Livros

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quinta-feira, 3 de outubro de 2019

A noite do mundo



Há uns dias, ouvi de alguém a seguinte frase: “Receio por si após terminar o livro”, pois, e eu terminei o livro, compreendi a frase, inteligente, sopesada, a sua amplitude pelo contexto, mas, repito, terminei o livro, e a questão maior levanta-se-me: E agora? E agora? Mais de seis meses nisto, escrever, corrigir, reler, reescrever, apontamentos, notas, reflexões, de novo, escrever, corrigir, reler, reescrever, por fim, o mais desejado e simultaneamente o mais doloroso, despedir-me, como se dissesse adeus a um familiar próximo, lá vai seguir o seu caminho, ser alvo de múltiplas interpretações, algumas tacteiam o que ali verti de mim, outras distantes, nem pelo horizonte do que por ali testemunhei, contudo, nem ouso uma correcção, não tenho esse direito, de facto, ninguém o tem, direccionar uma interpretação, espartilhá-la, velho e sabido, cada um acede à obra com a sua ”chave”, daí haver tantos livros quantos os seus leitores, filmes quantos os seus espectadores, neste momento, acredito que o meu caminho se fez do mundo para mim, como se fosse recolhendo tudo o que estivesse largado por aí, para, finalmente, regressar-me, de livros já não falo, quem me ensinou a folheá-los, caminha há muito por outras paragens, de filmes também não, percebi que os meus horizontes têm outras colorações, houve uma altura onde ainda um esforço para o diálogo (“Já viste o último filme do… No último Sábado, vi um filmão… Nem imaginas… Devias ver o…”, hoje, nada disto, vejo, analiso e calo-me, é o melhor, o restante não vale a pena, sinto, de dia para dia, um decréscimo de essências, enquanto vazios se multiplicam numa ferocidade vertiginosa, numa ameaça patente de tudo tomar, chamo-lhe o “Coro dos Tempos”, cada época tem o seu, por norma, quase todos procuram juntar-se-lhe, num receio claro de que a sua voz não ecoe, não seja aceite e reconhecida, como sempre me dei bem com a minha voz, não me interessa vê-la associada a outros timbres, daí esta coisa que me acompanha os passos de ser avesso a aglomerados, há uma questão essencial a que nenhum homem devia fugir, eu, há uns dias, resolvi olhá-la, sentar-me diante dela, compreendi-a na sua essência, daí saber que jamais lhe poderia responder: “Qual foi a última vez que foi para a rua jogar à bola com os amigos?” A questão encerra, em si mesma, a tristeza (ou felicidade?) da ignorância: o desconhecimento de ser a última vez! Não me lembro, duvido que alguém se recorde, da última vez que procurou pedras para demarcar as balizas (…)

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