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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

A princesa da TAP



 

Uma das questões essenciais que nos devíamos imperativamente colocar é: Será que as nossas palavras interessam aos outros? À luz desta premissa, a sua imagem levantou-se-me no pensar, conheci-a por frequentarmos um espaço-comum, educada, polida, cheia de ressalvas, “Agora, só regresso para a semana, como a minha irmã faz anos amanhã, vamos passar estes dias fora; Estive a manhã toda no cabeleireiro, nota-se bem, não é? Confesso que tenho andado um bocadinho preguiçosa, para semana compenso; Então, como vai o nosso Benfica? Eu vi o jogo, lembrei-me logo de si, dos seus nervos, mas felizmente lá ganhámos… Estive para lhe mandar mensagem, mas não quis alimentar mal-entendidos! Já sabe como sou, não gosto nada de histórias mal-contadas!” Pois, de facto, será que as nossas palavras interessam aos outros? A noite já lhe entrara na existência, apesar de uma energia incomum para a idade, e de se mobilizar com o auxílio de duas bengalas, o que, à distância, lhe conferia um ar de aracnídeo, a sua baixa-estatura robustecia o quadro, as frases saíam-lhe  numa velocidade inversamente proporcional aos passos, contudo, mantinha a sua auto-estima, um aspecto muito positivo, porque efectivamente só nós a podemos devidamente alimentar, “Sabe, não tenha dúvidas, quando era mais nova, chamavam-me a princesa da TAP! Assim fiquei conhecida por lá. Era muito elegante, de parar o trânsito”, confesso, para remissão dos meus pecados, que, nesse momento, o meu olhar resvalou para os acessórios de locomoção, se a referência a parar o trânsito se devia à sua notória lentidão, mas foi por escassíssimos segundos, “Custa-lhe a acreditar? Agora vê uma velha, mas acredite, em nova fui a coqueluche das hospedeiras-de-bordo, em todos os voos queriam a princesa da TAP!” Como é óbvio, procurei enaltecer as qualidades do hoje, uma tarefa árdua, porém, nunca gostei de desafios fáceis, enalteci a sua nobre postura, invulgar simpatia, as idas ao cabeleireiro, a crescente boa-forma física, pelo menos atravessava a porta do ginásio de vez em quando, muitos nem isso, enfim, quase que, com uma lanterna, procurava iluminar o possível de  verbo, longe, muito longe, dos vislumbres com lentos aracnídeos a atravessar estradas, “Sim, é verdade, ainda aqui estou para as curvas. Tomara muitas chegarem-me aos calcanhares. Estou plenamente de acordo consigo naquele aspecto: o nosso amigo precisava de uma mulher mais madura! Parabéns: analisou muito bem a questão. Devia ter, a seu lado, uma mulher com outra experiência, mais estabilidade-emocional, mais confiança em si mesma, que não andasse a brincar aos joguinhos de ciúmes, não acha? É um profundo disparate! Por isso, evito contactá-lo aos fins-de-semana, já viu se a outra ainda faz uma cena de ciúmes?”, de facto, era uma possibilidade evidente, quem não teria ciúmes da princesa da TAP? Argumentei que os homens são eternas crianças, onde já se viu alguém trocar a princesa da TAP por qualquer outra mulher à face da terra?! Vivemos a era do Absurdo, acrescentei resignado, quando chegava a hora do adeus, os vislumbres com lentos aracnídeos a atravessar estradas materializavam-se para nosso terror, “Então, onde vai almoçar hoje?”, um passo, lá respondia, “Gosta mesmo desse restaurante! Olhe, no Domingo, fui com a minha irmã e o meu cunhado a um, muito bom, em Cascais, deixe-me ver se recordo o nome”, outro passo, até à porta faltavam uns trinta, àquela velocidade, talvez daqui a dois dias, como sempre fui generoso, desculpei-me com uma urgência e parti, ainda acredito em finais-felizes, por conseguinte, deixei esta princesa com o seu destinado príncipe, podiam pôr a conversa-em-dia sobre o seu Benfica, talvez, quem sabe, sob aquela lenta cadência, o príncipe encontrasse a almejada estabilidade-emocional enquanto os seus olhares refectiam sonhos por sonhar. 

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