Livros do Escritor

Livros do Escritor

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Luar de Inverno II


 

Nem os cintos apertaram, já o desconforto os invadia, e um crescente incómodo pelo exíguo horizonte das costas, quase nos seus rostos, dos bancos da frente, fez questão de lhe proporcionar o lugar da janela, ela embevecida, a ânsia um pouco defraudada, primeiro embateu com os óculos no vidro, pareceu-lhe mais distante, dali só contemplou a metálica asa, aquietou-a o facto de ainda pisarem a terra, havia, entre eles, um júbilo pressentido, após mais de uma década, por fim, cumpriam o desejo de novas vistas para o olhar, e, de mãos dadas, relembraram que tudo começou com uma frase, ouvida por ele, durante a pausa do almoço, , “Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” há precisamente três horas estacionavam o carro num bairro próximo do aeroporto, seguiu-se uma corrida, com as malas, para o metro, por fim, o aeroporto, ela, de imediato, a exigir-lhe a foto da praxe junto do painel das partidas e chegadas, perante as suas hesitações, com rispidez “Anda, despacha-te, todas que viajam tiram aqui uma foto! E sabes qual é a legenda? Adivinhem para onde vou…”, nem ousou construir uma resposta, limitou-se a escolher o melhor enquadramento para a foto, pouco mais, ela, de imediato, a ver como ficou, antes de qualquer contestação, “Tirei várias!”, não fosse logo iniciar a contestação, por fim, “Vá lá, esta não ficou mal…”, não era pródiga em elogios, em verdade, ele não se recorda de nenhum directo, e tinha uma memória bastante vívida, “Não queres também aqui uma foto? Todos tiram…”, deixou de a ouvir, pensou nos colegas de trabalho, naquelas pausas de almoço, onde se levantou uma frase “Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” pois, ela tinha razão, era imperativo ali ser fotografado, colocou-se muito direito, com a mala bem visível, à sua frente, o painel mesmo por cima da sua cabeça, ela contorcia-se para apanhar o melhor ângulo, uma questão saiu-lhe com naturalidade,  para sua surpresa, “Estás a apanhar o painel?”, seguiu-se um longo serpentear como gado a caminho de um matadouro (quantos compreendem a humilhação daqueles passos?), um ziguezaguear constante, de cobaias num labirinto, a caminho de um impronunciado nada, a cumprir um rito decretado pelas sombras, eles estavam demasiado longe destas conjecturas, chegados a mais uma barreira, apresentar documentos, mais documentos, bilhetes, malas para um lado, eles para outro, revistados como se tratassem de marginais, tudo encarado com a espontânea normalidade do hoje, cobaias num labirinto, a caminho de um impronunciado nada, a cumprir um rito decretado pelas sombras, a ansiosa procura de reaver as malas, assim que as retiram do insaciável tapete-rolante, ela, com ar de triunfo, “Tira aqui mais uma foto!”, prontamente ele acedeu, nem se preocuparam por barrar parte do caminho aos demais, lá seguiram caminho, até nova barreira, apresentar documentos, mais documentos, bilhetes, desta feita, não houve revistas como se tratassem de marginais e as malas mantiveram-se junto deles, de repente, a apontar para uma janela, ela “É aquele o nosso avião!”, apesar do grito, ele enternecido, também se precipitou para a janela, mais fotos e fotos, as metálicas-asas espelhavam o luar de Inverno, passava das cinco da manhã quando, no topo da escada-metálica, antes de entrar, ela  “Tira aqui mais uma foto!”, não obstante o cansaço de percorrer corredores e corredores, ziguezaguear que nem cobaias por um labirinto, apenas quatro horas de sono, arrastar malas há mais de três horas, ele não se recorda de lhe ter vislumbrado tal vitoriosa expressão, como no cimo daquelas escadas, antes de entrar no avião rumo a novas vistas para o olhar, após a foto, nem esperou que ele vencesse os degraus em falta, pegou na mala e entrou, apresentar os bilhetes, pousar a mala, sempre acabava por tombar para a frente, como se uma inevitabilidade, olhou para trás para ver se ele, sim, já ali estava, também em guerra com a mala, seguiu-se o exíguo corredor, ladeado de assentos e assentos, por fim, encontraram os respectivos lugares, nem os cintos apertaram, já o desconforto os invadia, e um crescente incómodo pelo exíguo horizonte das costas, quase nos seus rostos, dos bancos da frente, fez questão de lhe proporcionar o lugar da janela, ela embevecida, a ânsia um pouco defraudada, primeiro embateu com os óculos no vidro, pareceu-lhe mais distante, dali só contemplou a metálica asa, aquietou-a o facto de ainda pisarem a terra, havia, entre eles, um júbilo pressentido, após mais de uma década, por fim, cumpriam o desejo de novas vistas para o olhar, e, de mãos dadas, relembraram que tudo começou com uma frase, ouvida por ele, durante a pausa do almoço, “Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” “Vou fotografar a asa do avião,” achou piroso, mas não quis estragar o momento, lá se esticou para perscrutar que interesse haveria ali para ser digno de uma foto, espantou-o o brilho da asa, “Já percebeste, não é? Parece que retém o luar de Inverno… É essa luz que eu procuro conservar numa imagem… Uma prata descida dos céus a alumiar os nossos desejos de partir,” reencontrava, neste timbre introspectivo e sonhador, a mulher por quem se apaixonara, sob aquela luz prateada, descida das alturas, parece que foi há pouco, compreensível, o luar não conhece o tempo. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

