Não quero dar esse passo sem o teu
consentimento… Mas está-me a cansar a tua indiferença. Quantas vezes terei de
te repetir que isto é importante para mim? Quantas? Diz-me! Sinceramente, às
vezes, parece-me que tens dúvidas sobre nós… Não sei… Nem
ousava replicar, ouvia-a com uma expressão algures entre o interesse e a
apreensão, e desejava que o tempo se levantasse e prosseguisse a sua marcha,
assim, logo a sua atenção num acaso qualquer e o meu sossego restituído, de
facto, só aquele assunto para me desassossegar por inteiro… Nem por um qualquer
recanto de mim essa possibilidade se colocava, não sei porquê, ela, volta e
meia, de novo a falar de berços, enxovais, chupetas, e demais utensílios
inerentes à paternidade, nem ouso expressar o meu sofrimento quando, pelos
passeios, nos cruzávamos com um casal embevecido a passear o recém-chegado no
seu carrinho, de quando em vez, paravam, levantavam a cobertura do carrinho,
depois de se certificarem de que por ali ainda se respirava, lá prosseguiam a
sua lenta marcha, meia centena de metros depois, nova paragem, nem alternavam,
iam os dois ao mesmo tempo, depois de levantarem a cobertura do carrinho, de se
certificarem que por ali ainda se respirava, lá prosseguiam a sua lenta marcha,
ambos com uma expressão imbecil, como se detentores de uma epifania
infelizmente ignorada por todos, como dizia, nem ouso expressar o meu
sofrimento quando, pelos passeios, nos cruzávamos com um casal embevecido,
pois... Logo ela, num tom crescente, Estás
a ver? Viste bem a felicidade deles? Não te interessa, não é? Pois, eu sei… Ao
menos confessa, não sejas cobarde! Olha para mim! Diz-me, olhos nos olhos, não
queres um filho, não é verdade? Diz-me! Por favor, não disfarces… Olha-os, não
desconverses, olha-os, que felicidade… Porquê adiar mais? Porquê? Repara:
ouve-me bem: eu não quero e não posso adiar mais um filho! Não sei quantas
vezes ouvi esta frase, em média, nos últimos tempos, talvez uma vez por mês,
era recorrente concluir assim a sua reivindicação (Repara: ouve-me bem: eu não quero e não posso adiar mais um filho!),
nesses momentos, eu quedava-me perante o abismo de uma evidência: éramos dois
estranhos. Como sempre acontece debaixo do céu do mundo, num certo momento, os
nossos olhares demoraram-se um pouco mais, de seguida, o verbo, a musicalidade
da voz, tudo em consonância, quando consegui, de novo, alcançar-me, já juras de
amor pelo ar, uma opressão no peito quando ela não por perto, e a certeza
pétrea de que me fora apresentado o conceito de amor… Nada como antes? Sem
dúvida! Lembras-te quando o conheci? Não
sei, como o descrever? Não o achei desinteressante, não, pelo contrário, mas
também não foi aquele fogo, percebes, não é? As coisas foram acontecendo, vinha
do namoro com o… Sim, pois, descobri que andava há meses com aquela, pois, essa
mesma, só de falar, enfim… Foi aí que o conheci, na festa de anos de um amigo
comum, não, não sabes quem é, sei que foi ele que me quis conhecer… Ao olhar
para trás, não sei, parece-me que não somos nada livres… Como se tudo estivesse
escrito, se assim é, gostaria de conhecer tal escritor! E, no que me concerne,
gostaria igualmente de fazer algumas correcções. Não, não estou a falar dele…
Tivemos bons momentos, que os guardo, claro, porém, hoje sinto-me perdida,
náufraga do próprio tempo… Repara: estou a chegar aos trinta, vivo com ele há
seis anos, a minha família já nos aceita, apesar de nos termos desviado da
igreja, embora, de vez em quando, o meu pai insista, sabes, até lhe compreendo
o desgosto, a minha mãe, vá-se lá saber porquê, sempre teve as ideias mais
arejadas, agora, de um neto, não abdicam. Quem abdica de ter um neto? Só uma
deformidade da natureza podia abdicar de tal! E eu quero ter um filho! Não, não
posso esperar mais! Está-me a enlouquecer aquela sua apatia… Não fazemos nada
há meses. Às vezes, até penso que ele anda com outra. Não, não me procura… Eu,
