Em Agosto rumamos a Sul,
desde que me lembro, como se tratasse de uma passagem de testemunho, primeiro
como filhos, depois como pais, onze meses a correr de casa para o trabalho e a
arrastarmo-nos do trabalho para casa, um rito diário que nos faz desaprender o
tempo, cinco dias cumpridos numa ânsia crescente que desagua em dois, tão
efémeros que nem a mala se consegue pousar, pomposamente apelidados de
fim-de-semana, para logo tudo se reiniciar sem jamais despir a sua aura
absurda, que surge apenas aos olhares mais atentos, quando férias, aí vamos em
excursão para Sul, de certa forma, sempre achei que quem não fizesse parte
daquela rumaria se auto-excluía de algo insigne, não sei porquê, há coisas que
nos passam pelo pensar, no entanto, desconhecemos o emissário, no meu caso, o
Sul sempre foi o mesmo, é curioso, assim que ouço a palavra férias, a imagem
daquela povoação de casas brancas, o rio a encontrar a verdade salgada do mar,
e um silêncio sobre as coisas que nos relembra a olhar horizontes, diante de mim,
há coisas que nos passam pelo pensar, no entanto, desconhecemos o emissário,
foi há algum tempo, num Agosto de Sul, que me surgiu esta ideia, pois, o
emissário sempre desconhecido, olhei para aquele planalto, sobre o rio que
encontra a verdade salgada do mar, onde repousam sonhos de outrora, e pensei
que ali também queria repousar os meus, não há melhor lugar quando chegar o
momento de compreender a minha verdade salgada, ainda demorei uns dias a
confidenciar-lhe este singular desejo, sabia de antemão as respostas (Que disparate! Lá estás tu com essas coisas!
Nem de férias sossegas, homem! Mas que coisa tão mórbida… Se vens outra vez com
essas coisas, garanto-te que é o último ano que aqui passo férias! Onde já se
viu? Em vez de descansar e brincar com os filhos, põe-se com esses disparates…
Sinceramente! Só eu para te aturar essas maluqueiras… Olha, só peço que Deus te
perdoe…), creio, sinceramente, que se Deus me ouvisse, iria aprovar o meu
desejo, ao menos regressaria ao compasso de uma corrente doce que tacteia um
infinito de sal, foi mais ou menos aquando do segundo filho, há uns cinco ou
seis anos, numa madrugada, do primeiro daqueles dois dias tão efémeros que nem
a mala se consegue pousar, ela dormia, reparei, pelos indícios possíveis, que o
dia estava ainda longe, levantei-me, caminhei pelas sombras da casa, percebi,
num instante, que o sono partira sem aviso de regresso, a respiração ansiosa
dos miúdos, no quarto ao lado, chegava ao corredor, com o tempo, o respirar
acaba por conhecer a lentidão, fui até à janela da sala, olhei a noite, o
silêncio, aquele inquietante momento em que ouvimos sonhos e temores, um carro
na distância, sempre um carro na distância, a relembrar-nos a impossibilidade
de uma ilusão, no prédio em frente, uma luz que se acende, pois, a
impossibilidade de uma ilusão, bebi o que não recordo, apenas para conferir um
sentido ao ali estar, como se tudo nos remetesse para a obrigatoriedade de um
sentido, encostei a testa ao vidro, soube-me bem aquele frio entorpecer um
pensar desabrido, naquele instante, percebi que regressava, lá fora, na noite,
no silêncio, a imagem de um planalto, sobre o rio que encontra a verdade
salgada do mar, tudo sob a luz estival de Agosto, emoldurado pela noite, por um
silêncio sobre as coisas que nos relembra a olhar horizontes, de facto, não há
melhor lugar quando o momento de compreender a minha verdade salgada chegar,
continuei a caminhar pelas sombras da casa durante mais algum tempo, regressei,
uma última vez, nessa noite, à frieza pacificadora do vidro da janela, percebi
que o dia já estava na soleira da porta, a noite começava a arrumar a sua mala,
decidi deitar-me, ela continuava a dormir, olhei-a, que pena não ter uma janela
onde apoiar a testa, talvez assim o frio entorpecesse um pensar desabrido, o
meu olhar continuou em lentos passos pelo seu rosto, nem vislumbres daquele
sentir que me ensinara o respeito da loucura, nada, apenas uma sã amizade, já
não é mau, muitos nem aos arredores disso chegam, mas há muito, um silêncio
sobre as coisas ensinou-me a olhar horizontes, ela continuava a dormir, longe
dos meus passos sobre as sombras da casa, foi há algum tempo, num Agosto de
Sul, que me surgiu esta ideia, pois, o emissário sempre desconhecido, olhei
para aquele planalto, sobre o rio que encontra a verdade salgada do mar, onde
repousam sonhos de outrora, e pensei que ali também queria repousar os meus,
não há melhor lugar quando o momento de compreender a minha verdade salgada
chegar, talvez ela também por ali queira repousar os seus, é uma questão de
encostar a testa à frieza pacificadora do vidro de uma janela, e esperar pelo
vislumbre daquele sentir que nos ensina o respeito da loucura.

Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.