Livros

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domingo, 27 de setembro de 2020


 
“Eu devia ter ali ficado, naquela estrada, onde tanto do meu sangue se derramou. Ninguém me consegue destruir esta ideia!”

in Harmonia 

sábado, 26 de setembro de 2020


 ,,, mas havia nele um aspecto distinto, assim que obtinha o que procurava, fechava-se em si mesmo, num pudor de gestos e sentires, quase numa confissão sem verbo de que este não era o seu lugar… Somos tão estranhos, não é verdade?

in Harmonia

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Almoinhas Velhas



Lá muito ao longe, entre os montes, o azul ondulante, eu aqui, na varanda, a sentir o desamparo do momento, frases de há muito revisitam-me, hoje num sem-sentido, promessas, apenas isso, um vento entardecido murmura-me despedidas, o mundo num imenso adeus, eu a reflectir onde me perdi de mim, as certezas, pois, as certezas, edifiquei-as em meu redor como se muralhas para a vida, nem ruínas restam, tudo se desmoronou, num certo momento quis trazer passado ao presente, de outra forma, a infância ao hoje, as mais solares memórias de infância foram com os meus avós, lá longe, na aldeia, onde aprendi a olhar horizontes, com o tempo, intensificaram-se, os horizontes, para mim, habitante da cidade, num lugar lá atrás, os avós partiram, a porta da sua casa fechou-se irreversivelmente, depois foi a porta da casa dos pais a fechar-se, qualquer dia será a minha, porém, num certo momento, cresceu-me a urgência de trazer passado ao presente, de outra forma, a infância ao hoje, foi num desses enfadonhos fins-de-semana, saímos da inclemente rotina laboriosa para nos confrontarmos com o vazio de sermos, escondia-me atrás do jornal, ela com a roupa, e mais roupa, um casaco ainda, de repente, um anúncio prende-me a atenção, publicitava a venda de uma casa de campo, rodeada por um quintal, duas ou três árvores de fruto, perto de Lisboa, mas o que me fascinou foi o nome do lugar (“Almoinhas Velhas”), encantatório, Almoinhas Velhas, o tédio domingueiro estava vencido, fomos vê-la, era uma casa só com piso térreo, rústica, como convém num meio rural, à nossa espera o inevitável sujeito da imobiliária, há profissões de onde parecem saídos de uma linha de montagem, esta indubitavelmente é uma delas, o perfeito exemplo de um “manguinhas-de-alpacas”, gestos largos, voz sonora, sorriso ostensivo, em contraponto, pensamento estreito, gramática sofrível, horizontes de betão, “Ora muito bom-dia! Ora muito bom-dia! Vamos entrando, vamos entrando… Isto é um pedaço de céu aqui na terra…”, as frases de pacotilha pronunciadas com ênfase, preferi ignorá-las, era a única forma de lhe suportar a presença, escolhi perder-me com o azul ondulante, entre os montes, no regresso, ela com a habitual frase, para mim tão cansada (“Tu é que sabes… Tu é que sabes…”), argumentei quão bom seria, para mudarmos radicalmente de ares, adquirir a casa, até para os miúdos, e é um pulinho para ali chegarmos, simultaneamente viramos costas a todo o stresse do dia-a-dia, muito subterraneamente via-me a uma considerável distância a argumentar, de facto, tudo uma ilusão, em verdade eu não suportava mais o fastio dos fins-de-semana, o confronto com o vazio de sermos, como eu estava a perder essa guerra, via a finitude como a única saída sensata, há muito essa ideia se alojara em mim, precisava de uma distracção, como a criança de outro brinquedo, estamos tão perto do que fomos, embora tanto teimemos em maquilhar, como se a infância constituísse uma obscenidade, parvoíce, apenas e só, a haver um paraíso será sempre num lugar lá atrás, comprámos a casa com a necessária disciplina das nossas economias, os fins-de-semana, maioritariamente, passaram a ser em Almoinhas Velhas, contudo, foi no terceiro ou talvez no quarto que algo se partiu em mim, demorei o necessário a compreender, porém, a certeza de que algo se partira, por fim, o tempo desvelou a resposta, “A magia foi-se, pois, a magia…”, eu não fui para Almoinhas Velhas por causa dos entediantes fins-de-semana, mas sim para fugir ao confronto de ser...

sábado, 19 de setembro de 2020


 

Talvez por aqui o meu pensar encontre a serenidade…

in Epitáfio



 ... desde muito cedo, apercebi-me da minha diferença em relação aos demais, como se o meu pensar obedecesse a uma outra respiração, possivelmente aquando da circunstância o meu olhar numa outra coisa que não ali...