A matemática do destino

 


Percebi, muito a contragosto, que hoje ela vinha cá pôr a miúda, não foi preciso relembrar-me que dia este para um qualquer calendário, não, não foi nada disso, mas uma outra coisa, uma forma que as coisas têm de nos devolver o que por nós caminha, não sei porquê, no entanto, sempre que por mim sombras, percebo que as nuvens se alongam mais preguiçosamente lá pelas alturas, como se sempre adiassem uma extenuada partida, e, de facto, depois de abrir a janela, compreendo que só pelo meu pensar caminham sombras, pouco antes do almoço, a campainha, desço, optei assim, não sei porquê, às vezes, afirmamo-nos com o que temos mais à mão, talvez para criar a fantasia de que ainda temos algum controle sobre as coisas, não sei se para os outros se para nós mesmos, e há tanto que o destino deixou de ser minha pertença, foi dela que partiu a decisão de nos separarmos, eu, de início, incrédulo, as questões saíam-me sem o filtro do orgulho Mas porquê? Tens a certeza? O que te leva a isso? Falhei com alguma coisa? Diz-me, por favor, diz-me… Não compreendo, de todo, o porquê disto… Logo agora, que tudo parecia correr bem… Fazemos assim, vamos jantar fora, podemos ir àquele restaurante dos bifes, lembras-te da última vez que lá estivemos? Gostaste tanto! Depois podemos ir dar uma volta pelas lojas, pode ser que vejas alguma coisa de que gostes. Não querias uma carteira nova? Uma das piores sensações desta vida passa algures pela compreensão de que estivemos a falar sozinhos, isto geralmente sucede quando habitamos num tempo diferente do outro, eu falava sentado num passado ainda recente, para mim, claro, e desconhecia que ela já caminhava por um presente, de há pouco, é certo, mas que me fora vedado, às questões por mim derramadas, sem o filtro do orgulho, ela respondeu com uma longa expiração e com a frieza inclemente de omoplatas que procuram a distância, ainda para ali fiquei, a balbuciar qualquer coisa que nem eu percebia, enquanto se dava em mim a profunda compreensão da mendicidade, nos dias seguintes, ainda tive mãos pelos ombros a incentivar-me Esquece-a…Ela não te merece! Vais, não tarda nada, encontrar uma que te dê o devido valor. Alguém à tua altura, e eu que não queria nada com as alturas, apenas que as omoplatas se reaproximassem e dessem lugar àquele rosto que eu tão bem conhecia, ou julgava conhecer, se, ainda há tão pouco, ela feliz com o restaurante dos bifes, a volta pelas lojas, não compreendo o porquê das omoplatas se afastarem, e a filha, com os seus sete anos, devolvida quinzenalmente, aos Sábados, logo pelas dez da manhã, há sempre um momento em que a vida sai ao nosso caminho e pacientemente nos explica as coisas, uns chamam-lhe intuição, outros falam em pressentimentos, também há os que apelidam de bom senso, o grande problema é a nossa flagrante surdez para o óbvio que se senta diante de nós, o trabalho, as contas, planos para as férias, mais trabalho, quando não o há, corre-se incansavelmente por um, o que dá uma grande trabalheira, assim, passaram mais de sete anos, julgámo-nos conhecer e, no fim, partimos como dois estranhos, soube, sempre depois, que fui uma segunda escolha, quando o coração assume a forma de um rosto, dificilmente o pode esquecer, quando lhe disseram que ele se ia divorciar, ela, de imediato, procurou-o, eu sempre aquém de tudo, apesar da vida se sentar diante de mim e pacientemente me explicar as coisas, Não achas estranho que ela ultimamente ande sempre com o telemóvel desligado? Ficou sem bateria… Mas isto tornou-se um hábito?! E aquelas músicas que, de repente, pareceu desenterrar e não se cansa de as ouvir no carro? Nunca as partilharam, pois não? Recorda-te algum momento? Pois, calculei que não… E há quanto ela não te procura para… Além daquele súbito pudor, fechar-te a porta sempre que está no banho, como se, de repente, fosses granjeado com o título de intruso… Quantas vezes, nestes últimos meses, tiveste de ir buscar a miúda à escola? Também não estranhaste?! Não era uma incumbência dela? Sim, eu sei, o trabalho, as contas, planos para as férias, mais trabalho, quando não o há, corre-se incansavelmente por um, o que dá uma grande trabalheira, até que, numa noite, após um banho, a porta agora fechada, lia uma revista deitado na cama, um artigo acerca do índice médio de felicidade nos casais modernos, ela, de roupão, a sair da casa-de-banho, aquele renovado pudor e a minha flagrante cegueira, senta-se do seu lado da cama a pentear-se, a minha vista com os cabelos molhados entre as omoplatas, de repente ela Não achas que devíamos acabar com este triste equívoco? Eu, nesse momento, preocupado com o índice médio de felicidade nos casais modernos, aquém de tristes equívocos, porém, na manhã seguinte, o lado dela na cama já frio, nem vestígios de cabelos molhados entre as omoplatas, antes de me levantar, algo saiu-me ao caminho e pacientemente explicou o porquê de um triste equívoco com mais de sete anos…

