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quinta-feira, 7 de maio de 2020

A doce lonjura de uma manhã de férias



Cedo percebi que, nos adultos, havia aqueles que se contentavam com a sua circunstância e os outros, os permanentemente insatisfeitos, apesar de, nessa altura, a minha idade ainda não precisar de dois algarismos para se ilustrar, estaria no quase, compreendi a fatalidade de nitidamente pertencer ao segundo grupo, nem vislumbres de hesitações, estava fadado a caminhar pelo trilho da inquietude, compreendi quão íngreme seria o meu caminho, em casa tinha os dois exemplos: meu pai, um resignado caminhante pelo contexto de cada momento, e, diametralmente oposta, minha mãe, as suas infindáveis querelas interiores transpareciam até ao matinal olhar da criança que ontem fui, embora ainda por aqui esteja, um estado de insatisfação constante, nada lhe retirava, do rosto, um vincado traço de azedume, como se o mundo tivesse para com ela uma impagável dívida, só a presença de alguns familiares ou até estranhos esbatiam, por escassos segundos, esse negrume da sua face, lembro-me tão bem, apesar de parecer ter sido noutra existência, de facto, já fui tantos, embora neste particular de existências, não me considere o resultado de quaisquer somas anteriores, hoje, felizmente, sou o que decidi ser, não sei se muitos se podem orgulhar de tal, não quero com isto dizer que tenha a vida que desejava, longe disso, mas esta distância advém de fatalmente pertencer aos que caminham pelo trilho da inquietude (…)

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