Nunca, como no hoje, o Sinédrio esteve tão
presente, apenas as vestes divergem em formas e colorações, as personagens
tétricas subsistem, a essência prevalece: aterrorizar quem ouse a diferença;
tal como há dois mil anos, as sombras edificadoras do Sinédrio são as mesmas:
não fosse este o seu reino, afinal, o Inferno não é um lugar assim tão longe do
aqui; há uns dias, um conhecido viu-se perante esta realidade, presidia ao
Sinédrio, no lugar de Caifás, algumas coisas lá se alteraram, embora as
personagens tétricas subsistam, uma cinquentona, sem qualquer dívida com a
beleza, a indumentária, nem as carnes flácidas e descaídas conseguia maquilhar,
algures entre um catálogo do Lidl e os saldos do Continente, a cabeleira
grisalha mal disfarçada pela pasta alcatroada que amiúde jorrava cabeça abaixo,
o efeito final simplesmente anedótico, parecia uma palmeira andante, o olhar
servil tão aquém de um vislumbre de inteligência, daquelas sujeitas a quem um
cumprimento já se afigura um esforço demasiado, pela ansiosa procura por adequadas
palavras, mediante o interlocutor, para a escassa massa cinzenta, se estava
empossada de Caifás era porque interessava às sombras do hoje, a seu lado uma
sujeita aquém de pastas alcatroadas para ocultar a grisalha cabeleira, uma
omnipresente expressão de enjoo, indício da latente falta de diversão num
determinado contexto, o avolumar dos anos só lhe adensa a enjoada face (Quando
terá tacteado o céu pela última vez? Se é que alguma vez o vislumbrou…),
perante aquele enjoado focinho, estas questões emergem com naturalidade, havia
um sujeito, de sotaque hispânico, que nitidamente se gostava de ouvir, por
norma, dali só saem esterilidades, no entanto, pouco se pode fazer, assim que
lhe é dada a palavra, frases ocas, redondas e inférteis, embora o seu olhar
cintile ao ouvir-se, acaba por enternecer, sobretudo pelo sotaque hispânico, de
que nitidamente se orgulha, não obstante as décadas longe de tal berço (Como
ainda o mantém? Talvez fosse uma marca autoral… A inquestionável demanda por um
original carácter…), frases balizadas entre o seu escasso conhecimento das
coisas, mas quem o ouvisse, sempre em espanto, o sotaque hispânico somado ao
regozijo de se ouvir era demasiado para o comum dos mortais, por estes dias, o
Sinédrio convoca dois elementos exteriores prontinhos a apontar o dedo aos que
devem ser decretados réus, assim foi com o meu conhecido, um dedo em riste por…
Pois, por…? Não conseguiu especificar, todavia o olhar do Sinédrio sobre si,
era onde incidia o acusatório dedo, todavia, ele sem a menor vocação para Jesus
Cristo, prontamente virou a mesa, percepcionou, de imediato, a génese do
acusatório dedo, das aberrações do hoje, cabelos-pintados, desvios
comportamentais, inversão de valores, não querem fazer parte do mundo, pelo
contrário, pretendem que o mundo se curve às suas nebulosas perturbações, quem
nasce com coluna-vertebral dificilmente vacila perante qualquer aberração, o
dedo viu-se confrontado, começou a ficar titubeante, desculpas por não
encontrar sílabas para sustentar a mínima acusação, os restantes membros do
Sinédrio em silêncio, nem vestígios do sotaque hispânico, a omnipresente
expressão de enjoo curvada para o tampo da mesa, ao menos, por uns segundos, a
realidade mais luminosa, somente a cinquentona, sem qualquer dívida com a
beleza, a indumentária, nem as carnes flácidas e descaídas conseguia maquilhar,
algures entre um catálogo do Lidl e os saldos do Continente, em esforços para
reverter a capitulação do acusatório dedo que, no fim, lá acabou por correr
atrás do meu conhecido em esforços para se desculpar, ao saber deste episódio,
questionei-me quantos soçobram face ao Sinédrio do hoje, demasiados, sem
dúvida, demasiados, tal como há dois mil anos, as sombras edificadoras do
Sinédrio são as mesmas, tudo estruturado para triturar quem ouse a diferença,
felizmente ainda os há, com a dignidade e o peito de se levantarem, relembrar
ao acusatório dedo a sua insignificância e que jamais o mundo se deve curvar a
nebulosas perturbações.
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