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Luar de Inverno I


 

Há uns dias, quando cheguei a um lugar da minha geografia diária, resolvi simplesmente observar, na entrada há, pelo menos, oito mesas, todas ocupadas, um sujeito idoso numa, um casal noutra, mais à frente, uma jovem num excesso de decotes, embora um aspecto transversal a todos estes estranhos: todos voltados para baixo, aprisionados a um écran; vários sentimentos me percorreram: espanto, piedade, asco, repulsa, a angústia acabou por prevalecer; instintivamente olhei o exterior, pelas largadas vidraças o sol no auge, ia entrar, mas acabei por sair, fechei os olhos para olhar o sol, ali me deixei estar o suficiente para esquecer todos voltados para baixo, aprisionados a um écran, como era possível, o sol no auge, e só eu me aperceber de tal? Mais ninguém fecha os olhos para olhar o sol? Há muito me sinto anacrónico, atirado para uma qualquer margem, assisto a estes despojos serem inclementemente arrastados, pelas águas dos tempos, para o derradeiro precipício… Vem-me à memória um casal, as primeiras férias no exterior, conseguiram-no após bem mais de uma década de casamento, ela ciosa, primeiro, de cumprir com a maternidade, ele nunca se opôs a tal desígnio, a ideia de uma vozita lhe chamar “pai” sempre lhe aqueceu o sentir, não foi preciso esperar muito, três meses após a troca de alianças e juras de amor, diante de um altar, ela deu-lhe a notícia, a incredulidade inicial, no entanto, a ideia já se lhes alojara, num repente, já um berço, habitado, ao lado da sua cama, concordaram, para primeiro, ser melhor menino, é velho que o destino prima pela ironia, ali estava a primogénita a centrar-lhes as atenções, já dava os primeiros passos, quando, num final de tarde, ela abre a porta antes de a mão dele alcançar a campainha, e lhe dá a notícia, a incredulidade inicial, no entanto, a ideia já se lhes alojara, num repente, já o berço, de novo, habitado, ao lado da sua cama, a carteira aconselhou-os que o melhor seria, no futuro, desmontar o berço, desta vez chegou o ansiado rapaz, com tantas solicitações o sentir deles atirado para um qualquer desvão poeirento, passados uns meses, lá ressurgia, em lentos passos, nas manhãs indolentes dos fins-de-semana, aquando das férias seguiam na direcção da casa dos pais de um, ora de outro, e o calendário lá seguia no seu carácter inflexível, já a filha entrara na primária, quando certa frase, emitida por uma colega, durante a hora de almoço, se lhe alojou no pensar, “Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” não encontrou resposta para esta observação, nem chegou a tentar, compreendeu a crueza da verdade inerente à frase “Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” ao final da tarde, ainda pensou em relatar-lhe o sucedido, só que os deveres da filha, pôr a mesa para jantar, as birras do filho, ajudá-la na cozinha, tudo somado, não encontrou espaço para “Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” quando se deitaram, procurou um espaço por onde a frase (“Olha lá, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros”) pudesse entrar, mas os afazeres do amanhã, a pressa do sono que só o retarda, prevaleceram, acabou por pousar o rosto na almofada, já de luz apagada, a frase, iluminada, diante de si, foi nas compras, no dia seguinte, entre uma prateleira e outra, com o pretexto de um produto oriundo de longínquas paragens que “Sabes, há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” ela, de início,  nem sequer pareceu ouvir, o facto de, uns metros à frente, se imobilizar, deu-lhe esperança de que a frase lhe ecoasse, só que “Tanto pedi para me lembrares do sal! Se aqui não viesse, voltava a esquecer-me…”, a esperança, de uma ponte de diálogo, empalidecia-lhe, foi sob a sombra da bagageira, enquanto depositavam as compras, “Olha que tens razão… Sem dúvida, aquela pindérica lá do meu trabalho, já te falei nela, não pára de correr o cão... Os anos a passar, e nós sempre a caminho da casa dos meus pais ou dos teus… E não caminhamos para novos!”, a ponte reconstruira-se-lhe, num repente, para sua estupefacção, repetiu com o devido ênfase “E ninguém caminha para novo!”, ele “Sempre te disse que só o tempo não conhece o caminho de volta,” “Sim, tens toda a razão, e os miúdos já estão crescidinhos, podem perfeitamente ficar, uma ou duas semanas, com os avós. Já sei que vão escolher os meus pais…”, “O velho ditado: Filhos de minha filha meus netos são, filhos de meu filho podem ser ou não,” “Deixa-te dessas coisas, sabes perfeitamente o quanto os miúdos também gostam dos teus pais!,” considerou, de momento, suficiente a questão estar sobre a mesa, não lhe esperava tanta receptividade, percebeu que, afinal, também ela já concluíra “Há muito mais destinos, para férias, no mundo, do que as aldeias de pais ou sogros,” reflectiu no porquê de esta questão se manter silenciada, entre eles, até hoje, como é difícil o sentir sobreviver ao tempo, pois, a questão anda por aqui, nessa noite, pensou perguntar-lhe pelos sonhos, logo capitulou quando, pela casa, ecoou o genérico da telenovela.

