“Não te esqueças: o adjectivo que mais temos de repetir é:
Espectacular!”, “Mas para quê? Tu nem gostaste daquilo…,” “Não interessa! Têm de ficar com a ideia de que tivemos
umas férias de sonho… Isso é o mais importante! Lembra-te de que, quando cheira
a desgraça, todos acorrem como hienas atrás do sangue!,” “Já sabes que não
sou bom a inventar… E tu gostaste ainda menos do que eu!”, “E o que interessa?
Nada! Se souberem disso, até rejubilam, acredita… Ainda estou para descobrir o
porquê daquele maldito tempo! Para mim foi, sem dúvida, inveja! E de alguma
daquelas nojentas das minhas colegas… Só pode! Nunca vi! Dois dias com um sol
radioso, os outros cinco piores que Dezembro….,” “Começaste logo, mal chegaste,
a publicar fotos e fotos…,” “Vens com essa conversa, porquê? Tu nem acreditas
nessas coisas de… És sempre o primeiro a rebater essas teorias.,” “Verdade, no
entanto, foi tudo muito estranho, mau demais… Lembras-te quando chegámos? O mar
num verde-esmeralda, quente, a praia quase deserta, o mundo parecia ceder aos
nossos desejos…,” “Claro que me lembro! A foto que tiraste do avião… Acredita,
se não fossem as fotos, duvidaria de ter visto por ali o sol! Em verdade, duvidaria
de tudo! Já tive pesadelos com aquilo, acreditas? A chuva copiosa e nós
enfiados no quarto! Já nem falo da fortuna que gastámos para, no fim de contas,
ali experienciar o Inferno!,” “E nem íamos com expectativas assim tão altas.,”
“Mesmo, foi o contexto da altura a ditar aquele destino. No primeiro dia,
chegámos, largámos as malas e corremos logo para a praia…,” “Eu todo orgulhoso
pela minha escolha – apesar de, a montante, estar o contexto da altura… Depois
veio o suplício!,” um casal, em lua-de-mel, durante cinco dias não sair do
quarto é salutar, bem diferente é um casal, com mais de duas décadas de
casamento, ser quase confinado a esse espaço, por chover copiosamente num destino somente de praia, nada
mais havia para ver, a hora das refeições acabou
por ser o único momento lúdico, o audível jocoso rir
da vida, um ano a suspirar por sol, mar e costas voltadas para o relógio,
e, chegada essa circunstância, a hora das refeições acabou por ser o único
momento lúdico, o audível jocoso rir da vida, no resto do tempo deambularam
pelo hotel, certa tarde foram até à piscina-interna, embora, mal entraram no
espaço, fossem invadidos pelo cheiro a cloro, a humidade tão típica desse
cenário relembrou-lhes Inverno, era nessa altura que ansiavam por
piscinas-internas, jamais em pleno
Verão, numa ilha onde nada mais havia para ver, um destino somente de praia, instalou-se-lhes
um dilacerante paradoxo, como se a vida reunisse toda a ironia possível e lhes
despejasse em cima, ali estavam eles, num rectângulo cheio de água, sob uma
luz-artificial, a olhar, pelas rasgadas janelas, o areal chovido, onde, aqui e ali, caminhavam gaivotas
chorosas por lhes terem interditado os céus, não conseguiram ali estar mais
de trinta minutos, pois, não era Inverno, e se a vida agora lhes despejava em
cima toda a ironia possível, antes já lhes despejara demasiado fel, entre um
casal não é costume haver muitos gestos simultâneos, o virar costas às rasgadas
janelas voltadas para o areal chovido, onde, aqui e ali, caminhavam gaivotas chorosas
por lhes terem interditado os céus, sair das águas artificialmente tépidas, os
passos até às espreguiçadeiras, pegar nos roupões para se cobrirem e sair,
constituiu uma dessas singularidades, nada disseram, mas uma certeza
nascia-lhes, se sobrevivessem àquela provação, nada os poderia apartar, de
certa forma as grandes tragédias do existir solidificam as relações, são
exactamente as pequenas adversidades a esboroar a outrora mais bela união, e,
no horizonte da existência, dois dias de sol e cinco de chuva, numas férias, são,
sem dúvida, uma singela contrariedade, se lhes
perguntassem, hoje, como suportaram aqueles cinco dias, não teriam uma
resposta, divagariam, como é habitual quando não se quer revisitar o ontem, a
verdade é que foi a esperança – de sol na manhã seguinte – a mantê-los unidos e
expectantes, se todos os casais, após uma singela contrariedade, aprendessem
este facto, não haveria tantos filhos a olhar estranhos na hora das refeições,
de forma imperceptível, ele intuiu o seu desejo de materializar sol na manhã
seguinte ao proclamar “Não te esqueças: o adjectivo que mais temos de
repetir é: Espectacular!”, sim, ela estava certa, aprendera há muito que as
feridas do corpo revelam a geografia do existir, as feridas da alma espelham a
geografia do sentir, poucos conseguem observar a ânsia de sol, na manhã
seguinte, de cada alma, “Tens toda a razão: como há pouco disseste: Têm
de ficar com a ideia de que tivemos umas férias de sonho (…) quando cheira a
desgraça, todos acorrem como hienas atrás do sangue!
Livros do Escritor
domingo, 30 de março de 2025
É isto…
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