Não, mas foram tantas as quedas, algumas tão dolorosas, e como é indelével a memória da dor, ela sorri no silêncio de si, apenas, quando lhe surge aquele popular adágio de que o tempo tudo cura, no seu caso, o tempo só acentua, em verdade, o tempo nada cura, nós é que vamos ensurdecendo para os gritos que nos habitam, por nos pertencerem, por uma capitulação consciente, por o amanhã ser um outro hoje, e chegada a noite, em cada canto de nós, uma dor no lugar de uma voz, de novo, Teria feito alguma coisa diferente? Agradou-lhe a questão, parecia-lhe, de repente, que a vida a convidara a sentar e a pensar-se, o rotundo Não, quase emitido, teria sido bastante idiota, neste momento, na suavidade da distância, compreende-o, porque viver é cair, só quem não percebe esta singeleza é que reafirma apenas a queda, e a consequente incompreensão da dor, como se ao negar silenciasse todos os gritos que ecoam em si, tolice, naqueles momentos que precedem o abandono diário, em que o mundo anoitecido amplia os passos do próprio pensar, quantos gritos em cada um de nós? Quanta dor sob o palco imemorial do sonho? Teria feito alguma coisa diferente? Um sonoro Sim não tardou muito, alguma coisa, não, mas sim tanta e tanta coisa, quantas vezes o Não cederia lugar ao Sim, e vice-versa, noutras ocasiões, um pouco mais de paciência para aquela voz que deixámos de ouvir, e pedia tão pouco, só que a escutássemos, hoje apenas uma ténue memória, um fiozito melancólico que insiste em nos apontar a direcção dos passos no amanhã, se lhe seguisse as indicações, meu Deus, tanta dor evitada, quantas manhãs não teria vivido se costas à preguiça, se um pouco de atenção àqueles sinais, e são tantos, que a vida sempre nos dá, mas a nossa flagrante desatenção, a estupidez de insistirmos no mesmo caminho, nas mesmas vozes, naquele aparente seguro recreio onde somente construímos ilusões, tantas vozes em nós adormecidas, se, um dia, num acaso do caminho, se cruzam connosco, o que por vezes sucede, primeiro, claro, a educação, depois, já pouco sobra, o embaraço pela escassez de verbo, ambos o compreendemos, recuamos, em preces, para que passe despercebido, o outro felizmente também o faz, é a única sintonia daquele instante, por fim, respiramo-nos, e percebemos que já não há nada, a voracidade alimentada do hoje logo nos faz regressar ao instante, nem paramos para questionar o porquê de recuos, em preces, diante daquele rosto que frequentava o mesmo aparente seguro recreio, onde, de facto, somente construíamos ilusões, se um pouco de atenção àqueles sinais, e são tantos, que a vida sempre nos dá, tudo isso ruiria, diante dos nossos olhos, bem mais cedo, esse é o nosso pecado, a desatenção, e ao não assumi-lo, persiste, em nós, uma sublimada procura por um aparente seguro recreio, em verdade, olhamos a voz de ontem como alguém que decidiu abandonar o nosso recreio, nada mais, arranjamos, claro, argumentos que oscilam entre o trivial e o intrincado para justificar aquela obscura atmosfera que por ali se instalou, ao ponto de não haver frases, nem sequer de algibeira, para a troca, quando, no ontem, se perdiam tardes ou noites a fio, a confidenciar sonhos e sentires, é sabido que se partilha sonhos com muito poucos, talvez por o sonho falar numa outra língua, e não são muitos que a percebem, contudo, a luz do hoje é tão estranha, visto daqui, há qualquer coisa de irreal naquele aparente seguro recreio, como em tudo que nos trouxe a este ponto do caminho, talvez por isso, de vez em quando, uma voz desperta em nós, para questionar se teria feito alguma coisa diferente? Por vezes, dou por mim a regressar a certos momentos, a ter a atitude que, vista daqui, parece mais certa, e a esperar o desenrolar da história… Acho que esta é a melhor resposta. Uma frase que se cala, um olhar desviado, um gesto por se cumprir, o todo, de facto, na aparente insignificância, e tudo seria uma outra coisa, se é tarde neste ponto do caminho? Se teria feito alguma coisa diferente? Como não? Esperem aqui um pouco, só vou ali atrás, ter a atitude correcta, e esperar pelo desenrolar de uma certa história…

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

A noite do pensar

 