sábado, 18 de janeiro de 2025


 ... só quando passamos a respirar de uma outra forma é que compreendemos o amor...

in Passeio fora, de mãos nos bolsos, a assobiar melodias do ontem 

Passeio fora, de mãos nos bolsos, a assobiar melodias do ontem

 


Entrei em casa e fui directa para o quarto, deitei-me na cama, revisitei, incontáveis vezes, a cena de há pouco, de certa forma num espanto orgulhoso pela minha atitude, nunca será fácil compreender o abismo e avançar com obstinação, é o que melhor encontro para traduzir o meu feito, batem-me, sempre num estrépito demasiado, à porta do quarto, percebo que minha mãe, “Já chegaste? Está tudo bem? Não queres vir lanchar qualquer coisa? Tenho ali umas torradinhas acabadas de fazer… Anda, olha que ainda estão quentinhas…”, desculpei-me com uma dor de cabeça, só queria para ali estar, e talvez revisitar, ainda umas quantas vezes, a cena de há pouco, e aqueles diminutivos sucessivos amplificavam-me os ecos surdos das coisas ao insuportável, por fim, desistiu, largou-me a soleira da porta e regressou para a segurança do seu mundo de “inhos” e “inhas”, contudo, foi dela que partiu a nuvem inicial, aquando da primeira visita lá a casa, era tão evidente a sua expressão desaprovadora, quase gritava olhos adentro, assim que ele saiu, “Minha querida filha, bem sei que vida é tua, mas este rapaz, não sei… Que objectivos de vida tem? Qual a sua família? Não sei, acho que devias reflectir muito bem…”, as palavras sempre se nos demoram mais do que queremos admitir, no repente da vida, podemos virar costas, fingir surdez, desaprovação, mas a palavra é anterior ao homem, daí conhecer melhor os caminhos da terra, desde então, sempre que nos encontrávamos, a inicial nuvem materna passou, nem que fosse por um “inho” qualquer, a obscurecer-nos os passos, em verdade, da soleira da porta do meu quarto, nada de novo foi dito, eu conhecia-o tão bem, sabia do estorvo que os estudos constituíam na sua vida, da encenação quotidiana de livros e mochila para garantir o aval diário dos pais, chegado à porta do liceu, por ali ficava – pelo menos sempre revia colegas e professores –, ou então acelerava rumo a outros destinos, e como eu gostava de partir com ele para uma qualquer outra paragem, como se desvelássemos, nessas intermináveis excursões, o nosso lugar no mundo, só quando passamos a respirar de uma outra forma é que compreendemos o amor, comigo foi o que sucedeu, conheci-o naquela idade em que tudo serve para nos afirmarmos no mundo, como se quiséssemos erguer bem alto a nossa bandeira face às demais, a certa altura, pelo que grassava à minha volta, julguei que beijar era um lugar-comum, todavia, nasci com a evidência de que o sublime não se atém à mecânica do corriqueiro, e quando o olhar dele se demorou em mim, o suficiente para me alegrar, num indizível sentido, ainda me lembro, saía da escola, era de tarde, ele estava com um grupo, como sempre acontecia, no portão da escola, no fundo, sempre gostou de margens, o olhar de alguém só nos agrada ou insatisfaz quando temos a sensação de que já o conhecemos, foi