Naquele instante, sobre o precipício de si, nascera
uma decisão. A decisão de um passo. Que importância tinha isso? Afinal, quantos
passos damos na vida? E em que direcções? E ele longe de tudo isto. Sob o
crescente inebriar da vertigem. Como se a saboreasse. Voltemos à sua decisão.
Mais em concreto, à sua génese. Nunca há uma razão. Isto devia ser uma lei de
carácter universal. E cansada de tanto se repetir. Há, isso sim, razões. Dito
de uma outra forma: a razão é sempre plural. Sim, soa melhor. Neste momento,
uma brisa com aroma de sul no seu rosto. Esboça o agradecimento na forma de um
sorriso. Desde que ali chegara, mantém-se de olhos fechados. Não por cobardia.
Mas para exponenciar o sentir último das coisas. O corpo num balançar ligeiro.
Não, não se trata de qualquer vislumbre de nervosismo. Apenas um sinal de que o
movimento encontra o pensar. Ele, neste momento, à janela do passado. A paisagem
demora a aclarar-se. Puxa mais o estore. Abre, por completo, a janela. Demora a
amanhecer. Por fim, surgem uns vestígios de luz. Acompanhados de sons. Coloca a
cabeça de fora. Repara na extensa fila que se avoluma para passar sob a janela.
À frente, surge um casal. De novo, em si, um sorriso e um ligeiro frémito no
braço (sim, ia nascer uma saudação). O casal olha-o, mas, à medida que se
aproxima da janela, ele repara numa turva linha riscada sobre os rostos: a de
uma genuína tristeza. O casal, agora, afasta-se, talvez fosse uma ilusão, mas
pareceu vê-los, com um gesto, a mandá-lo afastar-se da janela. De seguida,
passa uma rapariga, com uma boneca debaixo do braço. A boneca com um vestido
gasto do brincar, duas tranças rematadas com laçarotes cor-de-rosa. O rosto da
rapariga desconhecia a idade vinda dos anos. Assim permanecera. A boneca
debaixo do braço, numa candura própria do feminino. Tinha o inato da
maternidade em si. Também olhou para cima. Disse-lhe um adeus demorado. Um
adeus sem desilusões. Um gesto nascido de quem provou pouco do sal da vida.
Talvez tivesse havido, e muitos, sonhos inconclusos naquele rosto de criança. A
rapariga afasta-se. Sempre com a boneca debaixo do braço. Ele a olhá-la, mas
nem sinal do verbo. O rosto, de novo, para a sua direita. O cortejo continua a
avolumar-se. Neste momento, um casal idoso. Trajes de aroma campestre. Olham-no
sem recriminações. Com um amor genuíno. Como se fosse um acto da natureza. Por
conseguinte, não é questionável. Acontece, e pronto. Se chove em Fevereiro,
ninguém questiona o porquê. Bom, talvez seja um pouco assim o amor espontâneo,
nas suas diferentes manifestações. Manifesta-se, nada mais. Afinal, é do ser
das coisas. A velha levanta, um pouco, a mão, sob a janela. Um gesto de pensa bem, apenas isso, e encerra, nesse
erguer de mão, um mundo de significações. E ele: tenho saudades; os velhotes, ao olhar para trás, afinal é breve a
passagem por debaixo de um peitoril, tudo
a seu tempo, tudo a seu tempo…
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