Andava a adiar a coisa, eu bem sabia porquê, sempre detestei esperar, e ali não se fazia outra coisa, mas o que ela insistiu para que eu…, depois já não conseguia com os joelhos, como morávamos num 2º andar, o problema recorrente, nunca fui homem de estar muito tempo quieto, detestava televisão, ao contrário dela, que se perdia dias a fio com aquilo, não me importava nada com isso, enquanto via as novelas, ao menos, deixava-me em paz, coitada, nem me chateava muito, mas acontece que, às vezes, eu gosto de estar cá comigo, com as minhas coisas, a relembrar isto e aquilo, e, nesses momentos, não gosto que me arranquem de onde estava, é um pouco como quando estamos do lado de lá dos sonhos e algo nos faz relembrar o aqui, o despertador, uma buzina, a porta demasiada de um vizinho, um ladrar, sei lá, tanta coisa a empurrar-nos sempre para o lado de cá das coisas, de facto, ela, neste particular, era pródiga, podia estar noutra divisão da casa, no entanto, a sua voz omnipresente O que queres para o almoço? Já tomaste o comprimido do colesterol? E o da tensão? Já viste como está o colarinho desta camisa? Sabes o que aconteceu à vizinha do… Deixava de ouvir, a partir deste exacto ponto, um semi-sorriso no rosto e anuía compassadamente, como se acompanhasse aquele desvelo que, para mim, se podia desenrolar em Marte, é curioso, tantos anos sob um mesmo tecto, porém, nunca encontrei arrojo para lhe confessar que aqueles enredos não me interessavam minimamente, às vezes, talvez para colorir a coisa, deixava uma questão no ar, aí, fruto da experiência, apoiava o queixo na mão, ar de pensador tudo vence, e emitia um arrastado Realmente…, certificada de que a estava a acompanhar, ela, com renovadas forças, logo se atirava para uma nova trama, às vezes, na vida, termos um ouvinte é tudo, basta-nos tão pouco, mas esta mania do mais, amanhecia um Outono a cumprimentar Inverno, um desses dias tão cinzentos que parecemos flutuar sobre a existência, logo que assomamos à janela do mundo, percebemos que nada perdurará na memória, talvez por uma impressão desconfortável de um cinzento demasiado, assim que abri a porta da rua, compreendi uma latente ameaça de chuva, ela fez questão de me acompanhar, percorremos os trezentos metros até ao destino, de guarda-chuva na mão, embora fechado, e de olhares para os céus, àquela hora já uma bicha significativa, reparei, com curiosidade, na quantidade de olhares no passeio, às vezes questiono-me se perdemos a capacidade de nos olharmos, de nos reconhecermos enquanto seres da mesma espécie, jamais diria de nos compreendermos, para isso, não são precisos livros, basta olhar à volta por meio-minuto, chegámos à recepção após quase uma hora de espera, cartão de uma coisa, número de outra, consulta para a tarde, então porquê vir de manhã, e o médico que ainda não chegou, mas não convém ir embora, mas porquê, se a consulta só de tarde, a resposta que não uma resposta, por tão vaga, tão automática, procurei-lhe humanidade sabendo da dificuldade de tal empreitada, mesmo assim, persisti, o rosto sempre com o ecrã, acho que nunca nos olhou, por ali, também olhares de passeio, mas sem haver passeio, de novo, questiono-me se perdemos a capacidade de nos olharmos, ou talvez já não o faça, com a questão nasce sempre a resposta, nós é que sempre desatentos para estas singularidades da existência, insisti Então, porquê vir de manhã? Logo a educação em ruínas, certamente nunca por ali habitou, uma expiração que, de tão sonora, roçou a imbecilidade, Os senhores é que sabem da vossa vida. Se quiserem esperar, esperam, se não quiserem, podem ir-se embora. Agora, se perderem a vez, não se venham para aqui queixar… Estou a avisar: vagas para consultas, só daqui a seis meses! Ela, como sempre, a apertar-me, com gentileza, o braço, já sabia que queria dali sair, era quase um código nosso, apesar de nunca o estipularmos, quando se partilha os passos desta vida, há coisas e lugares onde as palavras não cabem, e isso é bom, ponto final. Fomo-nos sentar e viver a espera, quando já nada esperamos, continuam a obrigar-nos a esperar, chego à conclusão de que a vida se resume a uma enorme ironia, parece sentir gozo em se rir na nossa cara, como se no seu enleio nos conduzisse ao ponto de onde julgáramos ter partido há tanto, e, afinal, ainda ali estamos, com o seu risinho desdenhoso diante de nós, para ali ficámos, à nossa volta, mais olhares de passeio, uma questão em mim (Em que momento deixámos de nos olhar?), talvez por isso, eu saia cada vez menos, já aqui não pertenço, ainda bem que ela com uma revista, pelo menos, não se perde em questões, mas esta invernosa fonte nunca me secou, a certa altura, as costas manifestaram-se, ao meu redor, já uma outra luz, é sabido que tudo muda, ou talvez não, uma luz cansada, a revista já outra, por ali, o passeio menos olhado, nisto, o meu nome ecoa pelos corredores, pareceu-me que chamavam um outro, tal a distância na articulação das sílabas, uma vez mais, neste dia, procurava humanidade, agora era eu em olhares de passeio, em busca de algo, quiçá alguém tenha deixado cair qualquer coisa que nos ilumine o momento, pelo meu braço, gentileza, na forma de um código muito nosso, lá nos levantámos, meio trôpegos de tanta espera, ainda inebriados da surpresa do nome a ecoar pelos corredores, agora por uma segunda vez, recebeu-nos, também pela segunda vez nesse dia, um rosto debruçado para um ecrã, ainda não nos sentáramos e uma voz, como se de outra margem, Então, o que o traz por cá? De que se queixa? Tem alguma dor? Acabaram-se-lhe as receitas? Não me cheguei a sentar, desta vez, fui eu em gentileza para o braço dela, um código muito nosso, se há coisa que a idade ensina é a sair de cena sem se dar muito por isso…

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Por que é que dor lembra calor?