o que em mim nasceu, quando me apercebi daquele olhar que pelo meu rosto se passeava, desacelerei o passo, quase até me imobilizar, e procurei a fonte de uma súbita alegria, num indizível sentido, não me recordo das primeiras frases, porque, em verdade, são as impressões que prevalecem e sobrevivem, como se náufragas nas margens do rio do tempo, antes da primeira frase, sim, como é verdade, já lhe conhecia a voz, foi como se um eco adormecido despertasse pelo espaço da minha memória, com reverberações de dias idos, quando a mim regressei, dias depois, estávamos numa esplanada, cada um com o seu refresco, percebi, enquanto o olhava, que nada voltava ao que era – só quando passamos a respirar de uma outra forma é que compreendemos o amor –, alguma coisa se alterava gradualmente no espaço do meu sentir, é curioso, se me perguntassem, hoje, se faria alguma coisa diferente, diria que sim (só os tolos respondem que fariam tudo igual), no entanto, já sei que sentimento me espera em cada esquina desta coisa chamada existir, como se dali não houvesse  a mais ilusória fuga, das esplanadas aos estores corridos, em tardes que se prolongavam por uma vida, e como é verdade: só quando passamos a respirar de uma outra forma é que compreendemos o amor; quando não estava comigo, regressava para as companhias dantes, disse bem, companhias e não amigos, de facto, palavra rara e preciosa, certa tarde, antes do estore corrido, antes de uma outra forma de respirar, antes do mais ténue vislumbre de um gesto traduzido amor, ele “Trouxe isto… Não queres experimen…”, não sei se foi o meu olhar, o meu recuo, a expressão que assumi no momento, a verdade é que não terminou a pergunta, talvez porque a resposta a tenha ultrapassado, quando assim sucede, as questões não perduram, levantei-me, saí, fechei a porta devagar atrás de mim, não senti o menor esforço para me dissuadir, talvez a surpresa, o orgulho ferido, a máscara subitamente pelo soalho, ou o tal isto que para ali trouxera, o tenham retido, ainda hoje não sei, se ele, naquele momento, se tivesse levantado, corrido por mim, me sussurrasse ao ouvido, “Desculpa, foi uma parvoíce… Vamos esquecer isto!”, corresse o estore, numa tarde que se prolonga por uma vida, eu reconsiderasse, aquela falha não desse lugar a uma tão profunda ferida, afinal, desiludir rima com ferir, e o hoje seria um lugar diferente, chegada a casa, fechei a porta devagar atrás de mim, repetia um gesto de há pouco, fui directa para o meu quarto, deitei-me na cama, revisitei, incontáveis vezes, a cena de há pouco, de certa forma num espanto orgulhoso pela minha atitude, ele procurou-me dias depois, mas já nada podia sarar, de facto, desiludir rima com ferir, evitei-o, estava tudo dito entre nós, as ilusões são isso mesmo, construções atrás das quais nos escondemos do mundo, mas a vida sempre nos encontra, e de repente, percebemos isso sob as mais diversas formas, um vento gélido pela face, uma dor demasiada, ou uma tarde suspensa por um estore antes caído…

domingo, 12 de janeiro de 2025


 

Já está pronto o seu carrito…


 

