Livros

Livros

domingo, 27 de outubro de 2019


(…) volta e meia detenho-me a olhar pela janela, o silêncio da hora, a estrada vazia num apelo velado à viagem, o mundo dorme, mas eu em tumulto, mais pelo que deixei de viver, alguém lá atrás espera-me, numa madrugada, para reiniciar uma sempre adiada viagem.

in Deslumbramento

segunda-feira, 21 de outubro de 2019


Se continuássemos, hoje seríamos um desses casais que se suporta, onde as temáticas de conversa pouco além vão do circunstancial, nem se recordam da última vez que se tocaram, e, o pior de tudo, compreendem-se estranhos presos a um equívoco – náufragos a partilhar o mesmo destroço… Há coisa pior? 

in Deslumbramento

A biografia do objecto


Volta e meia isto acontece, ultimamente com mais frequência, quando saio de uma divisão da casa e apago a luz, fico, da ombreira da porta, a olhar o horizonte escurecido, sobretudo o chão, porque ali persiste uma luz num incessante movimento (afinal, a memória é um eterno presente), a percorrer aquele trajecto octal...

sábado, 19 de outubro de 2019


O adormecer da razão também nos traz a doçura, e podemos despertar num sonho por sonhar, em verdade, o melhor que o mundo tem para nos oferecer…

in Eu à procura de mim


terça-feira, 15 de outubro de 2019



(…) duvido que esta pergunta atormente, no hoje, algum daqueles que foram para a rua, naquele dia, jogar à bola pela última vez com os amigos de infância, acho que pensamentos assim  só no meu espírito encontram espaço, talvez por não perder demasiado em ânsias de me juntar ao “Coro dos Tempos”,  sempre me senti anacrónico face ao correr das coisas, como se habitasse em todos os tempos e simultaneamente em nenhum (…)
in A noite do mundo

sábado, 12 de outubro de 2019


A sabedoria, no fundo, talvez seja a aceitação de que há coisas que trazemos para o mundo e connosco partem.
in Ao sabor de um eléctrico pelas ruas da cidade

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

A biografia do objecto



Assim que sinto o ar da tarde quase finda pelo rosto, uma sensação de paz e simultaneamente de derrota, pelos candeeiros acesos em volta, num prenúncio de sombras pelos passeios, estamos naquela altura do ano em que caminhamos pelo mundo apenas sob a noite, saímos alumiados pelas longínquas centelhas nocturnas, regressamos com o seu despertar num céu que se vai anoitecendo, daí esta ambivalência no meu sentir, se no Verão a luz cega-me e o calor guia-me os passos para cenários marítimos, agora esta luz enfraquecida ilumina o pormenor das coisas, embora pese no pensar, talvez por se fazer acompanhar do passado de cada um de nós, daí o meu desconforto, creio que a minha alma é um lugar lá atrás (…)


terça-feira, 8 de outubro de 2019


O tempo: talvez seja a maior das ilusões. Só percebemos a sua passagem pela ruína que nos tornamos. E o incessante somar de ausências à nossa volta. De resto, fecha-se os olhos, e o ontem está no hoje: num rosto, uma melodia, um lugar… E no rarear do sonho… Quando deixei de sonhar? Sei lá! Foi há muito, isso sem dúvida. E a esta realidade ninguém foge. 
in Deslumbramento


domingo, 6 de outubro de 2019



No fundo, o mundo é o vazio derramado por um solitário candeeiro, a realidade desperta, adormece e sonha em nós.
in Deslumbramento


quinta-feira, 3 de outubro de 2019

A noite do mundo



Há uns dias, ouvi de alguém a seguinte frase: “Receio por si após terminar o livro”, pois, e eu terminei o livro, compreendi a frase, inteligente, sopesada, a sua amplitude pelo contexto, mas, repito, terminei o livro, e a questão maior levanta-se-me: E agora? E agora? Mais de seis meses nisto, escrever, corrigir, reler, reescrever, apontamentos, notas, reflexões, de novo, escrever, corrigir, reler, reescrever, por fim, o mais desejado e simultaneamente o mais doloroso, despedir-me, como se dissesse adeus a um familiar próximo, lá vai seguir o seu caminho, ser alvo de múltiplas interpretações, algumas tacteiam o que ali verti de mim, outras distantes, nem pelo horizonte do que por ali testemunhei, contudo, nem ouso uma correcção, não tenho esse direito, de facto, ninguém o tem, direccionar uma interpretação, espartilhá-la, velho e sabido, cada um acede à obra com a sua ”chave”, daí haver tantos livros quantos os seus leitores, filmes quantos os seus espectadores, neste momento, acredito que o meu caminho se fez do mundo para mim, como se fosse recolhendo tudo o que estivesse largado por aí, para, finalmente, regressar-me, de livros já não falo, quem me ensinou a folheá-los, caminha há muito por outras paragens, de filmes também não, percebi que os meus horizontes têm outras colorações, houve uma altura onde ainda um esforço para o diálogo (“Já viste o último filme do… No último Sábado, vi um filmão… Nem imaginas… Devias ver o…”, hoje, nada disto, vejo, analiso e calo-me, é o melhor, o restante não vale a pena, sinto, de dia para dia, um decréscimo de essências, enquanto vazios se multiplicam numa ferocidade vertiginosa, numa ameaça patente de tudo tomar, chamo-lhe o “Coro dos Tempos”, cada época tem o seu, por norma, quase todos procuram juntar-se-lhe, num receio claro de que a sua voz não ecoe, não seja aceite e reconhecida, como sempre me dei bem com a minha voz, não me interessa vê-la associada a outros timbres, daí esta coisa que me acompanha os passos de ser avesso a aglomerados, há uma questão essencial a que nenhum homem devia fugir, eu, há uns dias, resolvi olhá-la, sentar-me diante dela, compreendi-a na sua essência, daí saber que jamais lhe poderia responder: “Qual foi a última vez que foi para a rua jogar à bola com os amigos?” A questão encerra, em si mesma, a tristeza (ou felicidade?) da ignorância: o desconhecimento de ser a última vez! Não me lembro, duvido que alguém se recorde, da última vez que procurou pedras para demarcar as balizas (…)