Não me lembro do nome dele, mas isso também é o menos importante, porque no fim o que fica é sempre o rosto, e foi por aí que facilmente o reconheci, hoje, na cada vez mais sofrível operação de abrir a carteira por umas gotas de combustível, a meio da tarde, ali estava ele, muito direito, na fila para pagar, o cabelo, ainda o mantém, menos mau, impecavelmente penteado, apesar da neve dos anos, percebi que pagou com uma nota e recebeu moedas, diligentemente arrumou-as, passou por mim, mas não me reconheceu, ser-lhe-ia impossível, eu ainda criança quando já ouvia falar dele, no entanto, algo retinha a minha atenção quando aquele nome ecoava lá por casa, não tanto o nome como os actos, como se uma certa tragicidade, claro que lhe acompanhei os passos, com a devida discrição, enquanto aguardava pela minha vez de pagar, dirigiu-se para um utilitário com aspecto de cinquentão, embora devidamente barbeado, lá dentro, uma companhia feminina, no entanto, o interior da viatura não lhe velava o carácter rotundo, mesmo o rosto não disfarçava traços de subúrbio em fins-de-semana cinzentos, o cabelo com um quê de arame farpado reluzente à força de muita tinta, ostentava um olhar inexpressivo que não se alterou com a chegada dele, que continuava muito direito, mesmo sentado, antes de arrancar, os óculos escuros, não sei porquê, mas enterneceu-me aqueles gestos cinematográficos em tão desolador cenário, e lá foi, aquela memória, assim que despertada, demorou a partir, ainda por aqui andou um par de dias, não são as coisas que nos interessam, mas quem nos éramos, e como, quando as vivemos, esse é um dos enigmas dessa coisa a que chamamos memória, no fundo, trata-se da muralha individual última face ao tempo, tinha eu terminado há umas semanas a escola primária, quando ouvi minha mãe Já viste! E tem a mania que é rico… E, na realidade, é um pobre coitado… Até desempregado está! Coitada daquela mãe… Meu pai limitava-se a anuir, via-o, sem o ver, entretido com algo, mas sem deixar de se expressar com um gesto, certa vez, até contou a história de alguém, lá da terra, que colocava, no bolso do casaco, as tampas das canetas (era só o que tinha), contudo, para os outros, além de letrado, passaria uma imagem de posses, fascinou-me aquela teatralidade, não sei porquê, parecia-me haver por ali uma dualidade que só encontrava nos super-heróis, como se uma identidade secreta e outra imagem pública, apesar de viver num humilde rés-do-chão, que partilhava com a mãe, com um só quarto, ele dormia na sala, falava, recorrentemente, de propriedades na província, algumas com vastos hectares, quem não o conhecia, emocionava-se de estar perante tão nobre linhagem, não nos podemos esquecer de que cada frase era emitida com aquela sua peculiar postura muito direita, as mãos nos bolsos e com um desassombro só possível a quem conhece a realidade dos factos, nunca percebi se ele acreditava nas suas palavras, também nunca o perguntei, certa vez, ainda pensei abordar minha mãe, porém, esse pensamento não caminhou muito, de certeza que acharia estranho o meu interesse por tal figura, ainda poderia argumentar, em meu favor, a analogia com os super-heróis, mas sei que a sua resposta fulminante não tardaria, como uma sentença sobre a minha cabeça (Estou cansada de te dizer que mentir é feio!), apesar disso, eu sabia há tanto que a mentira é necessária, se assim não fosse, Peter Parker, Clark Kent, Bruce Wayne, Matt Murdock, e tantos outros, não teriam um minuto de sossego nas suas vidas, é estranho, mas para o miúdo que eu fui, aquela vida dupla era a que mais se aproximava das páginas que eu incessantemente devorava, várias vezes, dei por mim, coisa rara, a ouvir atentamente os meus pais, para saber dele, se alguém o desmascarou, se caiu nalguma cilada, se a sua identidade se mantinha secreta, que fascinante seria aquela vida, saía todas os dias daquele obscuro rés-do-chão, enfrentava ameaças oriundas dos mais recônditos pontos do universo como um super-proprietário, atenção que tinha hectares e hectares na província, por fim, à noite, regressava ao seu sofá cama para recuperar os poderes desgastados… Quantos se podem gabar de uma vida assim? Adrenalina a cada canto? Se um dia se lembrasse, antes de sair de casa, ainda podia colocar umas tampas, de caneta, no bolso do casaco, creio que, aí, o sistema solar seria pequeno para ele.