Foi uma urgência mecânica que me levou ao seu encontro, tudo num acaso das atribulações do hoje, o imperativo telefonema, do outro lado “Então, diga lá o que se passa com o seu carrito…”, enterneceu-me, confesso, aquele “… o que se passa com o seu carrito…” quase me despertou uma lágrima infantil há tanto adormecida, dei por mim a fixar o carro para ver se falávamos do mesmo, eu, que nunca me interessei por mecânicas e afins, procurei esclarecê-lo dos sintomas do atamancado andar do carrito, prontamente disse vir buscá-lo, que não nos preocupássemos, fiquei curioso, como não poderia deixar de ser, com a fisionomia por detrás de “Então, diga lá o que se passa com o seu carrito…”, há vozes que, de todo, não coincidem com os corpos, e a voz é o eco da alma, como é sabido, logo essa dissonância perturba, quase orei para que este não fosse mais um, estava junto do automóvel quando, do outro lado da rua, vejo dois sujeitos virem na minha direcção, embora um viesse bem mais à frente, era bem rotundo, detinha aquele andar oscilante próprio dos deveras obesos, ora para um lado ora para outro consoante a passada, só de ver, senti-me a arfar, cheguei a questionar se conseguiria cumprir os metros até onde eu estava, tal a notória dificuldade da empreitada, levantei a mão para verificar se, entretanto, e com o devido esforço, antes de mais uma oscilação, ora para um lado ora para outro consoante a passada, o sujeito rotundo, com um notório esforço, lá conseguiu erguer a sua, por fim, “Ora, boa-tarde! Vamos lá ver, então, o que se passa com o carrito…”, só depois as apresentações, reparei que, a cada sílaba emitida, ajeitava os óculos, o umbigo a despontar da camisola, não havia pano suficiente, no mercado, que o tapasse, as costas das mãos viradas para a frente, outro aspecto muito comum aos sujeitos que padecem de uma excessiva volumetria abdominal, a minha mente, entretanto, em oscilações, talvez pela atenção às suas passadas, ora para um lado ora para outro, acabei por descobrir que o segundo sujeito era seu pai, o que mais ressaltava deste eram as ruínas dentárias e um aspecto chamuscado, tive bastante dificuldade em percebê-lo, a voz saía-lhe assoprada, devido às múltiplas falhas entre incisivos, caninos e molares, embora, em termos de volumetria, fosse um terço do filho, quase lhe cabia debaixo do braço, como sempre acontece nestes contextos, há primeiramente um instante de silêncio, um sublimado rito só ao alcance de mentes iluminadas por bielas, escapes, discos-de-travão, pistons, correias-de-transmissão, válvulas, óleo-do-motor, óleo-dos-travões, discos-de-embraiagem, e demais de um léxico que o comum mortal está fatalmente aquém, já assistira a este ritual, embora o contemplasse das faldas da minha ignorância, foi na juventude, aquando de uma mota nova no bairro, os indefectíveis logo acorriam para, em silêncio, cumprirem com um rito do qual sempre aquém estive, talvez orassem ao deus das bielas, é isso, pois, talvez, quando, por duas vezes, ali cheguei com motas novas, o rito materializou-se, de novo o deus das bielas convocado, embora minhas, eu na longínqua humildade da minha ignorância, de repente, no hoje, levanta-se-me da memória este ritual, eu de regresso ao incómodo da ignorância, das longínquas faldas a assistir àqueles dois iluminados – um desdentado, com aspecto chamuscado, a seu lado, o filho, com o triplo do tamanho, as costas das mãos viradas para a frente, a cada trinta segundos ajeitava os óculos, o umbigo a despontar da camisola, não havia pano suficiente, no mercado, que o tapasse –, num reverencial silêncio, a contemplar o automóvel imobilizado, por fim, o verbo regressa, “Ora a chave do carrito, por favor…”, eu sempre aquém destes desígnios, talvez orassem ao deus das bielas, é isso, pois, talvez, a chave, claro, a chave, a procurá-la nos bolsos, como sempre sucede, nunca está onde esperamos, a assapada manápula dele estendida, reparei nos deditos curtos para a palma que mais parecia uma frigideira, parecia uma mão desenhada por uma criança, riscos a representar os deditos e uma bola no lugar da frigideira, sorri a esta comparação, após o tempo necessário, afinal, a chave estava no lugar mais óbvio: na ignição; ao vê-lo subir para a viatura e simultaneamente ouvir o grito dos amortecedores, nasceu-me uma indizível angústia, pareceu-me sentir a dor da viatura, ele ocupava quase toda a frente interior do carro, nem vestígios dos dois lugares, baixou o vidro e sorridente “Não se preocupe, o carrito voltará como novo!,” as ruínas dentárias também se despediram e lá se encaminharam para o chaço de onde vieram, permaneci onde estava, não lhes quis transmitir desconfiança, a minha indizível angústia advinha somente pelo sofrimento dos amortecedores, passados dois ou três dias, o telefone “Já está pronto o seu carrito…,” a cena repete-se, a carro a entrar na rua, ele ocupava quase toda a frente interior, nem vestígios dos dois lugares, o chaço atrás, ambos estacionam, percebo-lhe um saco-de-plástico pela assapada manápula, as peças que mudara, sinal de honestidade, gostei, começou a recitar a operação empreendida ao paciente com ar de um circunspecto cirurgião, eu, em verdade, só queria saber se os amortecedores sobreviveram, porém, antes de tudo, tive, uma vez mais, de assistir àqueles dois iluminados, num reverencial silêncio, a contemplar o carro.

sábado, 11 de janeiro de 2025



... havia em nós o sentido do essencial, como se perdeu, sabes, quando se perde um sentido destes, a porta fica escancarada para toda a angústia do mundo...

in A mão que eu escolhi segurar esta vida

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

A mão que eu escolhi segurar esta vida

 


