Cedo percebi que, nos adultos, havia aqueles que se contentavam com a sua
circunstância e os outros, os permanentemente insatisfeitos, apesar de, nessa
altura, a minha idade ainda não precisar de dois algarismos para se ilustrar,
estaria no quase, compreendi a fatalidade de nitidamente pertencer ao segundo
grupo, nem vislumbres de hesitações, estava fadado a caminhar pelo trilho da
inquietude, compreendi quão íngreme seria o meu caminho, em casa tinha os dois exemplos:
meu pai, um resignado caminhante pelo contexto de cada momento, e,
diametralmente oposta, minha mãe, as suas infindáveis querelas interiores
transpareciam até ao matinal olhar da criança que ontem fui, embora ainda por
aqui esteja, um estado de insatisfação constante, nada lhe retirava, do rosto,
um vincado traço de azedume, como se o mundo tivesse para com ela uma impagável
dívida, só a presença de alguns familiares ou até estranhos esbatiam, por
escassos segundos, esse negrume da sua face, lembro-me tão bem, apesar de
parecer ter sido noutra existência, de facto, já fui tantos, embora neste
particular de existências, não me considere o resultado de quaisquer somas
anteriores, hoje, felizmente, sou o que decidi ser, não sei se muitos se podem
orgulhar de tal, não quero com isto dizer que tenha a vida que desejava, longe
disso, mas esta distância advém de fatalmente pertencer aos que caminham pelo
trilho da inquietude (…)
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