in Deslumbramento

domingo, 13 de setembro de 2020

Quando o Sentir não se traduz em Verbo



Hoje vi-o a descer a rua. Há muito que o não via. Está mais magro. Mantém aquele recente ar absorto, próprio de quem se sabe em palco. Sim, cada saída é sempre um levantar de cortina. E ele sabe-o. A vida, por vezes, impõe-nos isso. Não há como lhe fugir: um palco! Há quem defenda que a vida é, em si mesma, uma representação. Discordo. A vida é uma totalidade, por conseguinte requer palcos e camarins. Observei-o, no longe da discrição. Estava arranjado, claro, a cortina subira, devia ir às compras, mas o passo, sim, o passo, denotava uma qualquer hesitação, que talvez estivesse com o meu olhar, ou, de facto, naquela recente magreza. Lá ia, rua abaixo. Nada via, apenas interior de si. O que significa absorto? Apenas olhar-se… Quando me apercebi, a cortina descera. Não fui a tempo dos aplausos. Já tinha passado. E eu, preguiçoso, ainda sentado na plateia. Levanto-me. Resolvo descer aos camarins. Talvez ele esteja por lá. Procuro-o. Não o encontro, apenas rostos desconhecidos. Um constante acotovelar, talvez da exiguidade do espaço, talvez da pressa de uma aparência… Para quê? Neste teatro, nunca se ouviu falar em regressos. Sim, só há uma porta, em todo o edifício. Só se entra uma vez… E quem sai, deixa um inominável atrás de si. Um rosto, uma voz, um gesto, um sorriso, que habitam o espaço de uma memória, e entre o subir e o descer do pano, tudo se turva, e a memória cede lugar à dúvida, e a questão brota num lugar de nome: demografia das ausências. Era neste espaço que ele se movia. O lugar dos absortos, dos que receiam a dúvida.

Neste caso, não havia espaço para o duvidar. Eu também a conhecera. Era uma actriz de fortes convicções. Sempre que estivéramos em palco, trazia uma questão à mesa. Sempre actual e polémica. Assim, assegurava a atenção da extasiada plateia. E longos e obstinados debates se desenrolavam sob luzes e olhares. Mas, logo que a cortina descia, e recolhíamos aos camarins, a obstinada actriz cedia lugar a uma mulher de espontâneas generosidades. O equívoco de muita gente, nos seus julgamentos liminares, deve-se à luz do palco. A luz cega. Não só o artista, mas sobretudo o espectador. É preciso, muitas vezes, a luz mortiça dos bastidores para compreender egos idos e humildades chegadas. E, nesta incessante caminhada, no interior deste velho teatro, balizada entre palco e camarins, raras vezes na plateia, perdemos rostos. Saem, quase sempre, na discrição de um ocaso estival...

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Os Invisíveis


 

Ouviram um barulho pela casa, passos e simultaneamente algo a ser arrastado, entreolharam-se, mas podia ser numa casa vizinha, gradualmente os passos a aumentar, a aumentar, os arrastares também, agora vozes, eles (em que parte da casa estariam?) já em espanto, a sair do quarto, do cimo das escadas viam um entra e sai constante, sujeitos a levar móveis, sofás, quadros, objectos, tudo a ser-lhes retirado sem um aviso, uma palavra, nada, a incredulidade inicial deu lugar à indignação, desceram as escadas, entretanto, para aí a meio, um sujeito cruza-se com eles, subia em direcção ao quarto, parecia nem vê-los, como se não existissem, tal o foco do seu olhar no cimo das escadas, estranharam a ausência, pelo menos, de um cumprimento, a mais elementar prova de educação, foram perpassados por um frio profundo quando se cruzaram com o sujeito na escada, no piso térreo havia perto de uma dezena de desconhecidos a retirar tudo o que vissem da casa, estavam incrédulos (Mas o que é isto? O que se passa? Estamos a ser alvos de um assalto?) com os acontecimentos, tentaram articular frases, porém, a voz sumira-se, de novo, entreolharam-se, apenas gestos a exprimir a impossibilidade do verbo, ele sossegou-a e indicou-lhe para não sair de onde estava, avançou ao encontro daquele ininterrupto entra e sai da sua casa, todavia, ou ignoravam-no ou não o viam, ninguém parecia dar pela sua presença como há pouco sucedera na escada...

terça-feira, 8 de setembro de 2020


 


 ...com o que hoje sei, nessa noite seria eu que estaria, em cima da moto, à porta do prédio dela, mochila às costas, pelo menos com vinte minutos de antecedência, à espera que descesse, assim que os nossos olhares se encontrassem, haveria um espelho de janelas iluminadas, uma frase espontânea “Estás preparada?”, sei a sua resposta, ela devolver-me-ia a questão,  sei de cor  a minha (“Esperei uma vida por este momento!”)

in Janela para a noite

domingo, 6 de setembro de 2020


 ...em tempos, ansiei pelo amanhã, há tanto que desconheço esse sentir, pois, de tanto falar e procurar o Sentido, virei-lhe costas, já não me interessa, pelos vistos, também não se interessou por mim, Pedro amou Inês...

in A arquitectura do Mundo

sábado, 5 de setembro de 2020

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Janela para a noite


 

As viagens que mais perduram em nós são as que não realizámos, há uma que não pára de ganhar espaço em mim, como se uma condenação, uma viagem rumo a Norte, creio que nenhuma outra terá a mesma relevância na minha biografia, até pelas linhas que já lhe dediquei, uma viagem por realizar, de facto, a mais duradoura, talvez o título mais apropriado para esta crónica fosse “Uma viagem por realizar”, sem dúvida, porém, optei por outro, e não por acaso, a melhor fase da minha vida foi quando senti o sabor da noite, há algo de transcendente nas coisas sob o manto nocturno, tudo surge sob uma outra claridade, que o dia ofusca pela inclemência da luz, basta reflectir que impossível é um dos vocábulos mais inusuais ao luar, afinal é quando se levantam os sonhos...