Sei que foste tu! Só podia, mais ninguém teria audácia para tal, nem sequer tinha acesso ao interior da casa, claro que, de início, negaste, com a veemência necessária, o que me espanta, no meio de tudo isto, é que nem necessidade tinhas… Para quê, então… Confesso a minha dificuldade em conceber uma razão plausível para isto, sempre te demos tudo… Não, não compreendo de todo, ainda levámos algum tempo para juntar aquelas poupanças, e, sabes, ninguém caminha para novo, o mais irónico de tudo, é que juntámos no receio de qualquer ameaça à nossa saúde, doença, operação, internamento, medicamentos, tanta coisa que pode surgir num repente da vida, sabes como é, ainda se fosse por um luxo, a viagem sonhada, uma jóia, um qualquer capricho, ou simplesmente por sovinice, mesmo assim, era nosso, labor e regras são a fonte daquele pecúlio, duas elementares questões que ainda desconheces e que, pelos vistos, duvido seriamente que algum dia venham a fazer parte do teu léxico, mas não, o mais elementar receio pela saúde, e, não sei bem porquê, no fundo, talvez já desconfiasse, sabes, nesta vida, as pernas só nos levam onde temos de chegar, e as tuas, pelos vistos, não te levam muito longe, naquele dia, não sei porquê, algo em mim insistia para que fosse verificar aquela gaveta, premonições, percebes, não é, mas há muito que abdicámos do andar de cima, neste momento, as nossas pernas aguardam apenas pelo regresso à terra, daí a nossa circunscrita rotina a este piso, contudo, algo em mim não se aquietava, como se já visualizasse aquele envelope vazio e amarrotado, e não foi só o seu conteúdo que levaste, tiraste-nos também os anos que levámos a juntar o que ali estava, as madrugadas que conhecemos para pegar a horas, nem sonhas o que isso é, quando outros ainda na horizontal, no leve galope de um sono despreocupado, já o nosso rosto açoitado pelo frio demasiado lúcido de um qualquer Inverno, aquele mesmo frio que nos obrigava a descer com demasiada rapidez os degraus de nós, para nos sentarmos a um canto, recolhidos e a tremer, na esperança faminta de um resquício de luz a que nos pudéssemos agarrar, sabes lá o que isso é, e a fome, as horas seguidas, tantas, que o estômago, coitado, acho que se encolhia por pudor, a certa altura, cheguei a pensar que, antes de me pedir comida, olhava primeiro para os meus bolsos, para não falar das roupas, pensas que nos regíamos por modas ou tendências, longe disso, havia em nós o sentido do essencial, como se perdeu, sabes, quando se perde um sentido destes, a porta fica escancarada para toda a angústia do mundo, nesta casa, nunca se comprou o que não coubesse à mesa, duvido que percebas isto, no fundo, tens um molde muito diferente do nosso, e não vale a pena virem com doutrinas de pontes do hoje para o ontem ou vice-versa, há margens que se limitam a olhar na permanente incompreensão por um caudal demasiado entre si, e como as nossas caudalosas ideias obedeciam a correntes tão distintas, como dizia, não sei porquê, algo em mim insistia para que fosse verificar aquela gaveta, premonições, percebes, não é, mas há muito que abdicámos do andar de cima, mesmo assim, lá iniciei a escalada, não deixa de ter a sua graça a nossa relação com o mundo, há uns anos, não percebia um degrau, hoje, se o vencer, compreendo a vida, mas fazes lá tu ideia do que estou para aqui a falar, e quantos degraus venci para chegar ao piso de cima, sempre critiquei a inclinação daquela escada, agora é tarde, em verdade, já é tarde há muito, nós já somos noite, tu nem amanheceste, chegaste a este lado das coisas já com a alma tão escurecida, se me perguntassem quanto tempo levei a vencer as duas inclinadas dezenas de degraus, confesso que não saberia o que responder, porém, lá cheguei acima, respirei o suficiente para me recompor, olhei em volta, nada fora do lugar, tudo estava conforme a minha ideia, lá fora compreendi os sons da tarde, avancei para o móvel, junto da janela, ao centro duas portas de vidro, ladeado por quatro gavetas, depositámos aqueles anos todos na última gaveta, do lado esquerdo, quando me abeirei do móvel, o meu olhar procurou a tarde que se espreguiçava lá fora, como se tudo estivesse no seu lugar, percebi, no passeio em frente, uma jovem mãe com a filha pela mão, não teria mais de seis anos a criança, sorriam-se, parecia que a mãe lhe explicava qualquer coisa, continuei a olhá-las, passeio fora, aquele quadro despertou-me uma ternura sorridente, há muito que não acontecia, por fim, diluíram-se do meu olhar, nesse instante, nasceu em mim uma súplica, desejei que a noite do mundo fosse um lugar muito longe…