atendendo às circunstâncias, ainda menos. O que prefiro? Olha, não sei… Desta
forma, não podemos continuar. Ele quer um constante presente, eu quero um
futuro, é esse o problema… Nunca gostei de ser coagido a uma acção, vendo
bem, isso é curioso, lembro-me dos almoços em casa dos meus pais, quando não
conhecia os convidados, a obrigação inequívoca da simpatia, de ser cortês,
aligeirada quando até simpatizava, dolorosa quando os achava inenarráveis, o
que, em verdade, só sucedeu por duas ou três vezes, mas a pressão anterior ao
acontecer deixa-me em ebulição, algo que ainda hoje trago comigo, creio que há
coisas que já não tiramos da mala, por muito pesada que fique, agora, nem nas
manhãs dos dias de descanso nos procuramos, se ela acorda antes, sai da cama de
um salto, nem sequer um sumido Bom-dia, nada,
quando sou eu a despedir-me do sono mais cedo, assumo a mesma postura, assim
andamos há uns meses, não concebo procurá-la com um fito de procriação, e não é
só isso, não quero, de todo, neste momento da minha vida, um filho, será assim
tão difícil compreender isto? Não percebo esta súbita ideia, que, no fundo, é
mais uma fixação, tem-me vindo a espartilhar e espartilhar… De facto, para onde
me vire, só vejo crianças, carrinhos, e expressões imbecis, sinto-me
completamente a asfixiar. Neste momento, quero uma outra coisa, nos antípodas
dessa realidade, sinto que me falta ainda viver um pouco mais, para, então sim,
assentar. Até em termos de emprego, somos ambos contratados, mas que fazer? Ela
está irredutível! Consegue esboroar qualquer argumento que se lhe apresente em
apenas dezenas de segundos. Lá por casa, a nossa situação tornou-se
incomportável: um silêncio opressivo que, às vezes, parecia tornar os objectos
mais pequenos… Se não fossem as horas de almoço, a compreensão da… Tem sido tão
compreensiva, eu falo e falo desta minha situação, até lhe contei da minha
falta de ar, que, para onde me vire, só vejo crianças, carrinhos, e expressões
imbecis, ela calma, sorridente, a segurar-me a mão, já me disse, tantas e
tantas vezes, que eu tenho toda a razão, como é bom ouvirmos isto,
principalmente quando o mundo se divorcia de nós, há uns dias confessou-me
desassombradamente que não queria filhos, respirei fundo, e que bem me soube… O que é que eu posso fazer? Por favor, mãe,
não venhas outra vez com essa que eu estou a ficar obcecada com esta ideia!
Afinal, tiveste-me com que idade? Ainda mais nova! Lá está! Desculpa, mas esse
argumento que eu quero um pai em vez de um marido não cola… Afinal, há quanto
tempo vivemos juntos? Estás a mudar de assunto. Porquê essa pergunta? Já a
repetiste quantas vezes? Que disparate é esse? O que eu sinto, neste momento,
por ele? Se já parei para reflectir nisto? Mas porquê? Repito: esse argumento
que eu quero um pai em vez de um marido não cola… Não vou dizer que as coisas
são como dantes, que dormimos abraçados, que repouso o rosto no ombro dele a
ouvir uma música, que nos despedimos com beijos abraçados… Mas há coisas que
sobreviveram ao passar dos dias. Desculpa, mãe, eu sei que ainda sou nova, mas
já vivo com ele há algum tempo. E, não, não me posso comparar contigo e com o
pai, mas os tempos são outros… O quê? Engraçado, nunca te tinha ouvido dizer
isso (Um homem e uma mulher desconhecem tempos e lugares), não deixa de ter a
sua razão… Sabes, hoje sinto-me perdida, náufraga do próprio tempo… Se o amo?
Queres que responda assim? Não sei… A compreensão da… Tem sido tão
compreensiva, eu falo e falo desta minha situação, ontem, olhou-me com uma
intensidade tal, gostei, confesso; há muito que não me olham assim, e
perguntou-me se ainda a amo. Assim, de forma directa, sem rodeios, eu hesitei,
claro, disse-lhe a falta que sentia de dormirmos abraçados, de sentir o seu
rosto pousado no meu ombro a ouvir uma música, por fim, balbuciei: Se a amo?
Queres que responda assim? Não sei…

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