Estacionei o carro e saímos. Caminhámos, em nós,
passos do entardecer, em direcção ao restaurante. Ela um pouco mais à frente,
ou mais atrás, já não me lembro, mas nunca a meu lado. Sim, disso tenho
memória. Quantas vezes, na vida, não olhamos para o lado? Pois é, as grandes
viagens não se fazem com a solidão. Trocámos três ou quatro frases, antes do
restaurante. Ela longe, eu a olhar em volta, mas nada me acudia. Pelo
contrário, tudo me virava o rosto. Num ignorar obstinado. Em que estação
estávamos? Pelo vestuário, e entardecer precoce, estávamos na estação sem
sombras. A noite empurra o dia, sem nos permitir um adeus. Ela continua no seu caminhar de interiores, ora mais à
frente, ora mais atrás, e eu a olhar o futuro num desamparo crescente. De
súbito, uma luz, que julguei fundida, acende-se no meu sótão. Desconhecia este
recanto. Olho-o no espanto de primeira vez. Agora tenho de sair e descer a
escada a correr, estamos à porta do restaurante. Ela entra primeiro, claro.
Numa altivez que começava a desencantar, um pouco como aquelas piadas que à
segunda ou terceira vez apenas merecem o pudor sob a forma de um sorriso
amarelado. Escolhi uma mesa propícia a sussurros e a gestos sonhados. Ela, primeiro,
tirou o casaco e depois sentou-se. Sentei-me, de seguida. Nisto, antes de
qualquer frase trocada, ela levanta-se e retira o cachecol do pescoço, num
movimento indefinível, numa harmonia entre mão e cabelos, como se de fotogramas
se tratasse, de repente, os cabelos estáticos no ar, algo do cachecol ainda no
pescoço, e eu bebia cada frémito na avidez do viajante… Por fim, ela diante de
mim. Eu a perder-me naquele rosto… Quantas vezes perdemos a bússola de nós ao
viajar pelos caminhos de um rosto? Mas, cada passo tinha um sabor aporético. E
eu a regressar a mim, sim, a bússola reencontrada naquele silêncio. Ela de
acordo com a estação. Num hermetismo férreo. O cansaço a dominar o leme da
minha vontade. Subitamente, o meu olhar no cachecol pendurado nas costas da sua
cadeira. Pareceu-me uma lágrima num rosto. Quase tocava o chão. Pareceu-me
vê-lo numa oscilação leve. O meu ver por ali ficou. Desde o espaldar até àquele
quase mover sem tocar. Tinha uma cor triste, condizente com a estação. E, de
uma forma muito própria, ilustrava-nos. Uma lágrima por cumprir. Um adeus por
dizer. É isso. Compreendi o malogro. Quantos paludes não erigimos com as
próprias mãos? E eu já não nela, mas no meu sótão, preocupado em descobrir as
velharias que esta nova luz me apresentou. Ela, lá muito longe, disse qualquer
coisa acerca do repasto. Corro para uma janela e respondo: Sim, pode ser isso…
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