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Fica com a tua ideia, que eu prefiro a verdade

 


Não era tanto eu estar para aqui sentado, nem o facto de, claro, eles de pé, mas o olhar deles que me sentava ainda mais, em verdade, esmagava-me de encontro à calçada que nos sustentava a todos, aquela compaixão velada, por outras palavras, o “coitadinho” impronunciado, bastava atentar um pouco nas suas expressões, nos olhares que cruzavam julgando-me longe de tais desígnios, para perceber um veredicto sentimental (o “coitadinho” impronunciado), nesses momentos optava por regressar a uma outra vida, é isso mesmo, regressar a uma outra vida, que foi minha, e há tão pouco, mais propriamente há três semanas e cinco dias, há tão pouco e hoje sou já um qualquer despojo do ontem, era uma dessas noites de Verão que lançava os seus longos braços para onde quer que nos recolhêssemos, daí eu me ter deitado, janela do quarto aberta, respirava com a dificuldade própria de quem compreende a escassez de uma qualquer coisa, o telefone, estico o braço, apenas, o resto de mim imóvel, na cama, a janela do quarto sempre aberta, recordo o final, talvez pela insistência, “Anda, vais ver que gostas. Não sejas desmancha-prazeres. Estou-te a pedir… Sabes, ela já nos convidou tantas vezes. Para além disso, tenho a certeza de que vais gostar…”, já um pé se aventurava em busca do soalho, cedi, a insistência dela geralmente terminava com a minha capitulação, e como como ela o sabia, quando dei por mim, já íamos, sob aquele véu imemorial onde se espelham as dores e os sonhos de cada um de nós, a caminho de uma insistência dela, se bem que, no fundo, a janela aberta não fosse um acaso, talvez eu gostasse de sentir os longos braços de uma noite de Verão, estrada fora, olhava a lua nas águas, como gostava de ali a encontrar, parecia-me que a noite sabia mais noite, não sei porquê, já nem o som do motor ouvia, estávamos sós e esquecidos num canto estrelado do mundo, pareceu-me, e que bem me soube, estarmos para além do tempo, nem passado, presente ou futuro, só um estar, supliquei, num desejo sem verbo, que sem o prenúncio do amanhã, tantas vezes por aquela estrada, mas sempre nova para mim, agora com a lua nas águas, lembro-me de parar, ela a acompanhar os longos braços daquela noite de Verão que também me abraçavam, a sussurrar-me “nem passado, presente ou futuro, só um estar”, acompanhava-lhe os desejos, só a lua nas águas nos iluminava, momentos suficientes depois, regressámos à estrada, ela insistiu, mas não a culpo, “Anda, vais ver que gostas. Não sejas desmancha-prazeres. Estou-te a pedir… Sabes, ela já nos convidou tantas vezes. Para além disso, tenho a certeza de que vais gostar…”, e não me lembro de muito mais, se dissesse que sim, seria mentira, só de renegar o que se me afigurou um pesadelo durante dias suficientes até perceber o quarto de um branco inexpressivo, uma cama que não a minha, vultos apressados à minha volta que me tocavam com a frieza como se não fosse uma história viva, e as vozes, nem uma para me levantar a memória, até compreender que as minhas pernas já não eram as minhas pernas…

Muito se disse, à minha volta, por aqueles dias, e depois, e agora continua a dizer-se, “Ao menos estás vivo, pá!”, “Podia ainda ter sido pior”, outros muniam-se da religião “Deus está-te a testar… Ele nunca nos abandona”, eu a pensar como seria bom que Deus testasse as pernas de outro, as dele, as dela, ou, já agora, as daquele, e melhor seria se, por exemplo, eu, sentado a um canto dos seus leitos, a não conseguir disfarçar uma lágrima mal-amanhada num canto do olho, a soletrar emotivamente “Enquanto há vida, há esperança” ou “Deus nunca nos atribui um fardo que não consigamos suportar”, a primeira vez que vi o resto da minha existência, personificada naquele objecto, símbolo maior de quem já não caminha sobre a terra, confesso a minha insuficiência com as palavras, o sentir engoliu-me de tal forma que demorei a recuperar os sentidos que nos retêm ao aqui, hoje, passadas três semanas e cinco dias, continua a ser o olhar deles que me senta ainda mais, em verdade, esmaga-me de encontro à calçada que nos sustenta a todos, às vezes, durante a noite, por brevíssimos instantes, parece que as minhas pernas voltam a ser as minhas pernas, nesses momentos, uma voz em mim, com os seus longos braços de uma noite de Verão, a dizer que me espera, o tempo necessário, num lugar onde a lua sonha repousada nas águas.