Livros do Escritor

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sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Quando partir, gostava de ali ficar


 

Em Agosto rumamos a Sul, desde que me lembro, como se tratasse de uma passagem de testemunho, primeiro como filhos, depois como pais, onze meses a correr de casa para o trabalho e a arrastarmo-nos do trabalho para casa, um rito diário que nos faz desaprender o tempo, cinco dias cumpridos numa ânsia crescente que desagua em dois, tão efémeros que nem a mala se consegue pousar, pomposamente apelidados de fim-de-semana, para logo tudo se reiniciar sem jamais despir a sua aura absurda, que surge apenas aos olhares mais atentos, quando férias, aí vamos em excursão para Sul, de certa forma, sempre achei que quem não fizesse parte daquela rumaria se auto-excluía de algo insigne, não sei porquê, há coisas que nos passam pelo pensar, no entanto, desconhecemos o emissário, no meu caso, o Sul sempre foi o mesmo, é curioso, assim que ouço a palavra férias, a imagem daquela povoação de casas brancas, o rio a encontrar a verdade salgada do mar, e um silêncio sobre as coisas que nos relembra a olhar horizontes, diante de mim, há coisas que nos passam pelo pensar, no entanto, desconhecemos o emissário, foi há algum tempo, num Agosto de Sul, que me surgiu esta ideia, pois, o emissário sempre desconhecido, olhei para aquele planalto, sobre o rio que encontra a verdade salgada do mar, onde repousam sonhos de outrora, e pensei que ali também queria repousar os meus, não há melhor lugar quando chegar o momento de compreender a minha verdade salgada, ainda demorei uns dias a confidenciar-lhe este singular desejo, sabia de antemão as respostas (Que disparate! Lá estás tu com essas coisas! Nem de férias sossegas, homem! Mas que coisa tão mórbida… Se vens outra vez com essas coisas, garanto-te que é o último ano que aqui passo férias! Onde já se viu? Em vez de descansar e brincar com os filhos, põe-se com esses disparates… Sinceramente! Só eu para te aturar essas maluqueiras… Olha, só peço que Deus te perdoe…), creio, sinceramente, que se Deus me ouvisse, iria aprovar o meu desejo, ao menos regressaria ao compasso de uma corrente doce que tacteia um infinito de sal, foi mais ou menos aquando do segundo filho, há uns cinco ou seis anos, numa madrugada, do primeiro daqueles dois dias tão efémeros que nem a mala se consegue pousar, ela dormia, reparei, pelos indícios possíveis, que o dia estava ainda longe, levantei-me, caminhei pelas sombras da casa, percebi, num instante, que o sono partira sem aviso de regresso, a respiração ansiosa dos miúdos, no quarto ao lado, chegava ao corredor, com o tempo, o respirar acaba por conhecer a lentidão, fui até à janela da sala, olhei a noite, o silêncio, aquele inquietante momento em que ouvimos sonhos e temores, um carro na distância, sempre um carro na distância, a relembrar-nos a impossibilidade de uma ilusão, no prédio em frente, uma luz que se acende, pois, a impossibilidade de uma ilusão, bebi o que não recordo, apenas para conferir um sentido ao ali estar, como se tudo nos remetesse para a obrigatoriedade de um sentido, encostei a testa ao vidro, soube-me bem aquele frio entorpecer um pensar desabrido, naquele instante, percebi que regressava, lá fora, na noite, no silêncio, a imagem de um planalto, sobre o rio que encontra a verdade salgada do mar, tudo sob a luz estival de Agosto, emoldurado pela noite, por um silêncio sobre as coisas que nos relembra a olhar horizontes, de facto, não há melhor lugar quando o momento de compreender a minha verdade salgada chegar, continuei a caminhar pelas sombras da casa durante mais algum tempo, regressei, uma última vez, nessa noite, à frieza pacificadora do vidro da janela, percebi que o dia já estava na soleira da porta, a noite começava a arrumar a sua mala, decidi deitar-me, ela continuava a dormir, olhei-a, que pena não ter uma janela onde apoiar a testa, talvez assim o frio entorpecesse um pensar desabrido, o meu olhar continuou em lentos passos pelo seu rosto, nem vislumbres daquele sentir que me ensinara o respeito da loucura, nada, apenas uma sã amizade, já não é mau, muitos nem aos arredores disso chegam, mas há muito, um silêncio sobre as coisas ensinou-me a olhar horizontes, ela continuava a dormir, longe dos meus passos sobre as sombras da casa, foi há algum tempo, num Agosto de Sul, que me surgiu esta ideia, pois, o emissário sempre desconhecido, olhei para aquele planalto, sobre o rio que encontra a verdade salgada do mar, onde repousam sonhos de outrora, e pensei que ali também queria repousar os meus, não há melhor lugar quando o momento de compreender a minha verdade salgada chegar, talvez ela também por ali queira repousar os seus, é uma questão de encostar a testa à frieza pacificadora do vidro de uma janela, e esperar pelo vislumbre daquele sentir que nos ensina o respeito da loucura.

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